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Renato Alcântara

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR - BNCC E O ENSINO DE HISTÓRIA
Renato Alcântara de Abreu
Mnt. ProfHistória-URCA

A análise de Chervel (1990) sobre a história das disciplinas escolares, com uma expressiva circulação no Brasil, parte do pressuposto de que a escola é um espaço de criação, mais do que de reprodução de valores e que as disciplinas são produzidas no interior da escola em suas relações com a cultura escolar. De modo que a Base Nacional Comum Curricular - BNCC é um iniciativa intelectual e política sob coordenação do Ministério da Educação - MEC, respondendo ao estabelecido em diferentes instâncias legais: a constituição brasileira, a LDB, o PNE, possui em seus objetivos, a proposta de estruturação e unidade mínima da educação básica, demonstrando o quão necessário é, diante dos resultados de avaliações internas e externas.
Ao analisar a BNCC, deve-se considerar o papel histórico deste documento após a ausência de décadas de uma diretriz curricular nacional e a necessidade de se constituir em uma proposição consistente e adequada para sua prática futura. Dialogando com Chervel, percebe-se que o conceito de disciplina em si é algo recente, de forma que é, em última instância, tarefa do historiador definir a noção de disciplina ao mesmo tempo em que faz a sua história (CHERVEL, 1990, p. 178).
O ensino de História na BNCC, assim como as demais disciplinas precisa possuir os seguintes princípios: Equidade, com um currículo escolar unificado que determine o que e em que momento os conteúdos devem ser ensinados a estudantes do ensino básico é um passo fundamental para garantir que o Brasil ofereça a mesma oportunidade a todos os seus estudantes. Eficiência, que com ela, é possível saber o que os estudantes devem aprender, criar metas, medir resultados, cobrar mudanças e saber se o ensino está progredindo. Evidência, de modo que todas as nações que conseguiram bons resultados na educação possuem uma base curricular. Coesão social com possibilidade de pautar a elaboração de material didático e de formação de professores, além de dar um maior empoderamento a familiares e à comunidade na participação na vida escolar.
As leituras e análises sobre o texto de apresentação do componente História denotam a não definição de objetivos gerais claros, apresentando explicitamente como objetivo, apenas, “viabilizar a compreensão e a problematização dos valores, dos saberes e dos fazeres de pessoas, em variadas espacialidades e temporalidades, em dimensões individual e coletiva.”
Tal objetivo é bastante genérico, pois não define o lugar de processos, bem como a importância da perspectiva temporal para a constituição da historicidade desses processos. De certa maneira, reincide no problema apontado acima, acerca da compreensão acerca do tempo na formação histórica dos alunos e alunas do ensino básico.
O desafio maior de um documento desta abrangência é sua generalidade e necessidade simultânea de ser objetivo e claro para um público heterogêneo. Segundo Chervel, o historiador precisa considerar a que tipo de finalidades determinada disciplina vem satisfazer. Considerando-se que em cada época a escola se coloca a serviço de diferentes finalidades que no seu conjunto fornecem a esta instituição o seu caráter educativo, é por meio das disciplinas escolares que ela sempre vai colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa (CHERVEL, 1990, p. 188).
Os objetivos de aprendizagem necessitam estar relacionados ao domínio no âmbito cognitivo desse conjunto de fatos e processos, aliado a procedimentos e atitudes que, por um lado, contribuem para desenvolver e, por outro, evidenciam, o desenvolvimento do pensamento histórico sobre esse conjunto de fatos e processos. Esse domínio cognitivo envolve a mobilização de noções e conceitos relativos ao tempo e à história na elaboração de narrativa acerca dos fatos e processos mencionados anteriormente. Seria necessário que, paralelamente aos objetivos de aprendizagem, a cada segmento do Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e Ensino Médio, houvesse a explicitação de conteúdos relacionados, em uma visão global e articulada, propiciando que os professores compreendessem sua relação com tais objetivos de aprendizagem. Em História, a natureza dos conteúdos curriculares é dificilmente comtemplada pela via exclusiva dos objetivos de aprendizagem tal como estão formulados até agora nos documentos.
Que a causalidade e as relações entre acontecimentos sejam complexificadas gradualmente desde os anos iniciais, não apenas no tratamento de processos específicos, mas também na busca de estabelecimento de relações entre processos.
