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Thalles Azevedo

O ENSINO DE HISTÓRIA E A AMEAÇA DA NOVA REFORMA DO ENSINO MÉDIO
Thalles Azevedo Ladeira
Prof. Esp. UCAM

Falar do ensino de história e de sua importância é antes de tudo nos remeter a um pressuposto fundamental defendido por Marx e Engels, quando afirmam que a dinâmica da História é a história da luta de classes. Sendo assim, é possível afirmar que a História não é apenas uma narrativa, mas também todo o processo humano ao longo do tempo e seus desdobramentos.
Partindo do indicativo acima, ressalta-se que a história deve ser considerada portanto um prisma indispensável para entendermos o mundo em que vivemos, haja vista que através dela nos é assegurada a capacidade de entendermos de forma crítica as estruturas econômicas, sociais, políticas, religiosas, ideológicas e jurídicas de nossa sociedade.
Entretanto, nos dias atuais, uma grande crise tem se instalado, visando a desvalorização dos conhecimentos históricos e sociais em detrimento de um maior destaque dos conhecimentos técnicos e com uma aplicabilidade imediata no mercado.
Em conformidade com o parágrafo acima, cabe dizer que essa dinâmica se deu a partir da revolução industrial no século XVIII, onde o capitalismo implantou de forma ideológica uma forma de pensar que se objetivou em uma realidade onde fosse garantido aos representantes da classe trabalhadora os conhecimentos imediatos para um maior aproveitamento no mercado de trabalho, visando uma mão de obra minimamente qualificada para atender as demandas do capital, ao passo em que iniciou-se um processo de desvalorização dos conhecimentos humanos que por sua vez possibilitam uma apropriação crítica da realidade social.
Para Marx e Engels (1999), isso se dá devido a avidez dos governantes, de tentarem garantir a manutenção da acumulação de suas riquezas e de seus privilégios de classe, às custas da exploração e alienação da classe trabalhadora, que quanto mais detentora forem dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, mais capacitados estarão para a busca se sua própria emancipação de classe.
A guisa de exemplo, isso pode ser facilmente percebido nos dias atuais, com a nova reforma do Ensino Médio no Brasil, aprovada nesse ano de 2017, no dia 08 de fevereiro pelo Senado, cujo objetivo é retirar da grade obrigatória de todas as escolas públicas, o ensino de História e Geografia, bem como de outras áreas do conhecimento, tornando tais disciplinas eletivas, portanto uma questão de opção dos alunos, que ao passo em que escolherem se aprofundar em determinada área do saber (linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional) consequentemente estarão abrindo mão dos outros itinerários formativos, também importantes.
Essa nova reforma do ensino médio é um conjunto de novas diretrizes para o ensino médio implementadas via Medida Provisória apresentadas pelo governo federal em 22 de setembro de 2016.  Por se tratar de uma medida provisória, o texto teve força de lei desde a publicação no "Diário Oficial". Para não perder a validade, precisava ser aprovado em até 120 dias (4 meses) pelo Congresso Nacional.
A reforma flexibiliza o conteúdo que será ensinado aos alunos, muda a distribuição do conteúdo das 13 disciplinas tradicionais ao longo dos três anos do ciclo, dá novo peso ao ensino técnico e incentiva a ampliação de escolas de tempo integral.
Um segundo destaque é que tal reforma vai permitir que profissionais com notório saber, isto é, profissionais de outras áreas e/ou especialistas, ao serem reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino, possam dar aulas de conteúdos de áreas afins à sua formação. Em relação a isso, é necessário ter a compreensão de que o notório saber colabora gravemente com a desvalorização dos professores.
Essa medida,além de ampliar as desigualdades sociais, fomenta a criação de uma sociedade ainda mais alienada e analfabeta politicamente, uma vez que será retirada da grande maioria da população a possibilidade de apropriarem-se de um saber crítico que lhes permitam analisar a sociedade com um olhar dialético e a partir do recorte da luta de classes.
Essa tendência capitalista, é ressaltada por Nussbaum (2010) ao deixar claro que o grande objetivo de eliminar da grade obrigatória das escolas públicas brasileiras o ensino de história é a fim de produzir uma geração de “máquinas úteis”, que são tecnicamente qualificados para o mercado ao invés de criticamente capazes de pensar e questionar a realidade em que estão submetidos.
Um desdobramento de tal panorama apresentado se dará na intensificação da perda, pela sociedade, de sua capacidade de avaliar os dados históricos e de exercerem o senso crítico para analisar, por exemplo discursos tendenciosos politicamente, fascistas, preconceituosos etc.
Além disso, sem o acesso ao estudo da História e das Humanidades, de forma geral, perde-se paulatinamente nos indivíduos a consciência que leva ao respeito às diferenças culturais, pluralidade de ideias e de formas de viver. No que se refere a essa questão, Nussbaum (2010), destaca que a Humanidades melhoram a capacidade de ver o mundo através dos olhos dos outros. (NUSBAUM, 2010, p.3). 
O que se pretende portanto, com essa nova reforma do ensino médio, bem como com a implementação da nova Base Nacional Comum Curricular, aprovada em 2016, é tentar retirar das escolas públicas o ensino crítico, que por sua vez, contribui para a formação de cidadãos críticos politicamente e desse modo homogeneizar ao máximo as formas de pensar, reforçando estigmas e estereótipos que favorecem a dominação de classe e contribuam para a propagação da leitura hegemônica de sociedade da classe dominante, que está intrinsecamente associado a uma realidade onde pobres, negros, mulheres, gays, indígenas etc., e também povos e culturas, que são minorias em direitos sociais, tenham ainda menos direitos e sejam de forma paulatina associados a “cidadãos de segunda classe”.
Por essas razões destacas, é possível compreender os motivos de ser tão necessário o exercício do estudo da História e das Ciências Humanas, de modo geral, cabendo deixar claro que tão necessário quanto se apropriar dos conhecimentos históricos, é também, e de igual modo, imprescindível, fazer a história, ou seja, se colocar no movimento de militar contra os ataques à educação e contra a implementação dessa “era das incertezas” na expressão de Edgard Morin (2000), direcionando sempre a nossa luta no sentindo de transformar a sociedade em um espaço onde seja possível a existência de sujeitos emancipados e livres plenamente.

