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Priscilla Piccolo

NOVAS ABORDAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA DO NAZISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA
Priscilla Piccolo Neves
Mnt. História PPGHEN/UEMA

A historiadora Márcia Menendes Motta (2012) destaca que segundo Nolte, ao contrário de outras tragédias da humanidade, a experiência nazista havia deixado marcas indeléveis na história alemã e era reiteradamente lembrada como uma história do passado que havia fincado raízes no presente. Na mesma linha, o historiador alemão Hinnerk Bruhns, postula que a construção de uma nova identidade alemã no contexto da reunificação não deveria eliminar a experiência de Auschwitz. Assim, seria legitimo guardar na memória coletiva alguns esforços em prol da democracia nos períodos anteriores ao nazismo, inclusive ressaltando determinadas possibilidades não realizadas desse passado. Mas a verdade é que para este autor aqueles elementos tinham menos importância como parte da identidade alemã “do que os que marcaram o advento e os horrores do nazismo”.
A pequena exposição dos posicionamentos dos historiadores acerca dos horrores do nazismo e, por consequência, das atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, demonstram a atualidade do tema. Os embates em torno da memória do nazismo e, destacadamente, sobre o holocausto, dividem os historiadores e são responsáveis por uma das mais intensas querelas entre os estudiosos do tema.
Muito já foi produzido sobre o tema. Incontáveis são as obras sobre as estratégias militares, a trajetória pessoal de Hitler, seus aspectos psicológicos que explicariam os horrores do nazismo. Inúmeros são os museus que buscam manter viva a memória do holocausto. Até mesmo um Estado independente foi criado em decorrência do ocorrido com os judeus. No entanto, quando os componentes curriculares “Nazismo e Segunda Guerra Mundial” adentram o cotidiano escolar, vem a tona, como ferramenta pedagógica primordial, o livro didático, em todo seu formalismo e limitações.
A proposta central desta pesquisa reside na possibilidade de introdução de novas perspectivas no ensino do Nazismo e da II Guerra Mundial a partir do recurso a uma ferramenta muito divulgada, mas, de fato, ainda pouco utilizada em sala de aula: os estudos literários, mas especificamente obras biográficas.
Parte-se aqui da perspectiva de que o uso da literatura como ferramenta pedagógica em sala de aula é crucial para compreender o caráter de mudança e continuidade em torno dos novos métodos de investigação da história e de seu ensino. Algumas obras literárias reproduzem de uma forma mais didática fatos históricos. Impossível pensar no ensino de história sem levar em consideração sua multiplicidade pedagógica existentes na atualidade.
De acordo com Christian Laville (1999), no passado o dever do ensino de Historia era apenas uma forma de educação cívica, ou seja, tinha o papel de confirmar a nação no estado em que se encontrava no momento, legitimando sua ordem social e política. Ensinado ao povo respeito por ela e dedicação para servi-la. O aparelho didático desse ensino era simples: uma narração de fatos seletos, momentos fortes, etapas decisivas, grandes personagens, acontecimentos simbólicos e, de vez em quando, alguns mitos gratificantes. Cada peça de narrativa tinha sua importância e era cuidadosamente selecionada.
Com a modernização tecnológica e com avanços no campo das pesquisas pedagógicas, surgiu a necessidade de se repensar as formas de ensino, embora muitas instituições ainda optem por usar métodos arcaicos e se aterem apenas ao livro didático como recurso metodológico. A progressão dos estudos didáticos vem mostrando que cada vez mais é possível ensinar e formar uma consciência critica com recursos que acompanham a modernização.
Usando como principio a constatação de Vesna Gidiva e Valentina Hlebec (1999) de que é mais do que evidente que ensinar História é antes de tudo um trabalho ideológico e político e não uma questão de normas profissionais, pode-se destacar o quanto a utilização de outras formas de ensino é importante para a formação de uma consciência critica do aluno.
A importância deste estudo remete ao fato de se sublinhar e tentar comprovar teorias pedagógicas de utilização de outras ferramentas para além do livro didático. O presente estudo se propõe construir ferramentas pedagógicas capazes de viabilizar a inserção de obras literárias no ensino de Historia, envolvendo temas que permeiam os fatos ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial. Está sendo proposto, então, a utilização de obras literárias que tenham como plano de fundo acontecimentos ocorridos durante a II Guerra Mundial, através de obras que perpassam por relatos de indivíduos que presenciaram e fizeram parte direta ou indiretamente desta época.
As obras literárias devem ser apropriadas como mais um método de transmissão do conhecimento. Sua utilização deve ser sublinhada, pois permite a quebra das barreiras disciplinares nas escolas.
O Brasil ainda possui muitas escolas em que as formas de ensino ainda não dialogam com as novas formas de se pensar o Ensino de Historia, continuando presas a paradigmas doutrinários mais próximos ao século XIX do que ao XXI. Para muitos pesquisadores, ainda é valida a ideia de que o Ensino de Historia tem como sua principal função moldar a consciência e a ditar as obrigações e os comportamentos para com a sociedade, ao invés de guiar os cidadãos para desenvolverem uma capacidade autônoma e reflexiva para participarem da sociedade de uma forma colaboradora.
O papel do professor é saber conciliar as diferentes interpretações de um fato, explorando a diversidade presente na pluralidade das interpretações, estimulando assim um senso critico no aluno, ensinando-o a questionar todo o tipo de verdade, pois, para a história não existe uma diversidade absoluta. Pode-se vê-la como uma investigação permanente dos fatos, uma vez que seu objeto de estudo foi produzido através de interpretações de algumas pessoas de um mesmo tema. As obras literárias, desta forma, podem ser uma importante ferramenta para esta investigação, pois, muitas vezes, são escritas de uma forma mais clara e interessante, o que acaba estimulando o interesse dos alunos pelo tema. Podem se constitui, assim, poderosas ferramentas capazes de dinamizar o cotidiano escolar.
Segundo Katia Maria Abud (2003), a história como disciplina escolar, também é histórica e, como campo de conhecimento, passa por mudanças e transformações que a fazem filha do seu tempo. As novas abordagens, os novos objetos, outras fontes, outras linguagens foram se incorporando ao Ensino de História. As novas tendências e as correntes historiográficas que entendem a História como construção, aliadas a concepções que envolvem o processo de ensino-aprendizagem, provocaram transformações bastante profundas na construção da história como conhecimento escolar. Tais transformações produziram modificações na Didática da História e provocaram uma reformulação na prática pedagógica. É necessário que se destaque a introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de orientações sobre o uso das novas linguagens, a despeito da inércia da organização escolar no sentido de consolida-las como práticas cotidianas.
Ainda segundo Abud, a História escrita pelos historiadores dos Anales indicou novos caminhos para a Historia e no Pós-Guerra, no período que cobre os anos 1950 e 1960, pelo menos duas correntes desdobraram-se da proposta francesa: a chamada história social e a da história das mentalidades. No mesmo período, nos Estados Unidos, Suíça, França e Itália, educadores e estudiosos da Psicologia da Aprendizagem opunham-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando a uma educação que pudesse integrar o individuo na sociedade e, ao mesmo tempo, ampliassem o acesso de todos à escola. Reconheciam que as transformações pelas quais a sociedade ocidental passava exigiam a utilização de diferentes métodos de ensino que enfatizassem o lado criativo do aluno e as possibilidades de participação na elaboração do conhecimento. A noção de que cabia a criança descobrir o conhecimento por meio dos sentidos, e que era a partir do trabalho em sala de aula, ou em atividades extraclasses que o saber deveria ser construído pelo aluno, individual e coletivamente, pesava na organização das propostas metodológicas para o ensino. As novas tecnologias eram apontadas como recursos didáticos para o desenvolvimento dessa Escola Nova, como passou a ser denominado o conjunto de ideias que combatia o ensino tradicional.

