“CAÇAR, PESCAR E VIVER NAS FLORESTAS”: REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA REDE BÁSICA EM XINGUARA-PA ACERCA DOS POVOS INDÍGENAS
Prof. Me. Rafael Rogério Nascimento dos Santos
Prof. Me. Heraldo Márcio Galvão Júnior
Iolanda de Araújo Mendes
UNIFESSPA
Esse trabalho é fruto de pesquisa em andamento a qual tem por objetivo analisar as representações que os alunos da rede básica de ensino constroem acerca dos povos indígenas no Brasil. Temos pensado em como está sendo produzido o conhecimento histórico escolar acerca da temática indígena após nove anos da implementação da lei 11.645/08, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas de todo país. O projeto conta com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis-PROEX da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e está sendo desenvolvido em duas escolas da rede pública de ensino do município de Xingura_PA, sudeste paraense: Escola de Ensino Fundamental Henrique Francisco Ramos e Escola de Ensino Médio Dom Luiz de Moura Palha.
A Lei 11.645/08 fará no próximo dia 10 de março nove anos de existência, entretanto, como apontam Giovani Silva (2015), Luisa Wittmann (2015), Maria Aparecida Bergamaschi (2011), Marta Troquez e Ana Paula Mancini (2009), Edson Silva (2002), entre outros, os povos indígenas ainda são representados por meio de estereótipos, desprovidos de dinamicidade e pluralidade cultural. A ideia geral é de que os povos indígenas são e devem ser exclusivamente compostos por homens e mulheres nus, que pintam seus corpos e moram no interior da selva. Segundo Márcio Couto Henrique existem crenças estereotipadas que agregam aos povos indígenas imagens negativas acerca da inteligência, caráter e que “... fundamentam a discriminação na medida em que sustentam atitudes de hostilidade, desprezo e temor com relação a povos que tradicionalmente tem sido definido como inferiores”(HENRIQUE, 2010,p.81).
Mesmo não sendo fruto de reflexão recente (LOPES, 1987; GRUPIONI, 1995) a temática indígena no Ensino de História ainda enfrenta grandes problemas. Para Bergamaschi (2011) tanto a produção historiográfica quanto o ensino de história vigentes até o momento contribuem para a constituição de práticas discriminatórias acerca dos indígenas.
Dessa forma, temos um quadro geral já destacado pela bibliografia sobre o tema: há um padrão que legitima e oficializa esse tipo de conhecimento acerca da temática indígena na escola, ainda existe uma mentalidade sobre os povos indígenas que os representa por meio de estereótipos, imagens ligadas apenas ao passado colonial; os índios são tidos como sujeitos que não fazem parte da sociedade nacional; desprovidos de sua pluralidade cultural, como se todos os índios do Brasil fossem um só, iguais; os povos indígenas são exóticos, excêntricos e, não raro, comparados até com animais.
Ao pensarmos nesse quadro geral e também na região do sudeste paraense, mais precisamente no município de Xinguara (onde se encontram as escolas lócus da pesquisa) constatamos que esse padrão está sendo (re)construído nas representações feitas pelos alunos. Durante a etapa inicial da pesquisa foram coletados 835 materiais, entre textos e imagens, produzidos por alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. Nesses materiais os alunos desenharam ou escreveram o que eles pensavam acerca dos seguintes termos: “povos indígenas” e “índios”.
Logo abaixo segue algumas transcrições das narrativas construídas pelos alunos. (Foram realizadas algumas correções gramaticas, entretanto, o sentido original não foi alterado.)
· “Os índios são pessoas que vivem em aldeias, nos filmes eles são valentes não sei em vida real, os índios não usam roupa eles vivem de fruta do mato, coisas de comer do mato, no mato que eles arranjam comida, eles pescam e vivem do peixe também” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 6º ano E, 2016).
· “Os índios são povos que vivem na floresta sua cultura, eles trabalham de caçar, pescar, buscam sua comida na floresta, antigamente era assim. Viviam mais suas culturas naquele tempo. Hoje em dia os índios só sabem “luxar”, anda igual o povo da cidade, carro bom e roupa boa e cordão de ouro, mas eles esqueceram que a cultura deles é bonita. Não se pintam mais, a maioria deles não mora nas aldeias, mas sim nas cidades. Fui a Redenção Pará, lá vi índios completamente diferentes, uma parte mostrando sua cultura verdadeira, outros no luxo. Sim tem que “luxar”, mas não esquecer da sua cultura, mas mostrar mais ela. Hoje em dia tudo é fácil para eles, dou valor aos que cultivam sua cultura, sua raça” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 7º ano C, 2016).
