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Ramon Gustavo

HISTÓRIA E MÚSICA: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE ENSINO
Ramon Gustavo Becker
UNESPAR/ União da Vitória

Tendo em vista que a musica é muito presente no cotidiano brasileiro, trabalhar música em sala de aula possibilita articular uma ponte entre as matérias da sala de aula e o dia-a-dia do aluno, pois este é um problema enfrentado no âmbito da educação atual. Esta contextualização permite uma melhor assimilação por parte do aluno temas estudada, dando um norte ao processo educacional. Nesse contexto podemos incorporar a música como ferramenta de contextualização, como por exemplo, o hip hop e o samba, que acaba sendo uma forma de resistência, em primeiro momento, negra contra o homem branco, e na atualidade contra a desigualdade social, herança do regime escravista.
 A origem do hip hop remete a uma combinação entre os ritmos africanos, que foram trazidos pelos escravos e mantidos durante o cativeiro, o blues, que surge no início do século XX, como forma de protesto contra a opressão e que, além disso, ia contra os padrões musicais da época, pois sua construção musical era extremamente simples e muitas vezes ia contra os padrões e regras da musica erudita, o spiritual, é a vertente musical que reproduz e faz releituras dos cânticos que os escravos usavam para falar e código entre eles e reafirmar sua religiosidade, o soul, que emerge nos anos 60, como outra manifestação musical negra, com base no blues e no spiritual, porém se diferencia pelo uso de recursos vocais, como os shouts, característicos deste estilo, o reggae, este estilo de musica representa o espirito de luta e cotidiano jamaicano e ao chegar nos Estados Unidos junto com os imigrantes que buscavam melhores condições de vida, porém devido a falta de oportunidades, acabavam por se concentrar nos ghettos, onde entraram em contato com outras expressões já citadas, e o funk, que utiliza um ritmo mais lento, e na dança utilizava passos mais soltos e sexy.
Já no Brasil podemos encontrar como exemplo de música dos negros, o samba, que foi concebido no recôncavo baiano, e se concretizou como tal no Rio de Janeiro, a musica é construída a partir dos ritmos africanos, acompanhado pelo cavaquinho e o violão, e assim como os ritmos estadunidenses, tinham suas letras baseadas na vida cotidiana. Com a abolição da escravidão os recém libertos ex-escravos se deslocaram para as áreas urbanas. O Rio de Janeiro na época por ser uma cidade importante para a administração federal era um local que proporcionava mais possibilidades de sobrevivência. Os mestiços e os negros, formavam na época, uma classe social marginalizada, sendo assim, sua cultura também era tratada como inferior, como descreve Guimarães (1999, pg 29).
Criam-se núcleos de negros em partes específicas da cidade, como na região conhecida como “Pequena África”, e será nesses núcleos urbanos que o samba terá o espaço necessário para se desenvolver. As práticas religiosas e culturais se apresentam como formas de resistência de uma identidade negra que a escravidão logrou extinguir e tem nesses redutos a possibilidade de se manterem e difundirem. Assim, no Rio de Janeiro, os negros e mulatos poderiam desenvolver uma dupla identidade, a de “sambista e trabalhador”.  
Fato esse que tornava o samba em meados dos anos 20 uma forma de baderna e atividade de vagabundos e era fortemente repreendido pelas forças da lei.
  O primeiro samba a chegar ao mercado fonográfico foi a música pelo telefone, devido ao seu grande sucesso, com o passar do tempo houve uma expansão do gênero musical o que fez com que no início dos anos 30 quase todas as estações de rádio estivessem tocando o estilo. Além disso a revolução de 1930 ajudou a tornar o samba mais popular nas décadas subsequentes e também foi colocado  um símbolo da cultura nacional, como ressalta Diniz (2006, pg 16).
O estado implantado no Brasil após a Revolução de 1930 soube aproveitar a “pegada” popular do samba e, com incentivos ao carnaval das escolas e a utilização da recém-inaugurada radiodifusão, ajudou a expandir o gênero nacionalmente. Na década de 1940, samba passa a ser sinônimo de brasileiro e ganha fama internacional, de forma  que hoje o mundo inteiro vê o Brasil como berço do carnaval e do samba.
Com essa discussão torna-se possível abordar aspectos da realidade dos educandos em sala de aula, por exemplo, o rap. O rap foi criado como parte da cultura hip hop, que era um movimento que englobava o grafite, arte de fazer pinturas em muros e locais públicos, geralmente abordando temas sociais, o break e o rap que é um estilo musical onde não se há a utilização de instrumentos, dando mais foco nas letras que geralmente remetem ao estilo de vida das regiões urbanas mais pobres, como colocado por Guimarães(1999, pg 154-155) .
Surgido no final dos anos 70 no bairro do Bronx em Nova York, o rap aparece como um relato da vida dos negros e de outros grupos discriminados, como os latinos, da periferia das grande cidades americanas. Sua forma discursiva remete à tradição africana de relato orais e não são poucos os estudiosos que do rap que localizam na África a gênese desse estilo musical.
Quando o rap chega ao Brasil através da influência do break nos bailes black nas periferias da cidade de São Paulo logo ganha cunho social e passa problematizar o cotidiano dos moradores das favelas e periferias, abordando questões como a ação violenta da polícia nesses meios, a falta de oportunidades que levava ao crime e aos vícios em drogas. Partindo deste principio, a proposta procura aplicar a musica como base para as discussões em sala de aula, tornando as aulas mais interativas entre alunos e professor. Acredita-se que ao abordar temas tão presentes na vida dos educandos têm-se a possibilidade de fazer com o que os mesmos compreendam como se dão os processos históricos e consigam perceber a importância do estudo da História, já que através da ciência histórica pode-se problematizar o passado para compreender o presente e se ter a possibilidade de perspectivar o futuro.
Durante as aulas tornou-se possível perceber como tratar de assuntos os quais os educandos já obtêm um conhecimento prévio quebra o cotidiano tradicional de uma sala de aula, onde se tem uma participação mais efetiva por parte dos mesmos e se tem aulas mais lúdicas sem perder o foco da discussão, pode-se usar como exemplo a discussão que se teve em sala de aula com educandos do sétimo ano do Colégio Estadual Astolpho Macedo Souza no qual os acadêmicos do PIBID de História – África na Escola da Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória/FAFIUV atuam, discussões na qual os alunos conseguiram se posicionar de variadas formas sobre as ações da polícia no meio em que vivem, entendendo o processo histórico da construção do comportamento dos policiais e principalmente a resistência do negro perante a opressão da sociedade.

