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Tales de Castro

CIDADANIA E EDUCAÇÃO NO PROJETO NEOLIBERAL
Tales de Castro Cassiano
Mnt. História PUCG

Introdução
A educação pública brasileira vem há décadas apresentando problemas generalizados que são alvos de uma ampla discussão na sociedade e na academia. Entretanto, por mais que pesquisadores e opinião pública concordem sobre a fraca condição da estrutura educacional, por diversas vezes apontam-se problemas localizados como causa das deficiências na educação, sem relacionar com a amplitude do sistema político e econômico que vivemos. Ou seja, a culpa recai nos baixos salários dos profissionais da educação, infra-estruturas precárias, alunos indisciplinados e baixos investimentos como motivadores fundamentais para a elitização e ineficiência educacional. Estes motivadores devem ser analisados de forma isolada? Talvez não sejam consequências de uma lógica mais ampla?
Para melhor responder a estas questões é importante fazer um resgate histórico sobre a adoção do modelo neoliberal na educação brasileira, principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990, com a abertura política e promulgação da Constituição de 1988, momentos que possibilitaram os governos a estruturarem um novo modelo educacional para o país, que não tivessem características semelhantes às do regime militar.
Compreendendo a escola como espaço de formação dos indivíduos, do ponto de vista formal e de valores políticos e morais, e entender o modelo que ela está inserida, pode contribuir para enxergarmos quais cidadãos estão sendo preparados no ambiente educacional no Brasil.
Reconhecer que a estrutura educacional brasileira convive com graves problemas é saber que há um projeto em desenvolvimento que não propõe a escola como espaço formativo de cidadania e emancipação. Talvez a partir de novas experiências práticas e novas teorias, como a proposta da escola crítico-democrática, possamos desenvolver novos exemplos de práxis educacionais e escolares.
Portanto, o presente artigo tem como objetivo analisar os impactos do neoliberalismo na educação, questionando a relação entre política econômica, desigualdades sociais e desigualdades educacionais.
Como metodologia utilizou-se de revisão bibliográfica de autores que debatem o projeto neoliberal para educação, principalmente nos países pobres.

