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POR QUE TORNAR A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO FREQUENTE NAS AULAS
Pedro Francisco Campos Neto
Mestrando do PPFH/UERJ

Introdução
Este trabalho tem como intuito fomentar o debate sobre o uso de fontes históricas em sala de aula e o fará a partir de um dos temas mais clássicos da historiografia e também do ensino de história: a Revolução Francesa. Com isto, almeja-se enfatizar as possibilidades de uso da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada no início do processo revolucionário, para a compreensão da historicidade da cidadania e como marco de um novo projeto de sociedade; assim como, mais uma vez, trazer à discussão a importância de trabalhar os conteúdos da disciplina de uma forma que exceda longas narrativas e privilegia os debates.
Para isto, primeiramente, me ocuparei com o contexto em que o documento foi elaborado, o que é feito para alçar sua importância histórica. Em seguida, o foco será a necessidade de continuar tentando repensar o ensino de história, ainda dominado pelas aulas expositivas, e pontuar as oportunidades de uso das fontes históricas em sala de aula, Por fim, é colocado uma sugestão de atividade com o texto de 1789, que pretende ser um facilitador de iniciativas semelhantes.

O diferencial de 1789
A preferência pela Revolução Francesa nesse artigo não se dá apenas por esta “inaugurar” a idade contemporânea na quatripartite historiográfica. Afinal, a queda de Constantinopla ante aos turcos, marco inicial da idade moderna, acaba por não ser tão revisitada nas aulas do ensino fundamental, médio e  superior. Esta escolha também não acontece porquê compartilho da perspectiva de que tem maior relevância os conteúdos mais recentes. Este processo foi escolhido em consonância com a visão de Eric Hobsbawm, que afirma ser esta a mais ecumênica das revoluções burguesas (2013, p.99). Haja vista não se limitar a um só país como a Revolução Americana e a Inglesa, ambas anteriores a queda da Bastilha. O levante do terceiro estado inaugura um outro período no pensamento político europeu que também reverbera em outras partes do mundo, visto que se concebeu como universal (ODALIA, 2014, 164).
Sobre as novidades revolucionárias, destaco a fundação da perspectiva de cidadania que compartilhamos hoje no mundo ocidental. Claro, a cidadania deste início de século XXI não é a mesma daquela existente no final do século XVIII, mas podemos encontra ali seus pilares, como os direitos civis. E é justamente este movimento de expansão dos direitos, célebre no pensamento de Thomas Marshall, que faz que este conteúdo seja convidativo para o ensino de história.
Afinal, com a inauguração da cidadania pela Revolução Francesa temos importantes transformações como a ideia de que “os homens nascem e permanecem livres”, contrapondo o triplo estatuto da Ordem do Bispo Adalberon de Laon (FRANCO, 2011, p.115). Famoso por definir as atribuições de camponeses, nobres e clérigos no mundo medieval e, consequentemente, a hierarquização social implodida pelos revolucionários. Assim como a secularização do poder político que abre a possibilidade de participação dos agora cidadãos, mesmo que só seja possível usufruir de maneira plena desta novidade os homens com determinada renda.
           
Além do “cuspe e giz”
Disto isto, já é possível falar sobre a relevância de continuar o esforço dos colegas que há muito vem tentando melhorar o ensino de história nas escolas brasileiras. Este breve artigo pretende colaborar com este objetivo ao sugerir que na prática docente seja menos comum o uso de longas exposições. O que é diferente de banir este recurso. Ao invés das aulas serem marcadas por extensas narrativas sobre o desenrolar de um fato ou processo, sugiro que as fontes aparecem mais. E este novo protagonismo só é possível quando, enquanto professores, lembramos nossos alunos do compromisso que eles mesmos devem ter com a formação. Tarefa árdua e utópica, dirão alguns. Mas que não pode ser negligenciada.
Defendo aqui que nossos alunos notoriamente amantes de tecnologia a utilizem para “virem prontos” para aula. Isto é, estabeleçam contato prévio com o conteúdo a ser trabalhado. Por questões financeiras ou de credibilidade, o uso da internet pode ser questionada, o que é normal, já que nem todos os sites são confiáveis ou todos os alunos têm acesso. Todavia, acredito que o livro didático, item praticamente universalidazado nas escolas, assuma este papel. Afinal, sua oferta é gratuita e traz mais segurança ao professor, já que é avaliado pelo MEC, grifo inexistente aos sites.
Tal proposição tem como base teórica a didática da pedagogia histórico-crítica, sistematizada por João Luiz Gasparin. Para que os estudantes “cheguem preparados”, é necessário planejamento por parte dos professores neste sentido. A proposta de Gasparin sugere que “o educando deve ser desafiado, mobilizado, sensibilizado” (2015, p.14). Nesse sentido, a primeira etapa de sua proposta pedagógica, a prática social, afirma que deve se anunciar o que vai ser estudado, levantar o conhecimento dos alunos sobre o tema e explanar sobre as razões deste estudo. Desta forma, o aluno toma conhecimento do conteúdo e, como sugiro, se encarrega de conhecer minimamente o assunto por conta própria, usando, os meios supracitados. Desta forma, evitamos que o tempo de aula seja investido em informações e conhecimentos que podem ser levantados pelos próprios estudantes. Ressalto que as dúvidas provenientes desta imersão no tema pelos alunos devem ter espaço em sala.
O que viabiliza utilizar o encontro entre o regente e a classe para problematização, segunda etapa prevista por Gasparin. Neste estágio do processo de ensino-aprendizagem são levantadas questões para entender de maneira sistemática a sociedade estudada. Quando o assunto é Revolução Francesa uma questão pertinente pode ser “por que interessava ao terceiro estado uma Assembleia Constituinte?”. Interrogações desta natureza, acredito, tornam as aulas mais instigantes e até mesmo relevantes. E seu desenrolar faz com que os alunos tenham contato com diversos itens fundamentais em nossa disciplina como as noções de sujeito histórico, temporalidades históricas, historicidade dos conceitos e rupturas, tal como postura Bezerra (2013, p.43-45)

