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Rui Campos

JÖRN RÜSEN, A RAZÃO HISTÓRICA E O ENSINO DE HISTÓRIA
Rui Campos Dias
Mnt. História UEL

O presente texto tem como objetivo apresentar algumas ideias do historiador e filósofo alemão Jörn Rüsen que estão contidas em seu livro Razão Histórica (Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica) e como essas ideias podem ser utilizadas em pesquisas na área do Ensino de história, como é o caso da nossa pesquisa de mestrado, orientada pela professora Doutora Márcia Elisa Teté Ramos.
Podemos afirmar que muitas ideias e conceitos desenvolvidos por Rüsen serão utilizadas como base teórica para fundamentar nossa pesquisa, já que a dissertação que estamos produzindo está inserida na linha de pesquisa Ensino e História, e Rüsen é um autor que vem sendo cada vez mais estudado nessa área de investigação, em especial em dois campos de pesquisa. A Educação Histórica, que é definida como
[...] uma área de investigação cujo foco está centrado, principalmente, nas questões relacionadas à cognição e metacognição histórica, tendo como fundamento principal a própria epistemologia da História. Assim, entre as investigações realizadas no âmbito da Educação Histórica, encontram-se estudos sobre aprendizagem histórica, consciência histórica, ideias substantivas e ideias de segunda ordem em História e sobre narrativas históricas (CAINELLI e SCHMIDT, 2011, p.11-12).
Bem como na Didática da História, a qual Rüsen define como “uma disciplina científica específica que se ocupe do ensino e da aprendizagem da história, na medida em que não são idênticos aos processos mediante os quais o conhecimento científico especializado da história se efetiva […]” (RÜSEN, 2010, p.51). Para Klaus Bergmann, outro pensador alemão, a Didática da História se preocupada
[...] com a formação, o conteúdo e os efeitos da consciência histórica num dado contexto sócio-histórico. [...] é uma disciplina que pesquisa a elaboração da História e sua recepção, que é formação de uma consciência histórica, se dá num contexto social e histórico e é conduzida por terceiros, intencionalmente ou não (BERGMANN, 1989/1990, p.29-42).
O objetivo principal da nossa pesquisa é verificar de quais maneiras os professores de História da educação básica se apropriaram (ou não) dos objetos educacionais digitais vinculados aos livros didáticos dos PNLD de 2014, 2017 (Ensino Fundamental II) e 2015 (Ensino Médio). Ao buscar essas respostas, procuramos entender como as tecnologias de informação e comunicação (TIC) influenciam o processo de ensino-aprendizagem de História e, nesse sentido, a construção de saberes históricos (no específico) e de consciência histórica (no geral) de professores e alunos da educação pública no Brasil. Assim, o espaço de fundamentação teórica de nossa pesquisa será os pontos de encontro epistemológico entre os dois campos definidos anteriormente.
Para esse texto, pretendemos discorrer sobre alguns aspectos da obra Razão Histórica e relacionar, sempre que possível, a ideia de Rüsen de consciência histórica, fundamental para os campos da Educação Histórica e da Didática da História, no qual nossa pesquisa de mestrado está inserida. O livro, traduzido por Estevão de Rezende Martins e editada pela Editora da Universidade de Brasília, possui quatro capítulos, sendo que o último é um apêndice à edição brasileira.
A obra trata especialmente de alguns elementos da teoria da história, que segundo Rüsen está na base da ciência histórica e as formas que a razão atua no interior do processo de construção do pensamento histórico. Um dos principais pontos para o autor, é a questão da auto-reflexão, vista como base para o trabalho cotidiano de todo historiador e esse “dia-a-dia” como base natural da teoria da história. Como Rüsen afirma,
A teoria da história abrange, com esses interesses, os pressupostos da vida quotidiana e os fundamentos da ciência da história justamente no ponto em que o pensamento histórico é fundamental para os homens se haverem com suas próprias vidas, na medida em que a compreensão do presente e a projeção do futuro somente seriam possíveis com a recuperação do passado. (RÜSEN, 2010, p.30)
