Páginas

Paola Vieira

JORNAIS CATARINENSES E A NOVEMBRADA - MANIFESTAÇÃO CATARINENSE CONTRA A DITADURA
 Paola Vieira da Silveira
Prof. Esp. UNESC

Introdução
Florianópolis, 30 de novembro de 1979. Estudantes liderados pelo DCE (Diretório Central do Estudante) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) organizam uma passeata até a praça XV. Localizada em frente ao Palácio Cruz e Souza, sede do governo estadual na época e onde se encontrava o então presidente da república, João Figueiredo. O protesto que ficou conhecido como a Novembrada, reivindicava desde a situação social de pobreza da população até os exorbitantes gastos para receber o presidente em Florianópolis, e claro, a Ditadura Militar que se vivia no Brasil.
A preocupação por parte dos governos em abafar a manifestação e criar uma ‘verdade’ sobre o episodio, resultou na versão que o protesto na capital catarinense foi realizado por um pequeno grupo de estudantes, quando na verdade - não oficial - o protesto foi apenas iniciado por esse grupo. Posteriormente teve apoio da população e dos taxistas, que protestavam contra o aumento da gasolina, assim a manifestação obteve proporções bem maiores do que se esperava.
A presente pesquisa que é resultado de um Trabalho de conclusão de curso para a obtenção do título de bacharel e licenciada em História da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, tem por objetivo fazer a análise de como a Novembrada foi interpretada pela imprensa Catarinense.

