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Rosemary de Jesus

CURRÍCULO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA
Rosemary de Jesus Santos
Mnt. História UNEB

A visão pejorativa atribuída à cultura afro-brasileiros foi construída historicamente com a intenção de associá-la  as coisas ditas ruins, ao inferno cristão. Este conjunto de saberes que tem uma matriz não ocidental são constantemente depreciados, relacionados com superstições, saberes de povos mental e intelectualmente atrasados. Contudo, a riqueza de ritos e mitos permitiu uma atualização criativa, das instituições negro-africanos, em terras brasileiras. Partindo desse contexto sócio histórico repleto de singularidade, dotado de diferentes formas de saber, ver e crer, buscamos novos prismas para repensar as relações comunidade/escola/ensino de História.
Pensando o ensino de História enquanto lugar de fronteiras, de memórias questiono como fortalecemos estereótipos em sala de aula? Diferentes experiências são referendadas? Saberes e memórias da comunidade são referendados nas aulas de História? Quais memórias nós professoras/professores estamos ajudando a construir a partir das seleções de conteúdos?
 Para iniciar a reflexão sobre estas questões, é preciso analisar as teorias pós-críticas do Currículo, a identidade, a diferença. Desfazendo narrativas eurocêntricas e apresentando um ponto de vista a partir da subalternidade, deste “não lugar”. Nas escolas públicas que atuo como professora de História: Colégio Municipal de Araçás, na Bahia e nas Escola Estadual Coelho Campos, e no Maria Berenice Alves Barreto ambas em Capela e no Colégio Estadual Matos Teles, em Japaratuba ambos em Sergipe; muitos alunos dizem que não gostam da disciplina História, pois “é só passado, é ultrapassada”. Contudo a escrita da História é contemporânea, orientada pelo presente, sustentamos posições com base nas visões que temos da relação entre o passado e suas pistas e na maneira como extraímos significado dessas pistas. A forma como construímos o conhecimento sobre o passado afeta a natureza do significado que lhe impomos. Segundo a consciência desconstrutiva, o passado nunca é fixo, o passado é como um texto a ser examinado em suas possibilidades de significados.
A História tem o passado como objeto de conhecimento, e o tempo que passou difere do que nós fazemos com o passado quando nos apropriamos dele. O historiador sabe mais que o passado, pois ele precisa atribuir significados ao passado, em termos epistemológicos. O historiador conhece as perspectivas conjecturais das experiências no tempo.
Ao pensar a estrutura teórica da História a serviço do ensino devemos diferenciar evidências de fatos. A depender da utilização, as evidências podem mudar nosso discurso, o passado não muda, mudam os significados que atribuímos a ele. Para a mesma evidência podem ser atribuídos vários significados a depender do lugar ideológico do historiador que vai inquerir as evidências. Isto mostra que a História ensinada nas escolas, as verdades dos manuais didáticos constitui-se apenas em um dos muitos discursos possíveis.  Muitos grupos sociais grupos disputam o direito de estar nas salas de aula, faz-se necessário portanto a contrução de uma “outra” história, abarcando novas memórias, resignificando o passado que implica reconhecimento e respeito aos pertencimentos da comunidade escolar.
Não há um único estilo de  aprender,  apreender e de significar o mundo. A História do Brasil enquanto construção de uma nação deve incluir todos os povos que a constitui. E a escola deve permitir a esta diversidade de brasileiros, conhecerem suas histórias, saberem quem são, auxiliando-os na construção de identidades que respeitem as diferenças numa perspectiva anti-racista, onde a branquidade que é tão visível para nós negros, ela que delineia nossa representação enquanto oprimidos e sofredores, invisibilizando os privilégios raciais proporcionados pela branquidade.
Pensando a educação escolar enquanto lugar de fronteira, onde vários saberes são circularizados, contudo as memórias familiares que explicam o mundo e seu devir, ou seja, os saberes individuais dos alunos são muitas vezes silenciado, quando literalmente “aplicamos” o saber acadêmico e não dialogamos com estes outros saberes. A escola, enquanto representação da sociedade,  reproduz entre seus muros e corredores diversos tipos de realidades que compõe a nossa sociedade.  As salas de aula, são lugares de fronteiras, de relações de poderes, de disputas por memórias.
 Ao reforçar a dicotomia entre os saberes escolares e o saberes de experiências negamos aos alunos e a nós professores o direito à cidadania contantemente nós deparamos em sala de aula com os discursos: “isto não é conhecimento científico; a escola só discute ciência e não memórias, ou senso comum”. Para Spivak (2014), não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais os subalternos podem se articular e possam ser ouvidos. Podemos contar, estudar, escrever nossas próprias histórias. Trabalhando a consciência histórica na escola, amplia-se o conceito de dimensão temporal fazendo do passado (experiência) significante para o presente e para o futuro.Nesta perspectiva a disciplina fica mais próxima da realidade dos alunos e professores, passa a fazer sentido, pois parte das necessidades do presente, possibilitando novas e/ou diversas intyerpretações do passado.
O currículo pode ser entendido como tecnologia de governo, pois seu saber específico é o conhecimento sobre os nexos entre conhecimentos e indivíduos. Ele produz sujeitos particulares e a teoria do currículo está envolvida na melhor forma de produzí-los. Ao aceitar esta abordagem, não nos perguntamos o que os indivíduos fazem com os materias recebidos; de que forma os resignificam o que lhe é proposto ou imposto. O currículo faz o indivíduo e o indivíduo também faz o currículo.
Segundo Boaventura de Souza Santos (2015), pode-se produzir um “epistemicídio” que é o extermínio de formas “subordinados” de conhecer. O currículo não é apenas um regime de representação, mas segundo Schostak constitui-se em um campo de luta pela representação. Ele está vinculado à produção de identidades sociais, assim o nexo entre representação e poder se efetiva. Entendendo representação como um processo de produção de significados através de diferentes discursos, sendo estes significados não são fixos e estáveis mais flutuantes e estáveis.
O conhecimento inscrito no currículo não pode ser separado das regras de regulação e controle que definem suas formas de transmissão. Ao abordar o bio poder do currículo, Tomaz Tadeu da Silva (2014) afirma que seus efeitos são duradouros e permanentes. Identidades hegemônicas são fixadas, formadas, moduladas questionadas e disputadas. Ele é constituído por múltiplas narrativas que podem ser desconstruídas.
Segundo Ernest e Mouffe no campo do discurso são fixados limites entre os múltiplos “nós” que produzem múltiplos “outros” por meio das lógicas da equivalência e da diferença. O currículo é entendido como um sistema discursivo onde se travam lutas identitárias, onde são produzidos sentidos aos conhecimentos históricos, legitimando-os, validando-os ou não como objetos de ensino. Constrói-se num espaço de entre cruzamento de políticas da diferença e de conhecimentos onde se manifestam as demandas do presente. Portanto ao pensar a  diversidade cultural no Brasil e focar na diversidade étnico-racial é primar pela diferença ao invés do conteudismo.
Os fluxos identitários que hoje perpassam o conhecimento histórico permitem a socialização de sentidos do passado possibilitando a subversão de relações hegemônicas.

