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Werbeth Serejo

ENSINO DE HISTÓRIA E A ABORDAGEM DAS “RELAÇÕES ECONÔMICAS” EM SALA DE AULA: UMA BREVE DISCUSSÃO
Werbeth Serejo Belo
Mestrando/PPGHEN/UEMA

Partindo de novas experiências durante alguns estágios curriculares de ensino de História no ensino básico, algumas reflexões teórico-metodológicas têm emergido em torno do período caracterizado, erroneamente, como “milagre econômico” (1969-1973) em função dos elevados índices de desenvolvimento econômico que o Brasil obteve então. 
Em alguns livros didáticos, como no intitulado “História: conecte”, lançado pela editora Saraiva e de autoria de um grupo composto por destacados historiadores da atualidade e professores do departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina Santos, temos o período do milagre econômico trabalhado através do binômio crescimento econômico e “endurecimento” do regime ditatorial. De forma que aqueles anos,
Foram os piores tempos da ditadura, conhecidos como “anos de chumbo”, mas também um período de grande crescimento econômico, fator fundamental para a legitimação do regime militar perante a sociedade brasileira (FARIA. VAINFAS. [et al]., 2014, p.720).
Percebe-se que no trecho apresentado os autores não se propõem a apresentar a quem esse crescimento econômico beneficia na sociedade, nem no texto principal nem como informação extra em algum texto paralelo. 
Esses dois pontos são de extrema importância para a compreensão do período. A grande questão a qual se pretende analisar aqui está em torno da abordagem dada a essas temáticas, sobretudo no que diz respeito à temática do desenvolvimento econômico ocorrido no período.
No livro didático intitulado Oficina de História, de autoria de Flavio de Campos e Regina Claro, ao contrário do livro anteriormente mencionado, já temos uma percepção minuciosa de que o “milagre econômico” brasileiro beneficiou determinada fração social burguesa.  Como pode ser percebido no trecho a seguir,
As taxas de crescimento econômico eram mantidas também pela expansão das linhas de crédito ao consumidorprivilegiando a classe média, ávida por bens de consumo duráveis – e pelo estímulo à poupança interna, atualizada pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas campanhas oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo (CAMPOS, CLARA. 2015. P. 702. Grifos nossos).
Esta minuciosa percepção de quais frações de classe estão sendo privilegiadas pelo projeto desenvolvimentista é um posicionamento eficaz para que os alunos possam perceber que havia um objetivo da defesa dos interesses de determinada classe no jogo político-econômico do período. Além disso, esta demarcação é eficaz, também, para que se perceba e seja discutida a própria nomenclatura dada ao período, a saber: “milagre econômico”.
Um terceiro material didático em análise intitulado História: conexões com a História, elaborado por Alexandre Alves e Letícia Fagundes de Oliveira e lançado pela editora Moderna, apresenta o período do “milagre econômico” de forma que também apresenta uma análise que localiza bem os grandes beneficiados desse período, ou seja,
A entrada maciça de capitais estrangeiros também impulsionou a economia brasileira. Ao mesmo tempo, o aumento da população urbana garantia mão de obra farta e de baixo custo para a expansão industrial dos grandes centros econômicos do país. Além disso, a censura e a repressão dificultavam os protestos contra a política de arrocho salarial do governo e contribuíam para implantar uma ordem fortemente disciplinada no mundo do trabalho (ALVES. OLIVEIRA, 2015, p. 651).
É importante destacar que mesmo adotando livros didáticos que apresentem uma escrita bem elaborada a respeito do período aqui apresentado é necessário que os professores de História do ensino básico possam apresentar debates a respeito das relações que não são expostas no material didático, como a relação existente entre Estado, economia, política e sociedade, muito importante para que não sejam naturalizadas relações que são historicamente construídas.
Além da temática a respeito do termo “milagre econômico” e das frações privilegiadas nesse período, é válido perceber que os materiais didáticos em questão utilizados no ensino de história aqui no Maranhão são elaborados a partir de uma perspectiva que pretende abordar a realidade histórica do centro-sul como hegemônica, sem levar em consideração as especificidades regionais. Portanto, pensando nessa questão como um dos pontos centrais desta pesquisa e, ainda, na utilização de impressos locais para a constituição de um novo saber histórico a respeito do período, nos propomos a utilizar impressos locais com o intuito de aproximar a produção acadêmica do cotidiano escolar e de perceber as especificidades regionais do Maranhão ao longo do período do “milagre brasileiro”.
Então, acredita-se que a partir da análise historiográfica a respeito do período e a inserção de novas linguagens, como o uso dos impressos, gráficos, tabelas, podemos elaborar uma nova abordagem a fim de construirmos no ensino básico um conhecimento histórico de forma que possamos auxiliar os alunos a perceberem a diversificação de fontes para o historiador, rompendo com a caracterização da história como unicamente escrita a partir de documentos oficiais.
Algumas inquietações surgiram a partir de duas experiências que ocorreram de forma concomitante: a pesquisa acadêmica e o momento de experiência inicial no ensino básico: a) a resistência que há, por parte dos alunos, em fazer análises econômicas de diversos temas da história; b) a ausência de gráficos e apresentação de fontes alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a respeito do “milagre econômico” e; c) a não relativização e análise em torno do termo “milagre econômico” no livro didático.
Partindo da primeira inquietação supracitada - a resistência que há, por parte dos alunos, em fazer análises econômicas de diversos temas da história – é que iniciaremos as discussões que nos propomos a fazer nesta sessão.
Ciro Flamarion Cardoso (2002) em sua obra Os métodos da História aponta que “a história econômica não pode (...) limitar-se a um mero comentário de índices e curvas, ou à construção de modelos puramente econométricos” (CARDOSO, 2002, p. 49) é necessário que esta esteja inserida na lógica globalizante e da totalidade, a fim de que se possam perceber as relações que ocorrem nas esferas políticas e sociais de dada sociedade.
Inúmeras fontes podem ser utilizadas para a elaboração de esquemas que facilitem a compreensão de relações socioeconômicas, como dados estatísticos, por exemplo. Além disso, “os dados econômicos são absolutamente necessários à elaboração da história social” (CARDOSO, 2002, p. 51) o que demonstra a imbricação entre os campos de conhecimento da História e não uma atomização destes.
No que diz respeito à ausência de gráficos e apresentação de fontes alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a respeito do “milagre econômico”, acreditamos que a História econômica do período caracterizado como “milagre econômico” tem sido utilizada em larga escala nacionalmente para suster debates acerca do desenvolvimentismo adotado pela política econômica do período. No entanto, localmente, tem-se uma produção escassa a respeito da análise desta política econômica.
Além disso, são escassos também estudos que se proponham a analisar como a imprensa escrita local se posiciona frente a essa política desenvolvimentista adotada entre 1969 e 1973, isto é, são necessárias análises, por exemplo, sobre o posicionamento institucional dos impressos locais, o espaço destinado a reportagens que consolidem – ou não – essa política econômica para posterior relação com o ensino de História e estratégias do uso dos impressos como forma de compreensão da lógica do período.