Resultados e discussão
Nos anos seguintes ao manifesto estudantil, diversos foram os artigos em jornais relembrando o episódio, episódio este, lembrado com orgulho pelos catarinenses. Geralmente é retratado como um fato importante na história catarinense pelos Jornais O Diário Catarinense, O Jornal da Capital, Jornal de Santa Catarina, Jornal do Centroe outros. O Jornal A Notícia ousa mais, dando uma importância nacional ao movimento. Em 1998, por exemplo, publica uma matéria com a manchete, “Catarinenses relembram a Novembrada”, “A manifestação puxada pelos estudantes de Florianópolis, marco do fim da Ditadura, completa amanha 19 anos” (JORNAL A NOTICIA, 1998).
Contudo, a revolta liderada pelos estudantes também foi noticiada em diversos jornais na época, sejam os de circulação na capital ou em outras cidades. Os discursos produzidos sobre a Novembrada e o espaço para noticiá-la em cada periódico foi diferente, alguns se propuseram a apenas divulgá-la, enquanto outros fizeram uma cobertura completa, documentando a manifestação e seu desenrolar, até o julgamento dos estudantes presos como lideres do protesto.
Compreender o projeto editorial do jornal, seu posicionamento político, é importante, pois implica na forma que a notícia foi problematizada pelo jornalista. Sartori (2008, p. 44) informa que os meios de comunicação em Santa Catarina estão ligados a duas famílias: “a família Ramos representada pelo PSD (Partido Social Democrata) e as famílias Konder – Bornhausen representadas pela UDN (União Democrática Nacional).” Posteriormente estes partidos se unem na ARENA, e após a extinção do bi-partidarismo ressurgem como PDS. Logo, OE e o JSC eram comandados por pessoas ligadas ao Partido Democrático Social.
Tem-se conhecimento de que muitos jornais foram fechados na Ditadura militar do Brasil. De Luca (2005) coloca que Maria Aparecida de Aquino, a partir de uma perspectiva comparativa, discute a ação e os efeitos da censura imposta pelo regime militar ao semanário Movimentoe ao Jornal O Estado de S. Paulo. Devido à censura passaram a apoiar o regime, porém, depois sentindo o peso desse regime autoritário, procuraram fazer denuncias por meio de estratégias criativas. Considerando que em 1979, o Brasil estava em pleno processo de redemocratização, os jornais catarinenses aproveitavam de mais liberdade, mas nunca fazendo críticas explícitas ao governo.
Embora tivessem a mesma linha política, ligados ao PDS havia diferença na forma de abordagem dos periódicos OE e JSC. O que ocorria era que o jornalista que cobria a Novembradapelo OE era um militante de esquerda, dando mais destaque aos estudantes do que JSC, que oferecia “menos voz” a oposição. Geraldo Barbosa em entrevista concedida a Sartori (2008) em 24/11/2003 comenta a cobertura feita pelo Jornal OE.
Sobre a imprensa há um aspecto interessante. Quem estava cobrindo para o jornal O Estado a Universidade era um militante de esquerda. Então eles davam uma cobertura favorável a nós. Uma cobertura ampla e democrática. E deram uma cobertura excelente da Novembrada, colocaram tudo no jornal.
Destacam-se aqui dois exemplos que evidenciam a diferença entre os jornais na cobertura da novembrada.  OE apresentou a fala do senador Jaison Barreto, que defendia os estudantes argumentando que a culpa do acontecido em Florianópolis era da própria situação do estado brasileiro.
Esses moços não podem ser responsáveis pelo caldeirão fervente que é o país hoje. [...] Julgados deveriam haver de ser o salário mínimo, o modelo econômico, a dependência externa, o Governo elitista e a farsa política, estes sim os verdadeiros responsáveis pelos acontecimentos. (JORNAL O ESTADO, 4 de dezembro de 1979, p. 3)
O JSC menciona a declaração de Jarbas Passarinho, líder do governo do senado em 79. Passarinho diz “que não vincula o incidente de Florianópolis, [...] a uma insatisfação da população causada pela crise econômica que aflige o país e os constantes aumentos de combustíveis, e suas consequências inflacionárias. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 2/3 de dezembro de 1979, p.18) E continua afirmando, para ele a manifestação não foi espontânea, e sim organizada por um grupo de provocadores que se aproveitaram da difícil situação do Brasil.
OE deu ênfase à prisão dos estudantes, aos atos públicos pedindo suas libertações, e procurou ainda depoimentos de familiares dos presos. Dentre suas matérias ele mostra o posicionamento do MDB, que como oposição procurou tirar proveito da situação ficando do lado do povo.
O MDB vai participar do ato público em protesto pelas prisões de estudantes e sua bancada federal não irá comparecer hoje à tarde no gabinete da presidência da Republica para agradecer ao general João Baptista Figueiredo para agradecer a visita e o anuncio de que a Sidersul será a primeira siderúrgica a ser construída em seu Governo. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 2 e 3 de dezembro de 1979, p. 18)
O jornal também exibiu depoimentos que relatam o protesto como não sendo apenas de uma minoria, um deles foi do deputado arenista João Linhares.
Não podemos olhar as manifestações como sendo um ato de minorias, não podemos esconder nossa cabeça na areia ou fugir das responsabilidades minimizando o fato; temos que olhá-los como sinais visíveis da inquietação e da insatisfação de populares que chegam a índices perigosos: façamos como o homem do campo: colemos os ouvidos no chão para ouvir o tropel”, protestou ontem de Brasília o deputado arenista João Linhares, de Santa Catarina, que não entendeu a atitude das autoridades que procuraram “diminuir” os acontecimentos ocorridos quando da visita do presidente Figueiredo. (JORNAL O ESTADO, 6 de dezembro de 1979, p. 2).
Destacou ainda o depoimento da mãe de Ligia Giovanella - estudante de medicina e vice-presidente do DCE, que estava presa – em um dos atos públicos em favor dos estudantes. “Porque minha filha sempre me dizia, mama, vai lá com a gente. E como ela não está, eu estou aqui representando. [...] Mais eu prometo pra vocês que se vocês souberem reivindicar os seus direitos, os direitos de cada um, nós vamos ser gente.” (JORNAL O ESTADO, 6/12/1979, p. 2).O pai de Marize Lippel também se manifestou em outro momento, dizendo que: “ Estou preocupado como pai, mas acredito que a polícia não vá cometer excessos.” Da mesma forma, o jornal trazia depoimentos de parentes de Adolfo, Rosangela, e demais universitários presos pela manifestação em Florianópolis.
OE procurou mostrar os dois lados da Novembrada, tanto do governo quando dos estudantes, que não tinham espaço nos demais jornais. Desta forma, publicou uma nota do prefeito de Itajaí em solidariedade a Bornahusen e João Figueiredo, e na mesma página uma nota do Diretório Central da Furb, de Blumenau, apoiando os estudantes.
O JSC abordou a Novembrada, de forma que beneficiava a imagem do presidente Figueiredo, talvez ainda no intuito da construção da popularização dele. A manchete do periódico no dia seguinte a manifestação dizia: Protestos e tumulto não impedem o apoio de Figueiredo a Sidersul. Em seu conteúdo:
No único discurso que fez durante a visita a capital -na churrascaria para  seis mil pessoas -  o presidente, depois de lamentar o incidente ocorrido no centro, afirmou categoricamente que “a primeira siderúrgica a ser implantada no país, com a cobertura da Siderbrás, será a Sidersul, em Santa Catarina. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p 4)
Outra matéria, diz que o presidente amigavelmente cumprimenta populares no momento de sua chegada ao Palácio Cruz e Souza. Porém depois de apontar o dedo a um estudante – referindo-se ao famoso gesto do presidente, que embora negado pelo governo, foi interpretado como um OK, que no Brasil tem sentido malicioso - querendo mostrar que eram poucos os manifestantes, é agredido moralmente, desta forma justificando o fato de Figueiredo voltar-se contra os estudantes.
O presidente, como de praxe, quebrou o protocolo e se misturou ao povo. Abraçou e beijou crianças, mulheres e velhos. [...] Mas o clima se agravou com a decisão do presidente. Ele resolveu descer da sacada, imediatamente, o que é normal, foi cercado e bastante cumprimentado. Após, partiu em direção, segundo se explicou, para dialogar franca e abertamente, com os estudantes. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p. 2-5)
O JSC dois dias depois da Novembrada publica uma matéria dizendo que para o palácio do planalto a manifestação já estava encerrada, declaração do assessor de imprensa do Palácio, Marcos Kramer. A declaração era na tentativa de minimizar o episódio, e o jornal acabava por ajudar.

