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Matheus Cruz; Michele Rotta

LUGARES DE MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE MARCOS TESTEMUNHAIS DE OUTRA ÉPOCA
Matheus M. Cruz
Mr. Michele Rotta Telles
UEPG

Pierre Nora (1993) nos afirma que museus, objetos, documentos e construções são exemplos de marcos testemunhais de outras épocas, ou seja, são testemunhas que nos contam sobre um passado, vivido por nós ou não. Assim, lugares de memória (NORA, 1993) são marcos testemunhais responsáveis por lembrar-nos do passado que forma a identidade de uma localidade.
Entretanto, o mero armazenamento de memórias sem comunicação e circulação do conteúdo das mesmas pode ser compreendido pelo conceito de memória-arquivo (NORA, 1993), uma vez que o esforço de guarda ocorre pelo medo de esquecer em detrimento da referência à memória de sujeitos e lugares.
Portanto, o objeto central do presente texto é a problematização teórica e metodológica sobre lugares de memória elaborada para pesquisa histórica com fins de aplicação como oficina didática com alunos do Ensino Médio. A produção culminou em um Caderno-Roteiro sobre a Estação Paraná e o Museu Campos Gerais como lugares de memória da cidade de Ponta Grossa, explorando a metodologia do Estudo do Meio em sua potencialidade de propiciar ao educando construção de conhecimento e leitura contextualizada da história e das relações sociais. Desta maneira, tomamos a história local como palco para a metodologia adotada, valorizando-a não apenas pela conexão imediata de proximidade que pode suscitar, mas pela necessidade de articular processos locais e particulares com aqueles de alcance geral e coletivo.

Lugares de Memória: Estação Paraná e Museu Campos Gerais
Pierre Nora (1993) entende que lugares de memória são locais reservados à rememoração. Para tanto, é preciso primeiramente identificação do sujeito com o lugar visitado no presente (PINTO, 2013, p. 91). A necessidade da identificação com o sujeito se faz plausível devido a não espontaneidade da memória (NORA, 1993, p. 13).
Por sua vez, evocações ao passado fixam traços na identidade da própria cidade, e podem materializar-se em lugares de memória. Pollak (1992, p. 5) confirma o fortalecimento das características e idiossincrasias formadoras do que o próprio município é, e aquilo que seus moradores fazem com que ele seja, por meio do terreno fértil dos lugares de memória.
A Estação Paraná, hoje Casa da Memória, foi inaugurada oficialmente em 1894, marcando a inserção de Ponta Grossa como importante cidade no contexto paranaense da virada do século. A chegada da ferrovia, que visava ligar Curitiba ao Porto de Paranaguá, dá o start para o desenvolvimento urbano da cidade de Ponta Grossa, mudando “rápida e radicalmente o panorama do local” (CHAVES, 2011, p. 18). Há ainda uma grande relação com o entendimento do que passou a ser pontagrossense, pois se desenvolveu uma grande ligação com noções que dizem respeito aos conceitos de “urbanidade, modernidade, progresso e civilização” (CHAVES, 2011, p. 19).
Já o Museu Campos Gerais foi inaugurado em 28 de março de 1983, e desde então integra a estrutura da UEPG. Na mesma data, o jornal Diário dos Campos ressaltou que o Museu é uma das expressões da “filosofia da instituição, que é a de fomentar a difusão dos fatos culturais à coletividade”. Entretanto, o evento de inauguração contou apenas com “expressivas presenças do mundo cultural, social e político da cidade”, não havendo menção a uma coletividade mais ampla e diversificada.
Em fevereiro de 2003 o Museu restringiu visitações pelas más condições do prédio, o qual havia sido sede do Fórum. Em outubro do mesmo ano a instituição se mudou para um prédio provisório, onde permanece até hoje, sem as adequadas condições para abrigar um museu.

Musealização
Huyssen (2000) trata sobre a musealização na sociedade pós-moderna, em tempos que as inovações são apresentadas e alteradas rapidamente. Nesse contexto, por vezes tentamos guardar o máximo possível, na ânsia de sobrevivermos às mudanças.
 Refletir sobre tal movimento ganha vulto ao considerarmos a Estação Paraná e o Museu Campos Gerais, uma vez que são lugares responsáveis por guardar acervos e memórias da cidade. Enquanto a primeira não têm no prédio identificação alguma sobre sua importância histórica, o segundo não tem espaço para organizar exposições, nem mesmo para uma reserva técnica viável.
Impõem-se então questionamentos sobre o suporte estrutural, financeiro, de recursos humanos e políticas públicas que deveriam existir e funcionar para fins de guarda e comunicação da memória da cidade nos referidos espaços.
Ademais, ao olharmos para fontes históricas que são ou podem ser objetos de guarda nos referidos espaços, podemos pensar o conceito de memória-arquivo de Nora (1993, p. 15), que se refere a: “constituição gigantesca e vertiginosa de estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de lembrar”. Do que decorre a crítica de Huyssen Huyssen (2000) à musealização da sociedade, como processo de luta para não esquecer de nada. Portanto, é possível ponderar também se os lugares de memória que temos comunicam um passado, ou são apenas lugares separados para a guarda de memória.
Notamos que Ponta Grossa segue tirando do seu olhar traços do passado, mas acumulando em seu HD – apelidado de Casa da Memória e Museu Campos Gerais – arquivos-objetos para evitar o esquecimento. O cotidiano corrido e ocupado na busca de progredir não permite lembrar. Segue a ânsia de não esquecer, esquecendo-se.