Bibliografia
ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História. São Paulo. Vol. 22. 2003.
BERSTEIN, Serge. A História da Cultura Política no século XX. Revisão da História. Paris, Imprensa da Fundação Nacional das Ciências Políticas, nº 35, julho-setembro, 1992.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Aprendizagens em história. In: Ensino de História: fundamentos e métodos. Editora Cortez. São Paulo. 2004;
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História. São Paulo. Vol. 28, n° 55. 2008;
HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. São Paulo: Cia das Letras, 1988.
LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de História. Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 19, n° 38. 1999;
MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: org. CARDOSO, Ciro Flamarion; e VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Elsevier Editora Ltda. Rio de Janeiro. 2012.
NETO, Antonio Simplício de Almeida. Dimensão Utópica nas representações sobre o ensino de História: Memória dos professores. Educação Social Campinas. Vol. 31, n° 110, jan.-mar. 2010.


6 comentários:

  1. O nazismo é retratado como deveria pelos livros didáticos? Ou uma mudança seria bem vinda?
    Matheus Magossi Ruiz

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    1. Matheus infelizmente o Nazismo retratado nos livros didáticos, a meu ver, de uma forma muito superficial. Por exemplo, os livros que já analisei apenas citam o holocausto sem um maior aprofundamento sobre o ocorrido. Em minha opinião deveria haver um maior espaço para este tema e uma incorporação das novas pesquisas acerca deste conteúdo.
      Priscilla Piccolo Neves

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  2. Boa noite, em determinado trecho você afirma que: "O Brasil ainda possui muitas escolas em que as formas de ensino ainda não dialogam com as novas formas de se pensar o Ensino de Historia, continuando presas a paradigmas doutrinários mais próximos ao século XIX do que ao XXI."

    Porque você acha que ainda existem professores que se prendem a esses paradigmas?

    Abraços,
    Beatriz Rosa.

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    1. Beatriz, na minha opinião é porque ainda ha um distanciamento entre as pesquisas realizadas na academia e a pratica docente no ensino básico
      Priscilla Piccolo Neves

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  3. Bom dia!
    Como professor de Historia vejo que o nazismo não é estudado no Brasil da mesma forma que é estudado na Europa. Isso se deve ao fato da Europa ter vivido diretamente o terror nazista e o Brasil não. O nazismo e suas consequencias estão inseridos culturamente no europeu. Desta forma como podemos fazer com que os alunos brasileiros se interessem ou estejam receptivos à esse assunto, que culturalmente não faz parte da Historia brasileira?

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  4. Benedito, a minha proposta é que passem a ser usadas, juntamente com o livro didático, obras biográficas que proporcionem uma maior aproximação entre os alunos e o tema escolhido. Embora o Nazismo tenha ocorrido na Europa, muitos sobreviventes do holocausto buscaram refugio no pais o que torna, ao meu ver, este assunto de grande interesse para a educação básica brasileira.
    Priscilla Piccolo Neves

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