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Marlon Barcelos

POR UMA ARQUEOLOGIA PRÉ-COLOMBIANA EM SALA DE AULA
Marlon Barcelos Ferreira
Mnt. PPGHS-UERJ

O presente trabalho é uma pequena reflexão sobre as contribuições que a ciência arqueológica tem introduzido no conhecimento histórico e sua relação com o conteúdo sobre a história americana presente nos livros didáticos destinados aos alunos e professores do Ensino Médio. Analisando como o conhecimento socialmente produzido no ambiente acadêmico é abordado pelos livros didáticos (Bittencourt, 2005, p.72) destinados aos alunos do ensino médio da rede pública.
Não se pretende neste breve artigo salientar a importância do livro didático, mas apenas analisar brevemente o conteúdo nele trabalhado sobre a pré-história americana e mostrando que em muitos casos é o único texto disponível na formação dos estudantes e também dos professores (FERNANDES; MORAES, 2005, p. 143-144).  
Para dar conta deste objetivo, tomei como referencia os textos presentes nos livros didáticos de história do Ensino Médio e distribuídos aos alunos através do Plano Nacional do Livro Didático (PNDL) do Governo Federal de 2015. 

A Arqueologia e a História: Uma convergência?  
Durante muito tempo a história americana do período pré-histórico ficou restrita ao ambiente acadêmico dos arqueólogos e antropólogos, deixando à ciência histórica a tarefa de estudar o período colonial na qual se tem escritos diversos produzidos pelos colonizadores.
Nas ultimas décadas diante das mudanças que a historiografia sofreu ao longo do século XX, a história ganhou novos objetos, métodos e abordagens, alargando o sentido do documento para as situações em que não há registros escritos. 
Para dar conta desse novo universo de pesquisa ao qual a história se lançou em detrimento de uma história meramente política, os historiadores ampliaram a noção de documento histórico. (LE GOFF, 1993, p.28). Assim, através de uma metodologia específica e dialogando com a arqueologia, o historiador busca também entender este período através da análise da cultura material dessas populações que povoaram a América antes da conquista europeia.
Apesar de todos os avanços na história com a incorporação e o uso de fontes diversas, os historiadores brasileiros têm dedicado pouca atenção a esta período da história americana. Segundo o historiador Pedro Paulo Funari (2016), a inexistência da cadeira de pré-história nos cursos de história tem afetado a formação dos nossos professores e o que acaba levando a carência de trabalhos acadêmicos sobre esses povos pré-contato que aqui habitaram.
Assim, como também salienta a professora Marisa Lajolo (1996, p.4), o livro didático no Brasil assume uma grande importância dentro da prática de ensino dos professores, pois os livros didáticos são muitas das vezes o único recurso que o professor possui para não apenas para preparar e desenvolver sua aula, mas também para estudar o conteúdo e suprir lacunas na sua formação acadêmica. Desta maneira, o papel do livro didático é ampliado e ele  “acaba determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina”. (LAJOLO, 1996, p.4).
Também ressaltamos que os livros didáticos acabam assumindo um papel muito importante, pois segundo a Professora Circe Bittencourt (2005, p.72) o livro didático transpõe a produção realizada na academia pelos pesquisadores para o ambiente escolar (professores e alunos) no processo de sua elaboração e consumo posterior.
Por esse motivo surgiu à preocupação de fazer uma análise de como esse instrumento de ensino-aprendizagem vem transpondo os trabalhos acadêmicos e historiográficos sobre o tema para sala de aula e assim servindo de material de estudo dos alunos e também de muitos professores que veem nele o único meio de se aprofundar sobre determinados temas que não foram trabalhados na Universidade como o da pré-história americana.

Os Livros Didáticos e a Pré-História Americana
Para realizar uma pequena análise de como a Pré-História da América está sendo trabalhado nos livros didáticos, foram escolhidos três coleções de história do ensino médio destinadas aos alunos da rede pública disponíveis pelo Programa Nacional do Livro Didático do Governo Federal para o triênio 2015-2017.  