· “Para mim a vida dos povos indígenas parece ser muito divertida, eles vivem despreocupados, a vida na cidade é muito movimentada. E eles não se preocupam com roupas e também é muito interessante o jeito de falar diferente. É isso o que eu acho” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 8º ano B, 2016).
· “Povos indígenas, eu acho que eles são um grupo de pessoas que vivem na floresta ou em outros lugares e eles estão aqui no Brasil há muito tempo. Índios, eu acho que é uma pessoa que gosta de viver na floresta entre outros e que essas pessoas não gostam muito de viver entre muitas pessoas como na cidade e que eles não são muito chegados à tecnologia” (E.E.M. Dom Luiz de M. Palha, 1º ano B, 2016).
Os documentos coletados estão sendo analisados e, até o momento, podemos perceber que o padrão supracitado, lamentavelmente, se legitima e perpetua nas escolas pesquisadas. Os indígenas nos documentos são tidos como sujeitos que não fazem parte da realidade dos alunos, contribuindo para exclusão dos indígenas na sociedade local. Os povos indígenas são desprovidos de suas pluralidades culturais para serem sintetizados em termos pejorativos: são preguiçosos, selvagens, pertencem somente a floresta, vivem no ócio, não fazem uso da tecnologia e quando não são enquadrados nessas generalizações deixam de ser “verdadeiros índios” pois estão deixando sua cultura de lado.
As narrativas construídas pelos alunos não são resultado somente das suas experiências nas escolas, mas também do senso comum, das suas vivências cotidianas na sociedade, nos meios de comunicação, etc, o que amplia a discussão que inicialmente nos propomos a fazer na pesquisa. Entretanto, focando no Ensino de História e no papel da escola, algumas estratégias para superar tal quadro são fartamente apontadas pela bibliografia, como por exemplo, a revisão em práticas pedagógicas que insistem em mostrar um índio genérico, e também nos próprios livros didáticos (COELHO, 2010). Diante desse preocupante quadro os esforços devem se concentrar principalmente no sentido de fazer com que os alunos percebam os povos indígenas em sua pluralidade, sua dinamicidade, sua diversidade, a partir de uma prática comprometida eticamente com a temática indígena (MANCINI, TROQUEZ, 2009).
No âmbito do lócus da pesquisa, ao pensarmos em uma contribuição para a temática desenvolvida, o projeto que atualmente está analisando e problematizando as representações construídas pelos alunos, a partir de uma leitura sócio-antropológica e histórica, visa em seus próximos passos a elaboração de um material didático voltado para os alunos das escolas pesquisadas, inclusive pretende contar com a participação dos indígenas Mebêngôkre-Kayapó da aldeia Las Casas (situada próxima ao munício de Xingurada) a qual tivemos a oportunidade de conhecer em novembro de 2016. Além disso, iremos propor seminários e oficinais aos professores da educação básica com o intuito de auxiliar na formação continuada dos mesmos no que corresponde a temática indígena na escola.
Referência Bibliográfica
BERGAMASCHI, Maria Aparecida. A temática indígena no Ensino de História: possibilidades para diálogos interculturais? In: FONSECA, Selva Guimarães; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.), Perspectivas do Ensino de História: Ensino, Cidadania e Consciência Histórica. Uberlândia, 2011: Edufu, p. 295-304.
COELHO, Mauro Cezar. As populações indígenas no livro didático ou a construção de um agente histórico ausente. In: COELHO, Wilma de Nazaré Baía; MAGALHÃES, Ana Del Tabor (Orgs.). Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010.
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da (Orgs.). A Temática Indígena na Escola: Novos Subsídios para Professores de 1º E 2º Graus.Brasília/MEC/MARI/UNESCO, 1995.
HENRIQUE, Márcio Couto. Conceitos e preconceitos em História Indígena. In: Wilma de Nazaré Baía Coelho; Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães. (Org.). Educação para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais. 1ª ed.Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, v. 1, p. 79-95.
LOPES DA SILVA, Aracy (org.). A questão indígena na sala de aula - Subsídios para professores de 1º e 2º graus. São Paulo, Brasiliense, 1987.
MANCINI, Ana Paula Gomes. TROQUEZ, Marta Coelho Castro. Desconstruindo estereótipos: apontamentos em prol de uma prática educativa comprometida eticamente com a temática indígena. Campo Grande - MS: Tellus, 2009.
