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Mário Sérgio Pereira

HISTÓRIA TEMÁTICA: APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO

Mário Sérgio Pereira de Olivindo

Um das questões que têm sido levantadas por parte de muitos professores que lecionam História nas séries iniciais é a dificuldade com que os alunos têm em aprender a história. A crítica desses professores muitas vezes se dá em virtude da organização cronológica dos acontecimentos, do exíguo tempo reservado à aula e das dificuldades com que os alunos naquela fase escolarização têm em operar com o passado distante por se encontrarem ainda no período cognitivo da fase pré-operatória.
A queixa é recorrente e revela o incômodo de muitos professores com a presença nos conteúdos escolares de um antigo paradigma hegemônico do século XIX  e ainda não superado nesse início de século. Esse paradigma chamado discurso histórico universalista que nos conteúdos da disciplina assume o formato eurocêntrico da divisão quadripartite da História (Idade Antiga, Média, Moderna, Contemporânea) ao orientar os estudos numa perspectiva linear de tempo e reforçar os marcos históricos tradicionais, desconsidera, segundo esses docentes, a história de vida dos alunos e o repertório que eles carregam, dificultando o processo de ensino e aprendizagem.
Ao tecerem essas críticas, muitos desses professores, vão em busca de metodologias e abordagens alternativas (levam para a sala de aula jornais, revistas, fotografias e outros documentos), procurando ganhar a atenção de seus alunos e assim tornar a aprendizagem significativa. Ao fazerem isso, operam com os critérios de seleção, inclusão e exclusão de assuntos e temas, próprios do trabalho com a História Temática. Contudo, muitas vezes, essa palavra pouca coisa diz a esses professionais do Ensino Básico que só a conhecem  no seu “saber-fazer”, mesmo quando as orientações para um trabalho com eixos temáticos aparecem no manual do professor, objeto que  muitas vezes não faz parte do  cotidiano dos docentes. Assim, por mais que as intensões sejam plausíveis, o desconhecimento do caminho trilhado pela História Temática compromete a “práxis do ensino”, à medida que ao desconsiderar a  historicidade dessa proposta, impede que  professores tenham acesso aos debates que se constituíram e constituem em torno dela. Por considerar que revisitar a história dessa abordagem é importante para conhecer os limites e possibilidades que envolvem o trabalho com eixos temáticos é que resolvi tecer essas considerações.
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A História Temática não tem uma gênese se tomarmos as observações de Michel de Certeau para a escrita da história, segundo a qual a História está circunscrita a um lugar que permite e que proíbe(CERTEAU,1982,p.77). Nesse sentido, toda História é uma história temática. Contudo, a formulação de uma concepção como proposta que se organiza em torno de temas geradores é específica a um momento histórico. Está associada às transformações mais amplas registradas no ensino, sobretudo, nas décadas de 60,70 e 80, marcadas pela renovação da historiografia e mudanças epistemológicas na educação.
O movimento da “História Nova”, que questionava a concepção estrutural do tempo, segundo a qual privilegiava a história econômica em detrimento da história do cotidiano, a universalização do ensino básico e as novas teorizações sobre o ensino fertilizadas pela renovação da sociologia do currículo, preparam o campo para a implementação da metodologia, que integrava um leque mais amplo de conquistas no Ensino de História, marcada pela absorção dos resultados da expansão da História na busca por novos problemas, objetos e abordagens. 
A possibilidade de se discutir a história de diferentes sujeitos, em diferentes tempos e em diferentes escalas micro e macro-históricas, apontaram como inadequado o tradicional modelo cronológico e factual por meio do qual os conteúdos da disciplina se organizavam.
Para muitos de seus críticos  a História que se ensinava tinha como fundamento teórico a historiografia tradicional positivista, eurocêntrica e linear, que seguindo o modelo quatripartite da história( Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea), cristalizava os fatos da política institucional e reforçava a ideia de progresso como algo global, positivo e inevitável. Assim, ao enfatizar o início, meio e fim  já determinados para a História, não  abria  brechas para as contingências e descontinuidades. 
Do ponto de vista geopolítico essa organização dos conteúdos curriculares da História também era criticada pela relevância dos marcos da cultura europeia sobre os países “subdesenvolvidos”, evidenciando a “permanência do domínio imperialista europeu sobre esses povos.
Uma das críticas mais contundentes a esse modelo tradicional e eurocêntrico vinha do francês e historiador  Jean Chesneuaux (1977) no seu livro “Devemos fazer tábua rasa do passado?”. Para este historiador a História que se aprendia era a do europeu, que organizada segundo a visão eurocêntrica, desprezava deliberadamente os demais processos históricos e culturas de outros povos que não atendiam ao projeto ideológico de  progresso e civilização.