Desenvolvimento
No Brasil, as políticas neoliberais tiveram sua fase mais aguda nos anos 1990. A partir da eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989, o programa econômico liberal foi amplamente defendido e vários de seus eixos implantados no seu governo. Porém, é no governo Fernando Henrique Cardoso que o estado assume o neoliberalismo como lógica determinante. Diversas empresas estatais foram privatizadas, prevalecendo o caráter do estado mínimo, refletindo diretamente nas políticas públicas. No ensino superior, por exemplo, apenas uma única universidade federal foi criada, recursos públicos foram contingenciados e decretou-se a limitação da expansão de escolas técnicas federais (Lei 9649/1998). Em contrapartida centenas de faculdades privadas se espalharam pelo território nacional, assumindo majoritariamente a função social na educação superior, onde assimilou cerca de 75% das matrículas. Nesse mesmo período as pós-graduações e alguns mestrados profissionais passaram a ter cobrança de mensalidades nas universidades federais, minimizando a concepção pública destas instituições de ensino. Claramente se aprofundou no Brasil uma lógica mercadológica da educação, afetando a qualidade e elitizando as instituições públicas de ensino superior. (MARTINS, 2000).
Outra questão alarmante provocada pela política neoliberal foi a precarização do ensino básico no país. Segundo Guimarães (2009, p. 71), “A relação entre desigualdade social e desigualdade educacional sempre caminhou de mãos dadas no contexto dos países latinos americanos”.
O pensamento hegemônico neoliberal constrói uma concepção educacional baseada no produtivismo, desprivilegiando os aspectos da cidadania crítica e emancipatória. O estado brasileiro, ao assumir essa face, assume uma hegemonia dos valores do mercado, reduzindo a educação a uma função específica de ferramenta para o desenvolvimento econômico.
O retrato é de altas taxas de repetências, altas taxas de evasão escolares e aprendizagens precárias dos alunos, onde também os professores são pressionados pelos seus superiores a uma prática de aprovação automática, perdendo assim a sua autonomia dentro da sala de aula. São características do neoliberalismo, que considera o direito à educação apenas na forma quantitativa, com grandes números de matrículas de crianças na escola e índices que “comprovam” adequação entre idade e série dos alunos.
Importante ressaltar que o neoliberalismo levou diversos países pobres e emergentes a se adequarem a propostas internacionais, se comprometendo a cumprir metas que possibilitam financiamentos em diversas áreas, inclusive na educação. Obviamente que esses compromissos se dão em sintonia com a proposta capitalista de ensino. Guimarães (2009) lembra que:
Em 2000, o Brasil participou da cúpula mundial de Educação Para Todos, que ocorreu em Dakar, Senegal, onde foram reafirmados os compromissos da Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos (EPT), realizada em Jotiem, Tailândia, dez anos antes, em 1990. (GUIMARÃES, 2009, pg. 79)
Certamente que a perseguição desses índices e metas nem sempre andam lado a lado com a qualidade do ensino, pois o que mais interessa nesse modelo é a quantidade e não a capacidade crítica dos alunos.
Outro aspecto dessa concepção são as diferenças regionais, estritamente ligadas às desigualdades econômicas. É evidente a disparidade entre as regiões do país, onde áreas mais pobres economicamente sofrem com maior precariedade do ensino.
Notadamente que toda essa lógica está em sintonia com a pedagogia utilizada nas escolas como por exemplo, através dos currículos escolares. Enquanto nos países mais desenvolvidos os currículos são orientados sob uma ótica de preparação de cidadãos para que conheçam e enfrentem os problemas locais e globais, no Brasil servem à lógica de preparação para o mercado de trabalho (tapa buraco de vagas de trabalho). Guimarães (2009) sustenta que:
O currículo escolar da escola pública brasileira está ultrapassado nesse sentido, pois formamos alunos com uma visão extremamente limitada e descontextualizada dos problemas que afetam o mundo, o planeta. (GUIMARÃES, 2009, p.83)
A autora afirma que é através dos currículos que parte dos valores políticos e sociais são construídos com os alunos, mais do que isso, são os currículos que trazem o conhecimento histórico, suas percepções e nuances, contribuindo para que a criança tenha determinada leitura de mundo, que se “feche” ou se “abra” para compreender a sociedade que vive. A autora apresenta que a educação pode servir para mediar compreensão de mundo, muito além das questões formais e dos livros didáticos. Guimarães (2009) afirma que:
Apesar de sua importância inquestionável, não é possível formar o cidadão crítico, ativo e emancipado apenas com a oferta de educação formal, principalmente a partir da concepção perniciosa da neutralidade política. Em tempos de globalização, não basta apenas dominar o código alfabético, mas as entrelinhas, as intenções que aí se escondem, o dito e não dito. (GUIMARÃES, 2009, p.69) 
Autores como Luis Rigal, professor da Universidade Nacional de Jujuy, em Buenos Aires, tem debatido a necessidade de enfrentar o processo hegemonizador do neoliberalismo. Para ele, o discurso neoliberal busca se tornar um paradigma universal, postulado de sustentação do sistema capitalista. Entretanto de acordo com o autor o neoliberalismo é um paradigma de aprofundamento das desigualdades sociais, que busca através da educação criar fossos entre uma maior parcela da população pobre e uma minoria rica. Segundo Rigal (2000), o modelo educacional neoliberal está carregado de práticas produtivistas, que descaracterizam o sentido cidadão da educação. O autor afirma que qualidade passou a ser compreendida como rendimento, o salário dos profissionais da educação se vincularam às metas e resultados, além das escolas adotarem uma lógica de controle que afeta a autonomia institucional, onde objetivos, processos, resultados e critérios de avaliação são definidos por instâncias externas à escola, afetando também autonomia dos professores. A lógica dominante passa ser instrumental e técnica, se assemelhando a uma lógica de produção empresarial e industrial,
A contrapartida disso é um sujeito pensado como agente passivo, adaptado e adaptável. O viés economista do neoliberalismo confunde cidadão com agente econômico, com cliente, com consumidor, confusão essa que expressa um profundo desprezo pela preocupação moderna com a cidadania. (RIGAL, 2000, p.185)
Sendo assim, é possível afirmar que o projeto neoliberal carrega consigo um programa político de alienação de grande parcela da sociedade. A sua consolidação não afeta somente as questões relacionadas à economia, mas também ao desenvolvimento político e cultural. Guimarães (2009, p. 70) afirma que, “A educação escolar despontou no cenário nacional como uma educação tecnocrática e elitista, tendo como objetivo formar dois grupos de cidadãos: um para comandar e o outro, a grande maioria, para ser comandada.”
Com esse entendimento é necessário pensar e buscar alternativas ao modelo neoliberal, do ponto de vista de estrutura política, econômica e social, trazendo novas perspectivas na Educação. A escola como espaço democrático, voltada para a humanização da sociedade, como estratégia de desenvolvimento cultural emancipador devem fazer parte desse horizonte. O apontamento de  Guimarães (2009) vai ao encontro desta opinião,
A escola, entretanto, precisa privilegiar a cidadania, não a produtividade econômica. Entretanto, o que se percebe é que o pensamento neoliberal vem na contramão de uma política educacional voltada para os direitos da cidadania conquistados ao longo do tempo e os direitos sociais apresentam-se como o “bode expiatório” das políticas neoliberais, sendo o lugar preferido para os cortes públicos. (GUIMARÃES, 2009, p. 72)
A escola deve cumprir um papel fundamental na formação de cidadãos, sujeitos políticos protagonistas e ambientados da sociedade em que vivem. Deve ser um espaço de fortalecimento da cidadania de identificação das potencialidades da criança, de estímulo a práticas que superem os valores preconceituosos e combatam as discriminações. Um ambiente que garanta uma boa formação do conhecimento formal aliada a uma formação crítica, libertária e pensante.
Segundo Rigal (2009), a escola que tem essas características é uma escola crítico-democrática. Para ele, uma escola formadora de cidadania possui dois objetivos fundamentais:
a)      Contribuir no plano público, para o desenvolvimento de uma cultura do discurso crítico sobre a realidade concreta;
b)      Socializar os valores e as práticas da democracia nos âmbitos institucionais cotidianos a participação ativa e crítica e as experiências de organização (RIGAL, 2000, p.189)
Recorremos também a esse autor para apresentar demais possibilidades que podem compreender a escola critico-democrática. Reforçando que esta alternativa se contrapõe fortemente ao projeto neoliberal, pois se busca desconstruir a perspectiva hegemonizadora, totalizante, unilateral e alienante do modelo neoliberal. Para Rigal (2000), é preciso uma vertente crítica de educação, onde se repense a instituição escola, a relação ensino-aprendizagem, o currículo, o aluno-sujeito e o professor. O autor aponta que:
Pensar a escola a partir dessas raízes parecem ser um exercício de autonomia intelectual que permite transcender os estreitos limites unidirecionais do discurso hegemônico e sua tecnocrática lógica da racionalidade instrumental que tão airosamente vigoram nas políticas educativas nacionais. (RIGAL, 2000, p. 192)
Portanto, é possível indicar caminhos que possam se contrapor ao neoliberalismo, não somente pelo embate em si, mas sobretudo na busca de uma ampla reforma educacional, que consiga garantir acesso e permanência dos alunos com qualidade na formação, que conseqüentemente contribua em alavancar o desenvolvimento social, político, econômico e cultural do país.
Diversos historiadores, sociólogos, educadores e pensadores brasileiros tem aprofundado esse debate, cabe a nós aproximar este diálogo com diversas instituições e com a sociedade na procura de melhorar o ensino brasileiro.