Livro - Título
Autor (es)
Editora
História
Georgina dos Santos, Jorge Ferreira. Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria
Saraiva
História em Movimento
Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi
Ática
História Geral e do Brasil
Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo
 Scipione
QUADRO 1: Títulos de História PNLD 2015
A historiografia ainda em sua maior parte usa a divisão clássica entre pré-história e história. No caso do continente Americano, a divisão usual pela historiografia é do período histórico sendo o período posterior à chegada dos europeus e a pré-história sendo o momento anterior aos europeus (FUNARI; NOELI, 2005, p.14). Nos livros citados, a história dos povos americanos aparece apenas em dois momentos com relevância e destaque.
 No primeiro momento, quando falam sobre a expansão do homem pelo planeta e tratam do povoamento da América, percebemos que os três livros destinam poucas linhas a este momento e no geral reproduzem a teoria mais aceita que é a Teoria Clóvis (FUNARI; NOELI, 2005, p.34-35). No máximo fazem referência a outras teorias e datações como discordâncias entre os arqueólogos. Na verdade, este é um dos mais acalentados debates dentro da arqueologia americana atualmente, com diversas datações e teorias em luta. Mereceria um destaque maior diante das várias teorias e implicações, como no caso do Brasil, onde temos o caso do crânio denominado de Luzia, sendo um caso especial de um não mongoloide ocupando a região sul da América e com datação bem recuada perante a teoria Clóvis (FUNARI; NOELI, 2005, p.34-35).
Num segundo momento, nos três livros selecionados, os povos ameríndios aparecem somente no momento da expansão marítima europeia. Como se a história desses povos começasse naquele momento, reforçando a ideia de que a América é um produto europeu (KOLING, 2008, p.3). Dentro desta visão, ressaltamos que no livro História dos autores Georgina dos Santos, Jorge Ferreira, Ronaldo Vainfas e Sheila de Castro Faria, a parte destinada aos Astecas e Incas aparecem em um subcapítulo cujo título é “Os Império que os Espanhóis encontraram” (FARIA; FERREIRA; VAINFAS; SANTOS, 2010, p.220).
Da mesma forma, reforçando essa visão eurocêntrica da história da América, a separação dos povos nativos da América nos livros didáticos se dá por regiões dominadas pelos países europeus, sendo um capítulo para os povos das regiões espanholas e um outro para os nativos da porção da América dos portugueses. Numa demonstração de que “A história era e, em certo sentido continua sendo, a história da civilização europeia (ou ocidental), não indígena” (FUNARI; NOELI, 2005, p.14).
Por fim, ressaltamos que a maneira como esses povos aparecem nos livros dão a entender que com a chegada dos europeus essas populações desapareceram. Afinal, os diferentes povos ameríndios mesmo com a dominação e conquista ainda continuaram a resistir e muitas dessas populações ainda lutam para manter sua cultura nos dias atuais.
Por isso, o professor ao lidar com o livro didático deve entender que a construção do livro passa pela sociedade e governo na qual está inserido. Assim, os livros não simplesmente reproduzem as pesquisas acadêmicas da arqueologia ou da história, pois também transmitem a visão do governo e da sociedade na qual ele está inserido (BITTENCOURT, 2008, p.78).

Considerações finais
Assim verificamos a necessidade de um diálogo maior entre aqueles que produzem a ciência, seja arqueológica ou histórica e os que produzem os livros didáticos para que se possa dispor de um material de qualidade e que seja capaz de contextualizar os mais variados aspectos da história americana. Desta forma, o aluno e o professor terão um material de apoio adequado e baseado em pesquisas sérias, que os ajude a deixar de reproduzir ideias, lendas e conceitos errados sobre as populações nativas da América.
Pois, como salientam as pesquisadoras Isabel Rodrigues e Marcia Marinoci (2003, p.7) talvez o problema mais sério não esteja na simplificação ou generalização dos livros didáticos, mas na ausência da própria historiografia brasileira, que não possui uma produção sistemática nessa área.
                         
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, G. e SERIACOPI, R. História em Movimento. São Paulo: Ática, 2014.
BITTENCOURT, Circe. Livros Didáticos Entre Textos e Imagens. In: BITTENCOURT, Circ. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Editora Contexto. 2005.p 69-90.
DORIGO, G. e VICENTINO, C. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2014.
FARIA, Sheila, FERREIRA, J.; SANTOS, G. ; VAINFAS, R.. Historia. São Paulo: Saraiva, 2010.
FERNANDES, Luis Estevan; MORAIS, Marcus Vinícius de. “História da América: renovação da História da América” In: KARNAL, Leandro (org.). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed, São Paulo: Contexto, 2005. p. 143-162
FUNARI, P. P.; NOELLI, F. S. Pré-História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.
.LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília: n. 69, v. 16, jan./mar. 1996.
LE GOFF, Jacques. A História Nova.  São Paulo: Martins Fontes, 1993.