André Chervel atribui um papel central aos atores da escola, professores e alunos, como verdadeiros produtores das disciplinas escolares. E a proposta de uma Base Nacional é tornar, de fato, os docentes protagonistas, mas a proposta da reforma do ensino médio, via Medida Provisória 746 de 2016, através do governo federal vigente, flexibiliza todo um processo de conquistas nos últimos anos. E necessitamos garantir o que André Chervel nos propõe como característica evidenciada, o quanto a escola é um grande personagem histórico, na medida em que no diálogo com as demandas advindas dos grupos sociais aos quais serve de maneira ativa e nenhum pouco passivo, produz novas realidades, novas culturas, das quais as disciplinas escolares são, de certa maneira, uma de suas produções.
Refletir e debater que adotar uma base curricular comum é fundamental para reduzir as desigualdades educacionais de uma nação. Ao definir o que é essencial ao ensino de todos os alunos em cada uma das etapas da vida escolar, as expectativas de aprendizado e critérios de qualidade ganham transparência e podem ser aplicadas e cobradas com maior eficiência.
É fundamental que professores e alunos se sintam a vontade para usar a sala de aula como espaço de engajamento de produção intelectual autônoma e original.
Como assegura Chervel (1990), os conteúdos são apenas meios utilizados para o alcance de um fim, e um momento ideal para isso é quando uma disciplina escolar é alvo de alguma mudança, quando novas finalidades lhe são prescritas e novos objetivos lhe são impostos pela conjuntura política ou renovação do sistema educacional. Podemos tomar como referência o momento atual da disciplina de História, com período de crise, nos quais o principal ator da história das disciplinas — o professor — sai à procura de soluções para enfrentar as mudanças, pois nesses momentos é que as reais finalidades se revelam no ensino e contra propostas de cercear a liberdade de expressão dos professores, como o projeto Escola Sem Partido.
Quanto a preocupação dos currículos em alinhar a teoria e prática, temos o aprofundamento com Jörn Rüsen ao estabelecer três objetivos prioritários que devem conter o ensino de História e, portanto, a Base Curricular: a competência perceptiva, a interpretação e a orientação histórica, formadoras do que pode ser denominado de “competência narrativa” e que consiste na “faculdade de representar o passado de maneira tão clara e descritiva que a atualidade se converta em algo compreensível e que a própria experiência vital adquire perspectivas de futuro sólidas”. A competência narrativa que Rüsen defende e que deve ser apreendida no aprendizado histórico pode ser transformada em uma competência baseada na experiência – a competência perceptiva (a que permite distinguir com clareza o passado, na sua diferença e distanciamento do presente); uma competência interpretativa (a que busca conexões de significados e sentidos com a realidade presente) e ainda em uma competência orientativa (a que integra a História interpretada no fluxo da experiência presente como capaz de orientar as ações do futuro).

Referências bibliográficas
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_______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Congresso. Brasília, DF, 1996.
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CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.
FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & ensino de história. Belo Horizonte: Autentica, 2003.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: Conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.
RÜSEN, Jörn. A História Entre a Modernidade e a Pós-modernidade. História: questões e debates, Curitiba, v. 14, n. 26/27, p. 80-101, jan./dez. 1997. ___________. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Tradução de Marcos Roberto Kusnick. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 1, n. 1, p. 7-16, jul./dez. 2006.

___________. História Viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007. RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.

2 comentários:

  1. Partindo do que afirma Chervel (1990) ao entender que a escola é um espaço de criação, como você entende esses saberes criados nas relações de ensino em sala de aula? Será que eles são perceptíveis aos olhos das universidades? Será que estudantes e docentes da educação básica se compreendem como sujeitos produtores de conhecimentos? Que estratégias podem ser adotadas no intuito de que esses sujeitos se compreendam para além de meros reprodutores de conhecimentos?

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  2. Carla Cristina
    Fazendo reflexão sobre BNCC e o Ensino de História, como você avalia a utilização de diversas fontes como imagens, cinema, audiovisual na sala de aula sugeridos pelo BNCC?

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