Referências Bibliográficas:
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília: Cortez/Unesco, 2000b.
NUSSBAUM, M. Uma crise planetária da educação. Courrier Internacional, n.º 175, Setembro de 2010 (ed. portuguesa).


8 comentários:

  1. Olá,
    Nos últimos anos, mesmo com o formato anterior, o ensino médio brasileiro alcançou baixos resultados. Desde 2011, os dados do IDEB mostram que o Ensino Médio está estagnado. A evasão nesta etapa da educação tem sido uma das maiores do mundo: 1,7 milhão de adolescentes da faixa etária não frequentam a escola ou a abandonam totalmente. O currículo é muito extenso, o que provoca muito desgaste tanto nos professores, como nos alunos e também nos coordenadores/diretores. As metas do Ens. médio são muito amplas, não permitindo que sejam atingidas com sucesso e em totalidade. A retirada da História como disciplina obrigatória é apenas na metade do segundo ano do Ens. Médio, e não totalmente retirada como você coloca no texto, há um equívoco grande aí. No Ens. Fundamental tudo permanece obrigatório. Durante todo o primeiro ano e metade do segundo do EM, os estudantes serão expostos ao conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), só depois é que farão a escolha de qual área se interessam mais, aumentando o foco naqueles conteúdos que darão suporte para a formação universitária e futura profissão. Lembre-se que todo o conteúdo da BNCC já foi trabalhado por inteiro e em todas as disciplinas até o 9º ano! No EM permanecerá assim até a metade do segundo ano! Vários países desenvolvidos têm metodologia semelhante (alguns até mais restritivos, com menos disciplinas obrigatórias) como França, Finlândia, Coréia do Sul, Alemanha e EUA, os índices educacionais são satisfatórios. Assim, as demais disciplinas são eletivas, ficam a critério de cada estudante, deixando até mais democrático, mais viável, menos pesado e, antes de tudo, mais adequado a uma realidade de ensino cruel (principalmente para a rede pública). Achei o seu texto um tanto tendencioso, desculpa. Devemos somar ao exposto, o fato do Brasil estar com índices realmente muito baixos no Ens. Médio, muitos Estados estão com a Educação muito deficitária, quem é professor do ensino médio na rede pública sabe que essa quantidade de disciplinas atravanca resultados, os alunos da rede pública absorvem uma porcentagem ínfima desse currículo imenso, formando uma lacuna muito grande se comparar com algumas escolas da rede privada, que largam na frente, infelizmente. Em tese, haverá um aumento de 800 horas aula por ano para 1.400 horas/ano. Embora eu tenha resistido à Reforma do ENs. Médio, hoje, um pouco mais distante do pico da discussão em agosto do ano de 2016, acredito que existirá mais liberdade para que o aluno se aprofunde nas áreas que mais o apetecem. Lembro que na época do meu ensino médio entre 2000 e 2002, as turmas já se dividiam em exatas, humanas e saúde, pois o nosso vestibular aqui na PB era seriado e por área (antigo PSS). Nunca tivemos problemas com a divisão, pelo contrário, facilitou ainda mais a aprendizagem, deu mais liberdade para escolher e os resultados no vestibular foram muitos bons para a época, a Escola, inclusive, foi destaque e modelo para outras. O que você considera sobre essas pontuações que foram feitas e lacunas apontadas ao seu trabalho?
    Cordialmente,
    Rodrigo Henrique Araújo da Costa