Considerações finais
A imprensa foi por muito tempo a única fonte na pesquisa sobre a Novembrada, porém, como colocam Cruz e Peixoto (2007), é importante analisar a ideologia da objetividade e da neutralidade da imprensa, pois como é construída historicamente, deve ser confrontada em ser ou não um dado de realidade. No entanto, sabe-se que a “verdade” nas matérias dos periódicos, é somente as suas múltiplas formas de abordagem do assunto.  Desta forma, através da análise apresentada neste texto, é notável uma contrariedade ao processo de redemocratização que havia em 1979, pois os jornais não davam espaço para a oposição, com exceção do OE que procurou neutralidade. Investigar a Novembrada tendo como fonte a imprensa nos mostra a mesma não comprometida com a imparcialidade, mas, sim com os interesses políticos.
Referências
CRUZ, Heloisa da Faria; PEIXOTO, Maria R. C.. Na oficina do historiador: Conversas sobre historia e imprensa. In. Projeto História, São Paulo, nº 35, p.1 – 413, dezembro, 2007.
DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In PINSKY, Carla Bassanezi.(Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
MIGUEL, Luis Felipe. Revolta em Florianópolis:A novembrada de 1979. Florianópolis: Insular, 1995.
PEREIRA, Moacir. Novembrada – Um relato da revolta popular/ Florianopolis: insular, 2 ed. 2005.
SARTORI, Juliana. A novembrada nas entrelinhas da imprensa catarinense. Revista História, Santa Catarina, Ano II- numero 9, p. 44 – 47, nov/dez 2008.
SROUR, Robert Henry.  A política dos anos 70 no Brasil: a lição de Florianópolis. São Paulo: Econômica Editorial, 1982.
ARQUIVOS
Jornal A Noticia, de novembro de 1998.
Jornal de Santa Catarina, 1 de dezembro de 1979.
Jornal de Santa Catarina, 2 e 3 de dezembro de 1979.
Jornal O Estado, 4 de dezembro de 1979.
Jornal O Estado, 6 de dezembro de 1979.


2 comentários:

  1. Olá Paola,
    Tudo Bem?

    Minha pergunta vai em dois sentidos.
    O Primeiro: Qual seria sua opinião a respeito da aproximação dos Historiadores com o Campo do Jornalismo e da Comunicação para o estudo de Jornais e veículos midiáticos? Pois me parece ser uma tendência, que eu não sigo em minhas pesquisas, de afastar as pesquisas em história destes campos o que acaba por deixar meio superficial e repetitiva algumas pesquisas...
    Segunda: No mesmo sentido, você conseguiria, por exemplo, pensar seu trabalho com matérias a partir das categorias de Espaço de Experiência e Horizonte de Expectativa por exemplo? Pensando que o jornal é um modo de estudo de temporalidades e que o mesmo interfere nas visões e representações de mundo dos sujeitos?

    Atenciosamente,
    Igor Lemos Moreira

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.