Referências
CHANG, K. O’Brien. CHEN, Wayne. Reggae Routes: The Story of Jamaican Music, Philadelphia: Temple University Press, 1998.
DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2006.
GUIMARÃES, Maria E. A. Do Samba ao Rap: a música negra no Brasil. 1999. 271 f. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas. Campinas,1999.
GURALNICK, Peter. Sweet Soul Music: Rhythm And Blues And The Southern Dream Of Freedom. Londres: MOJO Book, 2002.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: MAUAD Editora. 1998.


20 comentários:

  1. Ramon, boa noite!
    Parabéns pelo seu texto e obrigada pela disponibilidade nesse simpósio. Bom, na sua opinião (levando em conta a realidade de um colégio público e a corrida para dar conta do conteúdo em meio a tantos problemas) é mais proveitoso trazer uma letra de música (para debate) que fale sobre o conteúdo que foi estudado ou escolher um genêro musical e trabalhar a história dele aliado a história do conteúdo obrigatório?
    Rebeca Manaia de Santana

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    1. Boa tarde Rebeca!
      Muito obrigado pelo comentário e pela pergunta. Bem, na aplicação do projeto nas salas de aula o procedimento era feito explanando o tema e utilizando trechos de letras de músicas para contextualizar e conduzir o debate. Ao meu ver, baseado na experiência citada e no cotidiano da escola é mais proveitoso falar sobre o gênero musical e sua história como um todo do que focar em apenas uma música em si, claro que dentro da abordagem do gênero é interessante trazer trechos de músicas para exemplificar o ritmo/gênero em questão. Espero ter respondido sua pergunta.