SILVA, Edson. Povos Indígenas e Ensino de História: Subsídios para a abordagem da Temática Indígena em sala de aula. Londrina: História & Ensino, 2002;
SILVA, Giovani José da. Ensino se História Indígena. In: Luisa Tombini Wittmann. (Org.). Ensino (d).e História Indígena. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, v. 1, p. 21-46, 2015.
Olá!!!
ResponderExcluirPrimeiramente gostaria de parabeniza-lós quanto a iniciativa e o belo trabalho.
Gostaria de saber de vocês, quais foram os principais obstáculos enfrentados em relação a desconstrução da representatividade dos povos indígenas? já que julgo uma tarefa bem difícil,em virtude de uma historiografia que até meados do século XX ,negava o protagonismo indígena condicionando-os a um estado de passividade, e vemos isso nas figuras e nos relatos confeccionadas pelos próprios alunos.
Cara Fabrícia Freire, boa noite, desde já agradeço pela sua participação!
ResponderExcluirO projeto ainda se encontra em fase de desenvolvimento, sendo nosso objetivo ao longo do projeto desconstruir essas representações estereotipadas que estão cristalizadas acerca dos indígenas e estimular os alunos a conhecer a cultura indígena. Pensando nessas questões temos como finalidade realizar oficinas e palestras nas escolas dialogando com os mesmos no intuito de descontruir tais representações. Ainda pensando em contribuir a longo prazo na desconstrução dessa imagem pejorativa acerca dos povos indígenas, almejamos elaborar um material paradidático com a realidade atual dos indígenas da região, onde irá auxiliar os professores ao trabalhar a temática tanto no ensino fundamental como no médio.
Atenciosamente,
Iolanda Mendes
Olá.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho, acredito que este seja um tema que realmente ainda precisa de uma discussão maior, e o foco que vocês mostraram na pesquisa é muito interessante.
Perante isso, queria saber como os alunos reagiram diante da temática trabalhada por vocês na sala de aula. Foi dito que pretendem realizar oficinas e palestras nas escolas dialogando com os mesmos no intuito de desconstruir tais representações, além de elaborar um material paradidático com a realidade atual dos indígenas da região, tendo em vista as informações obtidas vocês acreditam que esse trabalho será bem aceito e debatido entre os alunos e professores de Xinguara? Pois observa-se uma continuidade na construção dessa representação errônea e preconceituosa e que infelizmente mesmo com a implementação da lei 11.645/08 não há um aprofundamento sobre o tema.
Por: Fernando Nogueira Resende
Prezado Fernando Nogueira, agradeço pela leitura do nosso texto!
ExcluirA temática indígena precisa sim ser trabalhada diariamente, não somente em datas comemorativas como o 19 de abril o “dia do índio”. A reação dos alunos, em sua maioria, foi de descontentamento e desmotivação, não lhes pareceu um assunto interessante.
Acredito que o material paradidático, as palestras e oficinas serão bem aproveitados pelos professores devido os mesmos terem demonstrado interesse pelo projeto desde o início, sendo nosso desafio estimular o interesse dos alunos pela temática e desconstruir estereótipos abordando a temática indígena de forma contextualizada. O contexto educacional apresenta fragilidades no ensino dificultando o trabalho dos professores, sendo uma das soluções improvisar a forma de trabalhar tais conteúdo. A lei 11.645/08 torna obrigatório o ensino da temática indígena, porém não determina a forma de ensino o que em muitos casos só reforçam estereótipos acerca dos indígenas.
Atenciosamente,
Iolanda Mendes
Boa tarde, primeiramente parabéns perfeito esse texto,e serei bem objetiva em minha pergunta, gostaria de saber qual os meios que vocês pretendem utilizar para desconstruir essas idéias fixadas as mentes dos alunos?pois certamente os materiais por eles utilizados não mostram a evolução e o espaço que os indígenas conquistaram ao longo do tempo...(Kely Martins Cunha)
ResponderExcluirPrezada Kelly, obrigado pela pergunta.
ResponderExcluirInicialmente nosso projeto prevê a realização de oficinas e palestras para voltadas para os professores e alunos das escolas onde pesquisamos. Além disso, pretendemos construir um material didático que trate sobre a diversidade dos povos indígenas e de suas experiências históricas.
Att.
Rafael Rogério Nascimento dos Santos