História Local e Estudo do Meio
O ensino de História que utiliza fontes históricas, inclusive do próprio local em que se vive, amplia a percepção de que a história é cotidiana, escrita e construída em lugares e por pessoas como quaisquer outras, e não por entidades superiores à humanidade do próprio educando.
Quando se ensina que a história é escrita a partir das perguntas que elaboramos, as quais procuramos responder por meio de fontes históricas, também oportunizamos ao educando a condição de sujeito da construção do conhecimento. Paulo Freire (2002, p. 25) afirma: "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção".
Por sua vez, a história local oferece a oportunidade dos estudantes perceberem de modo mais conexo que “aprender História é ler e compreender o mundo em que vivemos e, no qual outros seres humanos viveram” (GUIMARÃES; SILVA, 2010, p. 24).
Ao relacionarmos ensino de História e lugares de memória refletimos sobre a guarda e comunicação didatizada de memórias em seu potencial de formação histórica, servindo para maior compreensão sobre o passado, e possibilitando ler o mundo pela perspectiva do cotidiano e atuação como sujeitos.
Para valorizarmos tais confluências, recorremos metodologicamente ao Estudo do Meio, baseado na construção do conhecimento dentro de determinado espaço, aproximando-se da atividade de pesquisa científica que envolve o aluno diretamente com as fontes documentais (MELLO, 2013, p. 14-15).

Roteiro
O Caderno-Roteiro instrumentaliza uma oficina didática para o Ensino Médio, reunindo documentos e atividades correlatas à interação com e nos lugares de memória citados. O pano de fundo é a (des)valorização dos lugares, (re)conhecimento das pessoas em relação aos locais, e importância que possuem na (re)construção da identidade da própria cidade.
Abordamos a Estação Paraná como antiga estação e não como Casa da Memória, focando na falta de informações públicas sobre sua história. Sobre o Museu Campos Gerais refletimos sobre a adequação das instalações para abrigo do mesmo, e o significado do tratamento despendido ao Museu no contexto de preservação, guarda e comunicação de memórias da cidade.
Problematizamos assim as funções que os lugares de memóriada cidade têm cumprido, bem como quais narrativas sobre os mesmos são (re)conhecidas pelos estudantes. Durante as visitas e no encerramento propõe-se incentivar aos estudantes que pensem o papel do Museu e dos lugares de memória dentro da sociedade, e inclusive para cada um. O Caderno-Roteiro está disponível, na sua versão integral, no link a seguir: http://matheusmcruz.blogspot.com.br/p/lugares-de-memoria-e-de-guarda-de.html

Referências

CHAVES, N. Botequins da belle époque ponta-grossense:Lazer e sociabilidade no interior paranaense do século XX. [S.l.]: Estúdio Texto, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 24ª. ed. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 2002.
HUYSSEN, A. Passados Presentes: Mídia, Política, Amnésia. In: _________Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p. 9-40.
MELLO, P. Sistemática para avaliação institucional e educacional do Sistema Municipal de Ensino de São José dos Campos – SP. Secretaria Municipal de Educação de São José dos Campos e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. São José dos Campos - SP. 2013.
NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Proj. História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993.
PINTO, S. Museu e Arquivo como lugares de memória. Museologia & Interdisciplinaridade, v. 2, n. 3, p. 89-102, 2013.
POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
SILVA, M.; FONSECA, S. Ensino de História Hoje: Errâncias, Conquistas e Perdas. Revista Brasileira de História, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.


5 comentários:

  1. Olá, boa tarde!
    Como foi a recepção dos estudantes, eles demonstraram ter conhecimentos prévios sobre os locais visitados?
    Em algum momento, a memória do Tropeirismo veio a tona?
    Obrigada
    Att,
    Simone Koniski Guimarães

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    1. Olá, boa tarde.

      Ainda não foi aplicado esse roteiro por alguns contratempos, o material é fruto de um esforço teórico e metodológico.

      Grato pelos questionamentos

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  2. Marcos Vinicius R. Lopes7 de abril de 2017 às 05:17

    Olá, Matheus!

    No terceiro parágrafo do texto você diz que aborda "a história local como palco para a metodologia adotada" Dito isto, minha questão é a seguinte: de que maneira você utilizou os locais escolhidos para o caderno-roteiro para pensar a história de Ponta Grossa?
    Marcos Vinicius R. Lopes

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    1. Olá! Primeiramente, obrigado pela questão.

      Colocamos o roteiro como problema para se pensar a relação de Ponta Grossa com a sua própria memória, o que acaba por tocar na questão de como a cidade se enxerga passando pela ideia de progresso.

      Em segundo lugar, trabalhar a Estação Paraná permitiu a compreensão do processo que levou a inauguração e a importância desta para o desenvolvimento econômico da cidade. Sendo possível relacionar a construção de discursos em torno deste prédio e a, como referida acima, identidade do que é ser "pontagrossense".

      Por fim, a reflexão feita com o museu está mais firmada na importância dada a memória como traço desta identidade já referida. Mas também colabora para compreender a mudança do centro dinâmico da cidade de localidade e como há um processo de esquecimento do que seria o Centro Histórico da cidade.

      Espero ter contribuído e respondido à questão.

      Mais uma vez, obrigado.

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  3. Olá Matheus e Michelle,

    Importante abordar o tema de locais de memória em nossa cidade. E igualmente importante também é destacar o descaso com muitos prédios históricos na cidade e a influência nociva que a especulação imobiliária tem sobre estes imóveis. Hoje vemos diversos prédios históricos deliberadamente demolidos para a construção de prédios e mesmo estacionamentos. Como vocês vêem a total ausência de incentivos governamentais para a preservação desses locais de memória como forma de deter o inevitável avanço dos tratores sobre o centro histórico de Ponta Grossa?
    Natalirio Cleto Cardoso Junior

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