Considerações finais
A partir da pesquisa empreendida, observou-se certo consenso entre alguns autores de que o modelo neoliberal de educação proporciona maiores desigualdades regionais, sociais e econômicas, com pensamentos produtivistas e não emancipatórios.
Este projeto coloca o Brasil entre os piores países do mundo no índice de alfabetização, diferentemente de outros como a Coréia do Sul e a Espanha, que anteriormente afundados em péssimos níveis educacionais, perceberam que uma das principais formas de acabar com a pobreza e a desigualdade é através do investimento na Educação.
Educação não se limita em saber ler e escrever, é propiciar o entendimento de como funciona todo o sistema, é propiciar ao cidadão o senso crítico, para que ele possa participar ativamente da complexa sociedade contemporânea. Porém, a partir dos estudos que se relacionam com a produção deste artigo, percebe-se que o projeto neoliberal vai de encontro a essa perspectiva, construindo uma sociedade de indivíduos robotizados, professores sem autonomia, sem estrutura de trabalho, visando formar seres humanos tecnicistas e não emancipados.
Outro grave problema constatado é a elitização da educação, principalmente nas instituições públicas federais. As melhores universidades não são para todos e sim para aqueles que tiveram melhores condições financeiras para estudar em escolas privadas, onde apresentam melhores condições de ensino. As escolas públicas são sucateadas, o professor é limitado pelas suas condições de trabalho, criando um lapso de desigualdade entre o aluno da rede pública e o aluno da rede privada. Se a educação é elitizada, como então um cidadão de origem pobre poderá crescer não só financeiramente, mas também como pensador, como ser humano com cidadania?
Este artigo pretende mostrar que o neoliberalismo aprisiona os indivíduos intelectualmente, roubando seu direito de conhecimento, a pessoa é propositalmente alienada pelo sistema. Como cobrar destas pessoas melhores reflexões, atitudes e participação social, se ela não tem uma boa Educação?
A educação constitucionalmente é um direito de todos, direito este que não é garantido universalmente, e através deste não cumprimento cresce o analfabetismo e desencadeia uma série de problemas sociais: o racismo, a violência, a desigualdade social, por consequência o atraso econômico e cultural do país.
Portanto, busca-se suscitar através desse artigo o debate sobre como o neoliberalismo tem agido na educação brasileira e quais as alternativas, do ponto de vista pedagógico e de estrutura educacional, possíveis a serem aplicadas em contraponto ao sistema vigente. Talvez a escola crítico-democrática, com gestão participativa possa ser um desses caminhos.

Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto lei nº 9649, de 27 de maio de 1998. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 1998.
MARTINS, Carlos Benedito. O ensino superior brasileiros nos anos 90. IN: São Paulo perspectiva. Jan/ Mar, vol. 14, n.01. São Paulo, 2000.
GUIMARÃES, Ranilce-Josif. Educação, pobreza e desigualdade no Brasil: impedimentos para a cidadania global emancipada. p. 67 – 97. Brasília: Líber Livro, 2009.

RIGAL, Luís. A escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século XXI. IN: A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. P. 171 – 193. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

4 comentários:

  1. Olá Tales,

    Como você observa a reforma do ensino médio, a proposta da 'Escola sem Partido' e a BNCC dentro da ótica neoliberal que você discute em seu texto?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Tales de Castro Cassiano6 de abril de 2017 às 12:20

      Ola Maicon, tudo bem? Percebo uma retomada da agenda neoliberal em nosso país a partir do impeachment/golpe que derrubou a presidenta eleita em 2014. O Brasil estava no caminho dos investimentos na Universidade Pública e fortalecimento de políticas públicas que pudessem contribuir para um maior acesso e permanência na escola pública e no ensino superior. Projetos de cunho liberal e mercadológicos estão sendo apresentados e debatidos há anos no congresso nacional, porém não tiveram força institucional nem apoio popular para serem aprovados.Entretanto com o novo governo, em uma conjuntura onde o pensamento conservador cresce no país, projetos como a reforma proposta do ensino médio e escola sem partido ganham força e projeção. Não há dúvida que ambos os projetos se apresentam com cunho ideológico e empresarial, buscando diminuir o debate político e o pensamento crítico no ambiente educacional, algo que vai na contramão de uma escola formadora de seres pensante e mais preparados para ler e viver o mundo em que vivem

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  2. Olá, Tales!

    Ao ler seu trabalho, percebo que aborda alguns aspectos da escola enquanto instituição formadora de indivíduos, "Compreendendo a escola como espaço de formação dos indivíduos, do ponto de vista formal e de valores políticos e morais (...)". Diante disso, gostaria que você comentasse como percebe que este "modelo" em que a escola está inserida abraça as culturas juvenis existentes no seio escolar..?

    Maria Larisse Elias da Silva

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    1. Ola Larisse!

      Sua pergunta é norteadora de diversos estudos. Como a escola lidar com a pluralidade/diversidade da juventude? Aliás, faz alguns anos que temos entendido como juventudes e não uma única juventude, compreendendo origens, experiências e vivências diversas, que, pelo prisma cultural, têm contribuído para que surjam formulações que proponham novas didáticas e práticas pedagógicas.
      Porém o desafio prático é enorme, a formação de professores e o próprio ambiente educacional ainda é reprodutor de práticas tradicionais, de preconceitos, que excluem e segregam, selecionando ao longo dos anos aqueles e aquelas que conseguirão concluir determinado grau de ensino.
      Enfim... o modelo neoliberal limita possibilidades pedagógicas que construam na diversidade modelos de escola mais livres e democráticas, que consigam agregar valores distintos no dia a dia escolar.
      Precisamos continuar a refletir e praticar novidades que possam superar esse modelo excludente da escola que temos no Brasil.

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