Referências
APPLE,Michael W.; BURAS, Kristen L. Currículo, poder e lutas educacionais: com a palavra , os subalternos. Porto Alegre:Armet,2008.p.83-125.
ANHORN, Carmen Tereza G.; COSTA, Warley da :Políticas da Diferença e Hegemonia: dialógos possíveis. Educ. Real.,Porto Alegre, v.36, n.1, p.127-147,jan./abr.,2011.
CHAKRAVORTY, Gayatri. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goulart de Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa – Belo Horizonte: Editora UFMG. 2014.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?  Tradução de Tomaz Tadeu da Silva.  In: SILVA,   Tomaz   Tadeu   da      (Org.);   HALL,   Stuart;   WOODWARD,   Kathryn. Identidade  e  diferença.  A  perspectiva  dos  estudos  culturais.  Petrópolis:  Editora  Vozes.
ORIENTAÇÕES E AÇÕES PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS,Brasilia: MEC/SECAD 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENEZES, Maria Paula.(Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo; Editora Cortez. 2010. p. 73-94.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte, MG: Ed. Autêntico, 2004. 

Um comentário:

  1. Boa noite.
    Parabéns pelo texto e pelas suas considerações acerca da temática escolhida para o debate. Gostaria de saber o que você pensa acerca da dificuldade em colocar em prática um currículo que atende as premissas da diversidade, da valorização e respeito pelo 'outro', no sentido de que estamos em um momento que há (ainda) uma certa adequação (ou tentativa) das universidade em formar profissionais capazes de de dar tratamento a estas demandas, todavia, soa a resistência de quem não tolera qualquer 'fuga' do 'quadrado' institucionalizado no âmbito escolar. Na prática, como você resolve este enfrentamento?

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