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    1. Este índice do Ensino Médio que você reclama como baixo é baseado em que? Desempenho e fluxo. São os sistemas de ranking de educação que são tendenciosos, pois partem de uma mensuração fundamentada na reprovação e evasão. Existem outros índices. Para mim, a reforma do Ensino Médio separa a educação dos ricos e a educação do pobre. Porque nas escolas particulares, os alunos terão todas as disciplinas? Porque no vestibular continua "caindo" todas as disciplinas". Aquele da escola pública que não fez todas as disciplinas, não terá condições de concorrer no vestibular. O Ensino Médio integral, exclui os alunos trabalhadores. O aluno que trabalha poderá fazer ter uma educação integral? A Reforma do Ensino Médio é absolutamente excludente.

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    2. Os índices são do próprio IDEB. Os índices não são tendenciosos, são dados técnicos do MEC, e é referente a 2015 para trás. Releia meu comentário, pois, inclusive, eu disse justamente isso, que beneficia muito mais os alunos da rede privada. E não é verdade que os alunos das escolas particulares continuarão tendo todas as disciplinas, eles também vão ter que se adequar à nova metodologia, assim como os da rede pública. Quanto aos alunos da noite, incluindo a EJA, já era tempo de o Brasil realmente cumprir com a educação básica na faixa etária correta (de 5 aos 17 anos) se dedicando exclusivamente aos estudos. Os alunos da noite, muitos trabalhadores, esses é que não têm aulas mesmo de todo o conteúdo do extenso currículo, uma lástima. Já dei aula na EJA e sei das imensas dificuldades, nem o básico eles têm. É uma chaga aberta no Brasil, e que não recebeu o zelo adequado, continuam excluídos após décadas. Vamos ter cuidado com as palavras utilizadas.
      Rodrigo Henrique Araújo da Costa

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  2. Prezado Rodrigo da Costa, só você que não vê que essa reforma do ensino médio pode piorar a desigualdade social no Brasil. Com a aprovação da PEC 55/2016, que congela os investimentos em educação por 20 anos, eu te pergunto, haverá dinheiro para todas as inovações prometidas pelo Governo? Não seja inocente caro Rodrigo, o que se pretende com essa reforma é ampliar ainda mais as desigualdades sociais e os problemas estruturais nas escolas. Em algum momento, você menciona o ensino em tempo integral. Meu caro, basta olhar de perto para ver que não há por parte do Governo disponibilidade alguma em conceder recursos para que essa reforma seja implementada em tempo integral e com qualidade. O que será implementado é um despejo de alunos em escolas sem infraestrutura adequada e com professores com o mínimo de capacitação. Aliás, com muita sorte, nossos alunos terão professores formados em Licenciatura, haja vista que um dos pontos intrínsecos a reforma, é a implementação nas escolas do professor por notório saber, isto é, a pessoa não precisa nem ter passado por uma formação a nível acadêmica, nem ter tidos aulas de didática, para ocupar uma sala de aula como educador. Se isso, não te parece bizarro, por favor, reveja seus conceitos. Em um determinado momento do seu texto, você afirma que haverá mais liberdade para os alunos poderem escolher seu itinerário formativo, mais uma vez caro Rodrigo, não seja inocente, que liberdade? Pense no filho da operária, que precisa trabalhar para contribuir em casa, qual itinerário formativo você acha que esse aluno irá escolher, a não ser o ensino técnico, que supostamente poderá lhe dar uma inserção imediata no mercado de trabalho. Ou você acha que será diferente. Em suma, gostei muito de sua participação, mas se me permite gostaria de finalizar te pedindo algo, com toda a gentileza, leia mais e estude mais, para não ser levado facilmente por discursos governistas e virar um fantoche do sistema. Abraços