A sugestão
A fonte histórica, de acordo com minha leitura de Gasparin, encontra-se na instrumentalização, isto é, os recursos didáticos levantados para responder as interrogações anteriormente levantadas.  Neste sentido, trago a sugestão de atividade que usa a Declaração de 1789 para responder a problematização anteriormente posta. Para sua plena execução é necessário que os alunos tenham domínio (a) dos princípios da sociedade estamental e (b) da teoria politica que legitimava a dinastia Bourbon. O exercício requer  que os alunos tentam contato com os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10 e 11 do texto revolucionário. O que pode ser feita por cópias ou projeção. São as questões para o debate em sala: “Quais itens do texto davam fim ao primeiro e segundo estado francês? Justifique” e “Existe uma alteração na origem do poder político na França com este texto? Justifique”. Lembro que a questão elaborada no momento de problematização é a razão de ser da aula como um todo. Estas duas perguntas integram a mesma aula e são auxiliares no empenho de responder a problematização. Desta forma, penso que a abordagem sobre a Revolução Francesa seja mais construtiva para os objetivos de leitura, compreensão e intervenção na sociedade.

Considerações finais
A ideia deste trabalho foi dar mais um passo para uma prática docente que excede o modelo expositivo, que tem seus benefícios, porém não deve ser único. É sabido que existem grandes entraves para a alteração deste cenário. Todavia, fomentar maior autonomia intelectual de nossos alunos e promover maiores debates com fontes históricos também não é irrealizável como pode parecer. E por isto o texto foi finalizado com um exemplo que pode ser questionado, melhorado, usado ou simplesmente descartado. No fim, o importante é reflexão que provocou em meus pares.

Bibliografia
BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de história: conteúdos e conceitos básicos. In KARNAL, Leandro.  História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2013, pp. 37-49.
GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, Autores Associados, 2012.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2013.
ODALIA, Nilo. A liberdade como meta coletiva In PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2014. pp. 159-170.



6 comentários:

  1. Olá, Pedro, boa tarde!

    Parabéns pela produção! Adorei a leitura e esta me fez lembrar de uma atividade que desenvolvi numa turma do Ensino Fundamental, mais precisamente, o 8º ano, utilizando outro conteúdo, mas pensando em culminar na Revolução Francesa.
    Dialogamos sobre direitos e deveres em sala a partir de uma inquietação durante a aula de Iluminismo. Nesta o aluno se perguntou e fez a tradicional pergunta do "porque aprendemos mais nossos deveres?" e meio que começamos a envolver a turma toda no debate, ao ponto de produzirmos (em fase de conclusão, ainda) um painel dos direitos e deveres "do estudante", parafraseando, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

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    1. Boa noite, Jefferson.

      Obrigado pela leitura e feedback. A atividade que você com seus alunos é bem interessante. Acredito que seus alunos vão se portar de maneira ainda mais crítica quanto as leis depois destas aulas. Vejo que pode ser um instrumento para cativar a participação deles na vida política dentro e fora da escola.

      Abraço

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  2. Parabéns pelo trabalho, Pedro! Muito claro e com uma excelente proposição prática, algo bem interessante para nós professores.

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    1. Daise,

      Obrigado pela leitura e pela avaliação. A ideia era realmente ser propositivo.

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  3. Olá Pedro, parabenizo pelo seu trabalho e vejo que é necessário e imprescindível esse debate sobre os direitos dos homens e do cidadão em sala de aula.

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  4. José,

    Obrigado pela leitura. Fico contente que tenha gostado da minha proposta

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