Referências bibliográficas

ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e seu ensino curricular. Tempo, v.11, n.21, p. 163-171, 2006.
ALVES, Alexandre. OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. História: conexões com a História. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.
BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. IN: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: contexto, p.37-48, 2003.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, p. 183-220, 2008.
CAMPOS, Flávio de. CLARO, Regina. Oficina de História, volumen único. 1 ed. São Paulo: Leya, 2015.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2002.
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História do Tempo Presente: desafios. IN: Cultura Vozes, Petrópolis, v.94, nº3, p.111-124, maio/jun., 2000.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 03. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
MONTEIRO, Ana Maria F. C. A história ensinada: algunas configurações do saber escolar. História & Ensino, v.9, p. 37-62, out. 2003.
PEREIRA, Nilton Mullet. SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos 90. V.15, n.18, p. 113-128, dez. 2008.
VAINFAS, Ronaldo. FARIA, Sheila de Castro. [et al]. Conect: história, volume único. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

11 comentários:

  1. Olá, boa tarde. Primeiramente, gostei muito de seu texto. A que você atribui essas diferentes interpretações dadas ao "milagre econômico"? seria ideológico? Haveria uma intencionalidade nesta interpretação? Se sim, qual seria?

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    1. Olá, boa noite. Agradeço pelo seu comentário sobre o trabalho. Bom, acredito que as interpretações a respeito do "milagre econômico" nos livros didáticos variam de acordo com o posicionamento de cada autor no que diz respeito à condução do regime ditatorial como um todo.Existe uma vasta bibliografia a respeito deste tema tendo como destaque: René Dreifuss, Maria Helena Moreira Alves, Enrique Padrós, Jorge Ferreira, Carlos Fico, Marcos Napolitano, Demian Mello entre outros. Este debate acaba por ser transposto aos materiais didáticos de acordo com a concepção de cada autor no que tange à condução do regime ditatorial.Então, acredito que se há intencionalidade, esta está atrelada à construção da hegemonia da concepção de cada autor, tendo o ensino básico como um dos espaços de construção desta hegemonia. Portanto, caberia ao professor do ensino básico fazer a mediação didática necessária em prol da discussão de termos como ditadura civil-militar, empresarial-militar, militar, entre outros. No que diz respeito especificamente ao "milagre econômico", este acaba sendo somente um dos pontos inseridos neste debate, isto é, a localização dos sujeitos que se beneficiavam destes altos índices de crescimento pode estar atrelado ao posicionamento do autor: se o autor defende a hipótese de um regime empresarial-militar, por exemplo, a fração burguesa que mais se beneficiou da política econômica do período certamente está bem demarcada no material didático.

