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Ronny Costa

EIXOS PARA PRATICA DO ENSINO DE HISTÓRIA
Ronny Costa Pereira
UEFS

Introdução
A meio caminhar de minha adolescência, dois autores literatos me levaram a refletir sobre a importância da história além do que eu estava comumente acostumado, uma disciplina escolar que se deve tirar boas notas para não ser repreendido pelos professores e familiares. George Orwell com uma das ideias tenebrosas que o partido do Grande Irmão aplicava na Oceania, trazia a máxima de uma narrativa histórica, constantemente manipulada e distorcida, que servia para controlar o agir e pensar de todos cidadãos.
Apesar de visões completamente negativas sobre o papel da história, essas concepções iam me instigando cada vez mais sobre o papel da história na vida dos sujeitos, do porque ela é ensinada nas escolas e se só era ensinada nas escolas (afinal, Hamlet aprendeu sobre a cultura grega vendo uma peça, e os personagens de Orwell eram bombardeados por narrativas históricas em todos cantos da cidade). E como as ideias muitas vezes são formadas lentamente e tomam formas mais “solidas” no momento em que o outro (nesse caso, outros) expõe sua visão sobre o mesmo objeto que você olhou; tive, ao meu ver, um conjunto de concepções que foram complementadas, sintetizadas ou refutadas e que exponho nesse texto, com o auxílio de outros, que pensaram com mais tempo e profundidade sobre os assuntos.

A História na Escola
Citar os motivos de se aprender história, podem em primeira instancia ser algo relativamente fácil para um historiador. Porém, não são raras as vezes em que os principais motivos são de caráter pessoal (porque eu gosto de aprender sobre História dos povos x; porque as relações y da história são o que mais me identifico, etc.) ou macroestruturais (história pelo viés marxista por exemplo). E essas motivações não são necessariamente erradas, já que o discurso é também ideológico, e consequentemente egoísta. Entretanto, a situação muda de contexto quando se trata de ensinar história, mais especificamente, ensinar história no ensino básico. Já que se apoiar unicamente nesses pressupostos se cria o professor que somente leva conhecimento e trata o aluno no termo original da palavra, aquele sem luz, que a recebe do professor. Que é um dos maiores empecilhos para formação de um ambiente escolar, que Juarez Dayrell chama de sociocultural, que na definição do mesmo seria:
“compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história.” (DAYRELL, 1999, p.1).
Esse ambiente sociocultural que leva em conta as variadas formas de diferenças no cotidiano escolar, só pode ser formado a partir do momento em que o professor entende o espaço escolar no seu fazer cotidiano, divergente, de conflitos e negociações; levando sua disciplina além do conteúdo e os alunos além de sujeitos submetidos a estrutura social e escolar (DAYRELL, 1999). E como mostra Katia Abud, essa forma sociocultural de ensino é historicamente barrada por uma forma tradicional de ensino meramente reprodutora, que vem desde o início da república, com os grandes centros de pesquisas históricas que tinham seus maiores pesquisadores como professores das escolas básicas modelos do período, que aplicavam exatamente o que pesquisavam nas escolas (ABUD, 2005, p.1-2). E esse modo que se tornou referência, encarava o ambiente escolar como espaço de transmissão do conhecimento, e não de formação do mesmo.
E essa maneira de ensino que não enxerga o aluno como sujeito participante do processo de ensino e aprendizagem, deixa de fora as concepções históricas dos alunos, que são descartadas pelos professores que consideram o meio acadêmico o único local de construção de concepção histórica. E Marcos Kusnick, juntamente com Luís Cerri, expõem a importância de entender as ideias dos alunos acerca da história, que além de ser fundamental para o processo de aprendizagem da história (já que muitas das ideias acerca da história que esses alunos trouxeram estava repleta de seus anseios pessoais) mostra o como as ideias de alunos, professores e instituições de pesquisa do papel da história não experimentada na história vivida são em muitos casos completamente divergentes, e que esses mundos não se cruzam na maioria das vezes (KUSNICK, CERRI, 2014, p.31)
O ensino de história que não busca a formação de um ambiente sociocultural, em geral acaba tendo como função principal a transmissão do conteúdo histórico, como caracteriza Dayrell sobre o ensino tradicional “O conhecimento é visto como produto, sendo enfatizados os resultados da aprendizagem e não o processo. ” (DAYRELL, 1999, p.6) que acaba retirando sentido de se aprender história, já que se o aluno não sentir interesse pelo produto, o mesmo passa a não valer nada para ele, gerando assim em sala de aula, inúmeros jovens Hamlets que não entendem para que o passado possa servir no seu dia a dia. Entender os núcleos de sentidos do aluno e tentar partir deles para se criar um sentido maior da história para o mesmo. Talvez essa frase sintetize as ideias que os autores citados queiram explicitar em seus argumentos. Porém, todos concordam que é necessário mais do que entender o aluno como sujeito ativo e tentar criar uma narrativa histórica que comece em sua realidade para atraí-lo; que a história construída nos centros de pesquisas deve se aproximar da história da vida pratica (KUSNICK, CERRI, 2014, p.33), mas que o processo de ensino não é só isso, que a retorica na forma de mostrar as concepções históricas é fundamental para o aprendizado e aprimoramento das visões de mundo de um aluno, mas que esses processos vão além disso, que o que é chamado de Didática do ensino de história é mais que transposição.