RODRIGUES, I. C.; MARINOCI, M. C. A Pré-história do Brasil nos livros de História para 5ª a 8ª séries do ensino fundamental. Anais do VI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História: Londrina, 2003. 

5 comentários:

  1. Marlon, li seu texto e começo dizendo que não concordo com o termo "pre-colombiano" no título e ao longo do texto que precisamos problematizar para podermos avançar na discussão tanto arqueológica como histórica. para tal sugiro o seguinte texto que considero de leitura obrigatória para meus alunos da graduação em História: SEDA, Paulo. Sociedades “Sem História” - Antiga da América. In: LEMOS, Maria Teresa Toríbio Brittes; DANTAS, Alexis T. (Org.). América: visões e versões. Identidades em confronto. Rio de Janeiro: 7Letras, 2010, p. 104-124. Sobre a produção sistemática na área já temos boas produções acessíveis na internet e impressas que trazem boas reflexões articulando pesquisas das áreas da arqueologia, biologia, geografia, agronomia, física, química e história com isso afirmo que a interdisciplinaridade tem contribuído para olharmos a História do Brasil e da América, por exemplo, buscando compreender a presença e atuação humana na natureza para além de objetos fora do contexto.
    O que ainda falta é que tais pesquisas cheguem em tem hábil no ensino básico seja via livro didático, seja via pesquisa incentivada pelos professores de história.

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    1. Olá, Acabei me utilizando do termo comum em livros didáticos, mas realmente deveria ter evitado o termo pre colombiano e que traz uma enorme carga etnocêntrica. Agora, a internet realmente tem nos últimos anos facilitado bastante a vida dos professores com muito material sobre o tema, mas realmente é necessário um acesso fácil para os professores desses materiais diversos sobres essas populações. Obrigado pela contribuição. Marlon Barcelos Ferreira

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  2. Pâmela Keiti Baena6 de abril de 2017 às 17:07

    Olá, Marlon!
    Parabéns pelo texto.
    Muitos cursos de graduação ainda são deficitários na introdução da historiografia sobre os povos americanos, apesar de haver uma gama de produções recentes muito maior atualmente, como mencionou o comentário acima.
    Você comenta que, em muitas vezes, o livro didático é o único - ou um dos poucos - texto sobre o assunto a que os professores têm acesso para prepara suas aulas. Quais podem ser os motivos para que muitos professores se restrinjam ao livro didático?

    PÂMELA KEITI BAENA

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    1. Boa noite Pâmela,

      Acredito que um conjunto de fatores, entre eles o fato do professor ter que dar aula em trezentas escolas com sala cheias e sem tempo muita das vezes acaba indo para o caminho mais fácil, reproduzir o livro. Da mesma forma a precariedade de muitas escolas que acabam fazendo com o que o único material diverso (além quadro e giz) seja o livro. Por fim, muitos se formaram a tempo e estão afastados da universidade por motivos diversos (distância, falta de net em casa, etc.) e o livro acaba sendo o material para ele estudar e refletir. Assim, são diversos motivos que levam a muitos professores a terem o livro como companheiro de sala de aula.

      Marlon Barcelos Ferreira

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  3. Boa noite Pâmela,

    Acredito que um conjunto de fatores, entre eles o fato do professor ter que dar aula em trezentas escolas com sala cheias e sem tempo muita das vezes acaba indo para o caminho mais fácil, reproduzir o livro. Da mesma forma a precariedade de muitas escolas que acabam fazendo com o que o único material diverso (além quadro e giz) seja o livro. Por fim, muitos se formaram a tempo e estão afastados da universidade por motivos diversos (distância, falta de net em casa, etc.) e o livro acaba sendo o material para ele estudar e refletir. Assim, são diversos motivos que levam a muitos professores a terem o livro como companheiro de sala de aula.

    Marlon Barcelos Ferreira

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