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  3. Reiterando: Sim Rodrigo. O meu texto é tendencioso sim. Porque está carregado de intencionalidade. Isso porque eu não acredito que exista neutralidade na vida. Entenda que é absolutamente impossível haver imparcialidade quando se trata de gênero humano. É possível citar Paulo Freire ao afirmar que não há imparcialidade, todos nós somos orientados por uma base ideológica. Ainda que não percebamos. A vida portanto não é neutra, uma vez que todo homem está carregado de subjetividade, que gera intencionalidades em suas opiniões e modos de agir. Logo, acredito que nenhuma atividade ou opinião é puramente neutra ou imparcial.
    Que fique claro, que essa é apenas uma forma de pensar. Mas respaldada teoricamente.

    Para enriquecer a discussão, vou deixar a sabedoria de Gramsci ao afirmar:

    "Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Indiferença é apatia, parasitismo, covardia. Não é vida. Por isso, abomino os indiferentes. Desprezo os indiferentes, também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Vivo, sou militante. Por isso, detesto quem não toma partido. Odeio os indiferentes." (Antonio Gramsci).

    A vida é tomar partido. Abraços.

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  4. Oi Thalles!

    Gostei muito do seu texto tendencioso!
    É muito interessante quando a gente estuda e aprende que o conceito de ensino integral, mobilizado na reforma do Ensino Médio para pensar extensão de carga horário foi, na verdade, cunhado no interior de uma educação socialista que se pretendia onilateral, ou seja, que visava a formação humana em todas as dimensões fundamentais da vida.
    Na sua opinião, o Programa Escola sem Partido contribui de alguma forma para a efetivação desse projeto de futuro sem passado cunhado pelo governo ou se trata apenas de uma (in)feliz coincidência espaçotemporal?
    Para além da pergunta cuja resposta (nem) todos já sabemos, fica aqui registrada a necessidade de pensar, sim, uma reforma do Ensino Médio, mas que leve em consideração as demandas dos sujeitos, que são (e querem ser) seres plenos, e não apenas as do mercado.

    Um abraço,
    Caroline Trapp de Queiroz.

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  5. Olá Caroline. Obrigado pela sua participação. Em relação e Escola Sem Partido, sem dúvidas é uma grande aliada da Nova Reforma do Ensino Médio. Eu não sei se você já tem conhecimento, mas em Alagoas, foi implementada no ano passado a Lei 7.800/2016, mais conhecida como Programa "Escola Livre", que possuía os mesmos fins do Programa Escola Sem Partido. Felizmente, no mês passado, o Supremo Tribunal Federal suspendeu essa Lei, por considera-la desnecessária e ditatorial. Isso nos revela, como as coisas estão acontecendo bem embaixo dos nossos olhos, por isso, temos que ficar muito atentos, e fazer a nossa parte, seja através das manifestações populares, de combate a esse tipo de Lei, e de igual modo, de conscientização na hora do voto, para que projetos como esses, não sejam implementados no Brasil, que embora aparentem uma pseudo democratização dos conhecimentos científicos que circulam nas escolas, na verdade, possuem um forte cunho ideológico, conservador e pós moderno. Inclusive porque foi criada por um representante do partido do PMDB, o partido com mais escândalos de corrupção no Brasil, e na prática, configura-se por ser uma verdadeira "caça as bruxas" de professores que sustentam um discurso mais crítico e de caráter anticapitalista, como eu.

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  6. Parabéns, Thalles Ladeira.

    Suas vivências e experiências é traduzido em seu texto. Sucesso nos desafios que a mediação Escola e Conhecimento nos impõe todos os dias.Essa proposta poderá levar a uma precarização do ensino, com a ênfase maior em uma formação tecnicista em oposição a uma formação crítica dos estudantes.Não podemos pensar o ensino médio como profissionalização para mão de obra barata e nem como algo que prepara só para o vestibular. Tem que ter conotação de preparar o cidadão para que tenha autonomia e possa decidir o que quer.É LASTIMÁVEL!!
    ATT:
    Carla Danielle da Silva

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