Didática da História
A didática do ensino de história é geralmente associada a clareza da divulgação do que se é aprendido nos centros acadêmicos de pesquisa histórica e a transposição para as escolas básicas. Entretanto, para Abud, a didática não é um suporte para o ensino de história, mas sim uma disciplina que se propõe raciocinar acerca dos ensinos de história, o historicizar e o aprimorar (ABUD, 2005, p.1). E que tem suas propostas definidas, como afirmam Kusnick e Cerri:
A didática da História...propõe a ampliação de temas, objetos e abordagens para enfocar de modo mais abrangente o fenômeno da aprendizagem histórica, o que se afigura para os pesquisadores como uma possibilidade de enfrentar os impasses colocados entre as múltiplas renovações da historiografia, da pedagogia e da própria reflexão didática em História e os esforços pela transformação do ensino escolar da disciplina. (KUSNICK, CERRI, 2014, p.32)
E também pensando na ampliação e definição do papel da didática da história no Brasil, que Rafael Saddi, elenca quatro propostas de ampliação do lugar da didática da história, que são ampliação da didática como algo além da metodologia de ensino, além do ambiente escolar, como algo pertencente as outras áreas da ciência histórica e sua definição enquanto disciplina cientifica (SADDI, 2012, p.213-214) colocando a didática da história na mesma lógica da escola sociocultural de Dayrell, já que essa didática entende que as narrativas históricas são formadas além do ambiente escolar, e que a história cientifica não é a única a única a existir, e logo, não deve ser a única a ser refletida (SADDI, 2012, p.213)
E para solidificar a didática como disciplina cientifica da história, se estabelece uma gênese e uma morfologia da didática histórica, sendo a primeira as diferentes concepções de história e a segunda o método empírico de análise (SADDI, 2012, p214). Que são as bases para se entender e aprimorar as concepções históricas, já que um dos papeis da didática é entender qual função a consciência histórica abordada tem para entender o presente, pois como é exposto por Abud, é necessário entender a função do que é proposto na história matéria (ABUD, 2005, p.4)

Algumas reflexões conclusivas
O ensinar história é um campo complexo, que busca se afastar e ao mesmo tempo ser a dita ciência histórica; a história como Kusnick e Cerri apontam, são formadoras de concepções históricas que influenciam no cotidiano do sujeito, e entender a importância da diversidade cultural na formação de consciências históricas é fundamental no processo de aprendizagem, além de ser de um dos pontos principais da análise de observações.

Bibliografia
ABUD, Katia Maria. Combates pelo ensino de história. In: ARIAS NETO, J. M. (Org). Dez anos de pesquisa em ensino de história. Londrina: Atritoart, 2005.
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. p. 137-161. 70
KUSNICK, M. R; CERRI, L. F. Ideias de estudantes sobre a história: um estudo de caso a partir das representações sociais. Cultura Histórica & Patrimônio, Alfenas, v. 2, n. 2, p. 30-54, 2014.
OLIVEIRA, Cristiano Lessa. Um apanhado teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e características. Revista Travessias, 2009
SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história. In: Acta Scientiarum. Education. Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, July-Dec., 2012.


4 comentários:

  1. Boa noite, Ronny. Primeiramente parabéns pelo texto, que apresenta com objetividade e clareza questões relevantes sobre o ensino de história e a prática docente. Como você pontuou, embora essas questões venham sendo alvo de diversas reflexões e mudanças há um certo tempo, infelizmente com frequência nos deparamos em sala de aula com o entendimento reducionista de que a história ensina o que aconteceu no passado e deve ser apenas decorada, tal perspectiva ainda gera uma série de resistências por parte dos alunos e é um desafio a ser superado. Nesse sentido, as discussões suscitadas acerca da didática da história reiteram sua importância.

    Jessica Gleyce dos Reis Felix

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  2. Olá Jessica!
    Realmente, a concepção de história sendo meramente reprodução é algo frequentemente visto nos ambientes escolares, e até mesmo um senso comum entre muitas pessoas. Por isso considero que a constante reflexão sobre as praticas docente são fundamentais para superar essa e outras estruturas do nosso ensino. E agradeço suas considerações.

    Ronny Costa Pereira

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  3. Olá Ronny. Primeiramente parabéns pelo seu texto, de alta qualidade. Tenho uma questão a levantar. Pra você, como o ensino de história deve dialogar com não interesse de determinados alunos que se dizem serem de "exatas"? E como a didática do professor pode influenciar nesse processo? Abraços

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    1. Olá Thalles!
      acho que o professor de história desconstruir essa concepção que as ciências são "duras" e não dialogam entre si, juntamente com o trabalho de demonstrar que a disciplina História vai além do conteúdo, e que ela possui significados e relevância para vida do sujeito, independente da profissão que ele siga; são algumas das possibilidades que enxergo. E nesse ponto considero que a didática da história tem papel fundamental em historicizar o presente em todos espaços, e assim compreender as narrativas históricas. E agradeço por sua leitura e considerações.

      Ronny Costa Pereira

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