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  2. Parabéns pelo trabalho. Participei de um projeto de extensão em 2014 em Rondonópolis-MT, no qual trabalhamos as representações das mulheres em diversos estilos musicais, na escola em que trabalhei notei uma naior interação dos estudantes com o ritmo sertanejo. Na sua experiência, teve algum ritmo que os estudantes tiveram maior facilidade de dialogo?
    Luana de Paula Santos (graduanda em História pela UFMT/CUR)

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    1. Boa tarde!
      Obrigado pela atenção e pelo comentário. Na minha experiência o ritmo que os alunos mais se identificaram e que foi o mais debatido foi o rap, pois era o mais presente na realidade dos alunos. Inclusive em uma das escolas trabalhadas um dos alunos improvisou e cantou um rap, o que mostra que o ritmo é bem presente no cotidiano dos alunos.

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  3. Olá Ramon, tudo bem?
    Muito interessante seu trabalho.
    Como você teve esse insight de utilizar música como ferramenta de ensino e como são feitas suas escolhas de músicas?
    Obrigada desde já!
    Abraço,
    Beatriz P. da Guia

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    1. Olá Beatriz, tudo bem e com você?
      Primeiramente muito obrigado pelo comentário e pergunta.
      A ideia de utilizar a música no ensino veio como uma estratégia de tornar a aula mais dinâmica e de contextualizar os momentos históricos de forma mais lúdica. Sobre as escolhas das músicas em geral ela é feita escolhendo uma música que represente o conteúdo e o contexto estudado, sempre levando em conta a linguagem da letra e a faixa etária dos alunos.

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  4. Ramon, parabéns pelo trabalho. Procurei neste simpósio por projetos que misturassem história e música e somente encontrei a sua publicação. Fiquei curioso a respeito do citado "spiritual", do qual nunca havia ouvido antes. Pode me elucidar a respeito desse gênero musical?
    Além disso, gostaria de saber um pouco mais sobre os métodos trabalhados em sala: por quanto tempo se deu este estudo? Quais foram os materiais utilizados?

    Luiz Felipe Brandão Augusto

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    1. Olá.
      Primeiramente gostaria de agradecer pelo comentário e pela pergunta. Sobre o "Spiritual", bem é um gênero musical que nasceu ainda durante o período escravista norte americano, é um ritmo que em sua maioria não utiliza instrumentos, a melodia é feita em palmas e ainda há a utilização dos "Shouts" que são gritos melódicos. Em sua grande parte ele tem a temática religiosa, porém também é comum achar músicas que contém códigos que descreviam rotas e estratégias de fuga do cativeiro, um exemplo é a música "Wade in the water" onde na letra é descrito que deveria se "andar na água" o que era uma estratégia para impedir que os cães farejadores achassem o rastro de um escravo em fuga.
      Bem, sobre os métodos, antes de tudo foi realizada uma pesquisa sobre os ritmos musicais e seus contextos, então foi montado o plano de aula, onde foi abordado tanto a história dos ritmos, como também exemplos de músicas famosas dentro de cada gênero. Durante a aplicação do plano de aula foi dado um destaque maior ao rap, pois este gênero era o que mais estava ligado com a realidade dos alunos. Sobre os materiais a parte historiográfica de cada gênero foi apresentada com explicação e apresentação em slides e então em um segundo momento a música era apresentada junto com a letra para conduzir o debate.
      Espero ter respondido sua pergunta.

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  5. Olá, Ramon,

    Parabéns pelo seu texto. A utilização de músicas e outras expressões artísticas em sala de aula pode renovar o ensino de história, cujo currículo tradicional parece distante do interesse dos alunos de uma maneira geral. Também pesquiso sobre o rap, procurando abordar outros elementos que não tão somente as letras das músicas. Minha pergunta é a seguinte: O que você pensa sobre a abordagem, nas salas de aula, de outros elementos que não as letras das músicas de rap?