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  2. Olá Werbeth Belo, parabéns pelo seu trabalho. A partir da sua pesquisa, qual seria a melhor estratégia para uma abordagem das relações econômicas em sala de aula?
    Ass: Edilene Pereira Vale.

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    1. Edilene, obrigado pelo questionamento.
      Bom, acredito que seja fundamental uma relação entre a economia, política e sociedade. Essa relação nos permite uma abordagem totalitária do Estado Contemporâneo de modo que não sejam seccionadas aos alunos. Isto permite que os mesmos possam se perceber quanto sujeitos históricos ativos e que percebem a história como uma constante disputa e não naturalizem determinados fatos.
      abraços.

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  3. Prezado Werbeth, primeiramente eu quero te parabenizar pela qualidade do seu texto. Excelente escrita, e uma ótima abordagem, sem falar da relevância da temática. Gostaria de me ater a um parágrafo em específico onde você destaca: "é necessário que os professores de História do ensino básico possam apresentar debates a respeito das relações que não são expostas no material didático, como a relação existente entre Estado, economia, política e sociedade, muito importante para que não sejam naturalizadas relações que são historicamente construídas." Baseado nesse recorte, é possível afirmar que cabe ao professor se posicionar frente aos seus alunos ideologicamente, ou tentar uma certa (mas impossível) neutralidade? E outra, você acredita ser necessário que o professor faça um recorte de classes com os alunos, para explicar a relação entre Estado, economia e sociedade, partindo da noção de classe trabalhadora e burguesia, ou você considera tais convicções obsoletas? Abraços e parabéns mais uma vez.

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    1. Thalles, bom dia.
      Primeiramente, obrigado pelos elogios em relação ao texto. Em relação à abordagem do professor: Acredito que uma análise feita pelo professor requer um posicionamento, digamos filosófico - no sentido de visão de mundo -, mesmo que este não seja de forma explícita, haja vista a impossibilidade de um posicionamento neutro, como você mesmo mencionou. ainda nesses aspecto, a mediação entre conhecimento acadêmico e escolar é feita no sentido de que uma análise sucinta de determinado historiador tem que está embasada na relação teoria e fatos (e dados) históricos, haja vista que a teoria é fundamental na elaboração de um texto (falado ou escrito). sobre a sua pergunta no que diz respeito ao recorte de classes: Isso está diretamente relacionado à concepção teórico do professor: se este tem como visão de mundo a luta constante entre as classes e que este é o motor da forma atual do Estado capitalista, isto estará implícito em sua abordagem com os alunos. Caso contrário, sua fundamentação teórica o guiará a uma outra abordagem. Como a minha visão de mundo, por exemplo, é uma visão de mundo com base na luta constante entre as classes, isto está inserido em minhas abordagens, portanto, a considero fundamental, isto é, não a considero como absoleta.
      Obrigado pelos questionamentos.
      abraços.

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    2. Muito obrigado Thalles. Abraços. Sucesso!!

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    3. Muito obrigado Thalles. Abraços. Sucesso!!

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  4. olá Werbeth Belo, como você pretende trabalhar o milagre econômico maranhense através de impressos locais na educação básica? Voce iria se prender a apenas analises destas fontes?
    Priscilla Piccolo Neves

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    1. Olá Priscila. Boa noite.
      Bom, os impressos são parte de um projeto que estou executando no mestrado. O objetivo final deste projeto é elaborar um dicionário de História econômica para jovens do ensino médio, com o intuito de inserir a discussão em torno da relação existente entre Estado, economia e sociedade. Trabalho com os impressos partindo da concepção de Antonio Gramsci, isto é, os impressos são considerados Aparelhos Privados de Hegemonia, portanto, tem como objetivo criar consenso em torno de um projeto que se pretende hegemônico. Neste dicionário os impressos poderiam, por exemplo, ter um verbete direcionado a esta sua função, de forma que pudesse fomentar um debate em sala de aula. Além disso, este debate poderia demonstrar aos alunos uma conexão entre política, economia e sociedade auxiliando os alunos a compreenderem o Estado em sua totalidade, isto é, sem tratar o conhecimento de forma sectária. Além das questões anteriormente apontadas os impressos podem ser utilizados em sala de aula com o objetivo de fazer a mediação didática entre saber acadêmico e o saber escolar no que tange ao próprio "milagre econômico", no sentido de demonstrar o posicionamento destes frente ao projeto do "milagre econômico", isto é, os impressos se constituem como objeto e fonte importantes para a mediação didática.

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