A ciência da história se constitui a partir da “carência humana de orientação”, ou seja, problemáticas da vida prática de todo ser humano que procuram uma solução ou uma satisfação intelectual. Essa busca por satisfação intelectual, as carências, o autor denomina de “interesses”:
Trata-se do interesse que os homens têm – de modo a poder viver – de orienta-se no fluxo do tempo, de assenhorear-se do passado, pelo conhecimento, no presente. Interesses são determinadas carências cuja satisfação pressupõe, da parte dos que as querem satisfazer, que esses já as interpretem no sentido das respostas a serem obtidas. (RÜSEN, 2010, p.30)
Rüsen complementa a ideia das carências de orientação afirmando que
As carências de orientação no tempo são transformadas em interesse precisos no conhecimento histórico na medida em que são interpretadas como necessidade de uma reflexão específica sobre o passado. Essa reflexão específica reveste o passado do caráter de “história”. (RÜSEN, 2010, p.31)
É nesse aspecto que a História se encobre de uma função prática na vida. A História precisa fazer sentido/ter significado para as pessoas. Nessa linha de pensamento é que reconhecemos a importância dessa teoria para a nossa pesquisa, já que nosso objeto de interesse acadêmico (no interior da ciência especializada) está intimamente relacionado à vida prática dos sujeitos que serão entrevistados, a saber, os professores de história.
Entendemos que as TIC podem influenciar (positivamente, dependendo de sua utilização) na construção dos saberes históricos de professores e alunos da educação básica, consequentemente na construção de identidades e da formação histórica desses sujeitos.
Desse modo, é possível afirmar que a teoria da história não pode ser deslocada dessa discussão, pois ela exerce um papel fundamental no processo de ensino de história. Conforme o próprio Rüsen afirma:
Com a expressão “formação histórica” refiro-me aqui a todos os processos de aprendizagem em que “história” é o assunto e que não se destinam, em primeiro lugar, à obtenção de competência profissional. Trata-se de um campo a que pertencem inúmeros fenômenos do aprendizado histórico: o ensino de história das escolas, a influência dos meios de comunicação de massa sobre a consciência histórica e como fatos da vida humana prática [aqui insiro a internet como um desses meios] [...]. É nele que se encontram, além dos processos de aprendizagem específicos da ciência d histórica, todos os demais que servem à orientação da vida prática mediante consciência histórica, e nos quais o ensino da história (no sentido mais amplo do termo: como exposição de saber histórico com o objetivo de influenciar terceiros) desempenha algum papel. (RÜSEN, 2010, p.48)
Assim, a utilização pelos professores dos objetos educacionais digitais vinculados aos livros didáticos distribuídos na educação pública do Brasil, se insere no interior de um processo maior, mais complexo e mais heterogêneo de aprendizagem histórica que visa a construção dessa “formação histórica” que, por sua vez, está intimamente ligada ao processo evolutivo da consciência histórica dos sujeitos. 
Nos limites deste trabalho (que continuará a ser desenvolvido na dissertação), podemos concluir que o complexo pensamento de Jörn Rüsen, encontrado não somente na obra Razão Histórica, mas nos outros dois livros da trilogia (Reconstrução do passado e História viva) e em diversos artigos específicos sobre o ensino de história, são partes essenciais da fundamentação teórica da nossa pesquisa de mestrado.

Referências Bibliográficas
BERGMANN, Klaus. A História na Reflexão Didática. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.9. n. 19. Set.89/fev.90. pp. 29-42.
CAINELLI, Marlene e SCHIMIDT, Maria Auxiliadora (Orgs.). Educação Histórica: teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília, Editora UnB, 2010.

Um comentário:

  1. A teoria de Rüsen embasam as Diretrizes Curriculares do Ensino da História no Paraná, porém poucos professores tem contato com as ela (diretrizes), ja que na hora de construir o Plano de Trabalho Docente faz se uso do livro didático quase que exclusivamente. Diante da sua pesquisa ainda em andamento, não sei até que ponto chegaste, mas se esta em contato com professores, como levar essa teoria que muitos professores ainda não conhecem a ser efetivada realmente em sala de aula?

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