    Obrigado
    GABRIEL PASSOLD

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    1. Olá Gabriel.
      Obrigado pelo comentário.
      Sobre a abordagem de outros elementos, no decorrer da execução do nosso projeto também falamos sobre outras partes da cultura hip hop, como por exemplo o grafite e o break, a experiência foi igualmente proveitosa nesses casos, pois há alunos que se identificam mais com determinado elemento artístico, porém de todos os temas o que mais a discussão fluiu foi a música. Espero ter respondido sua pergunta!

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  6. Olá!
    gostaria de saber quais os principais elementos de analise de uma música seja ela o rap ou até mesmo outro gênero.

    IGOR ROBERTO CARVALHO BRITO

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    1. Olá.
      Durante a análise das letras buscamos em primeiro lugar entender o contexto em que o autor está inserido, também é importante perceber a opinião do autor perante a situação, se está contente, revoltado, se busca uma mudança, etc. É importante também estabelecer uma ligação histórica com os fatos que caracterizaram a época da criação da música.
      Espero ter esclarecido sua dúvida.

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  7. Olá Ramon,
    Tudo Bem?

    Gostaria de saber, já que o tema é música, o quanto você acha importante, ou fundamental, pensar a questão também da performance e a oralidade ao se utilização a canção como fonte de pesquisa e em sala de aula.

    Obrigado,
    Igor Lemos Moreira

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    1. Olá Igor, tudo bem e com você?
      Primeiramente obrigado pela atenção e pelo comentário.
      Ao utilizar a música na sala considero importante analisar a obra sobre todos os aspectos, pois não somente a letra é capaz de nos mostrar o contexto, como por exemplo ao falar sobre o samba é interessante analisar também sua melodia, pois é um gênero que marcou o início da musica popular, ou seja apresentava uma estrutura mais simples sendo assim os "sambistas" não dispunham de grande estudo musical, como por exemplo o estudo lírico necessário para se tocar em uma orquestra.
      Espero ter esclarecido sua dúvida!

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    2. Olá Ramon,
      Muito obrigado pela resposta.

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  8. Olá, Ramon, primeiramente gostaria de parabenizar pelo texto e pelo projeto desenvolvido. Eu, como pibidiana, gostaria de saber como o rap pode ser trabalhado, além dá análise das letras? Tendo em vista que há um certo preconceito na sociedade com o rap, devido suas letras "pesadas", foi fácil trabalhar com os alunos sem generalizar, sem descriminar e sem incentivar os alunos a praticarem o que estão nas letras? O ambiente escolar, professores, pedagogos, orientadores, incentivaram o trabalho com o estilo musical? Pergunto devido ao preconceito que existe na região onde moro. Muito obrigada.
    Emily Lourenço Pinheiro

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    1. Olá.
      Gostaria de de agradecer sua atenção e seu comentário e pergunta.
      Durante o desenvolvimento do trabalho não tivemos problemas com professores e equipe pedagógica, muito pelo contrário, todos gostaram da ideia e incentivaram o trabalho. A respeito das letras, ao escolher uma música pra ser trabalhada em sala sempre é levado em conta a faixa etária dos alunos, já que existem letras que contem uma linguagem mais pesada que acaba sendo inadequada. Em grande parte as letras e músicas foram utilizados como um elemento para se entender o contexto e momento no qual o artista as escreveu.
      Espero ter esclarecido sua dúvida.

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  9. Parabéns pelo texto Ramon.
    A cultura hip-hip permite várias discussões. O rap permite ainda, além de poder traçar um paralelo com o cotidiano do alunos, ele também permite uma dupla contextualizão, pois a maioria dos rap utilizam samplers. Além do rap, e da sua experiência em sala de aula, você já usou o graffiti para discutir arte e elementos estéticos?

    Obrigado.

    Thiago Rafael de Souza

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    1. Muito obrigado pela atenção e pelo comentário!
      Nos colégios onde foi abordado este tema também foi utilizado outros elementos da cultura hip-hop, como o graffiti e também o break para explicar as diferentes formas de expressão artística presentes nas periferias.
      Espero ter respondido sua pergunta!

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