No plano do ensino e aprendizagem, a história positivista, factual e eurocêntrica reforçava o método tradicional no ensino de História pautado na memorização, uma vez que ao enfatizar a retenção dos conteúdos históricos para exames e arguições, excluía qualquer espaço para uma atividade mais elaborada do pensamento, reforçando a concepção auto-excludente do aluno, que não se reconhecia como sujeito da História. Essa abordagem, foi apontada como inadequada tanto pelas teorias educacionais que destacavam os conhecimentos preliminares dos alunos como necessários a uma aprendizagem significativa, quanto pelo cenário competitivo do mundo capitalista, que passava a exigir indivíduos com maior capacidade interpretativa e interventiva da realidade.
No Brasil, o trabalho com a História Temática segundo Selva Guimarães Fonseca     (1993), Elza Nadai(1993), Circe Bittencourt(2004) e Maria Auxiliadora Schmidt(2012), surge nas décadas de 70 e 80, através de experiências exitosas em escolas, alçadas à condição de propostas educacionais municipais e depois estaduais  em plena intervenção militar e controle curricular dos conteúdos escolares.
A defesa por ensino temático em História no país partia da constatação do “acriticismo” verificado entre os alunos e de que na realidade brasileira não era mais possível estudar uma História com base nos marcos do poder e da dominação. Isto porque “os postulados dos programas de ensino de acordo com os princípios da política educacional dos anos 70 já estavam, para muitos superados ou eram inadmissíveis teórica e politicamente” (FONSECA,1993,p.86).
Criticando o modelo tradicional de ensino em que o Ensino de História se organizava, professores de diferentes regiões do Brasil buscaram no interior do próprio ofício, experimentar novos métodos que pudessem tornar a aprendizagem significativa,e contornar a falta de material didático. Essa crítica também partia de universidades e da Anpuh.  Foi dessa forma que o trabalho com a História Temática se registrou no Brasil.
Uma das produções que pode ser considerada um marco para a discussão do tema a nível nacional foi a publicação de uma coletânea de textos organizada por Marcos Silva e patrocinada pela Anpuh, intitulada “Repesando a História” (1984) que reunia as experiências de diversos professores e universidades com o ensino temático, A coleção buscava através da publicidade de diversas experiências levar a discussão sobre a proposta à ordem do dia.
Outra produção que ascendeu o tema para o debate nacional foi o livro “O ensino de História – Revisão urgente”  de Conceição Cabrini (1987), que defendia a produção do conhecimento histórico nas escolas de primeiro grau. Sintetizando uma experiência na 5ª série do curso noturno, o livro ressaltava a importância dos conhecimentos prévios dos  alunos para a apreensão do conhecimento histórico escolar. Para a autora seria a partir da história de vida do aluno e dos seus saberes que o professor poderia levá-los a compreender que “a História estuda as ações dos homens, procurando explicar as relações entre os seus diferentes grupos. (E que) essas relações estão em permanente movimento, são essencialmente dinâmicas e contraditórias.” (CABRINI, 1987, p.33).
Dois Estados pioneiros a incorporar a História Temática no currículo de História, por meio da revisão na legislação educacional, segundo Selva Guimarães Fonseca (1993,p.86-87), foram os Estado de São Paulo em 1983 e Minas Gerais a partir de 1983 e 1984. No caso de São Paulo o processo se inicia a partir do um encontro que reúne professores da rede oficial, representantes das Associações Científicas e Culturais, entidades representativas do Magistério, das Universidades e órgãos centrais da Secretaria Municipal para discutir o novo espaço curricular das Ciências Humanas, em especial o restabelecimento nas 5ª e 6ª  séries da História e Geografia.  No caso de Minas Gerais, ganha força a partir da realização do Congresso Mineiro de Educação em 1983.
Atualmente, a história temática esta presente na organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs e constitui uma das metodologias mais utilizadas em sala. Para os seus defensores, esse tipo de história está mais próximo da pesquisa e se aproxima da realidade do discente, à medida que possibilita que o professor selecione um tema ou assunto pertinente ao ensino e vida dos alunos. Contudo, críticas também tem recaído sobre ela como a pulverização e “presentificação” do tema, decorrentes da dificuldade em abordá-lo em suas várias dimensões históricas, o que Ariès citado por Fonseca(1993)  já chamava atenção ao perceber que sem um conhecimento elementar do tempo cronológico por parte dos alunos, os assuntos e temas se esvaziam.
Em fim,  no momento em que a História ganha as ruas e não está somente na sala de aula e nos livros didáticos, a história temática constitui uma importante proposta para as aulas de história, pois possibilita problematizar as experiências vividas  a partir da realidade dos alunos. O desafio está no cuidado de contextualizar assuntos e temas nas suas várias dimensões históricas.

Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. Brasília: MEC/SEF, 2001.
CABRINI, Conceição. O Ensino de História – Revisão Urgente. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CHERVEL, André.  Histórias das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Revista Histoire de L’education. nº38, Paris, maio de 1988.
FENELON, Déa Ribeiro. A formação do professor de História e a realidade do ensino. Tempos Históricos. Vol.12, p.23-35, 2008.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. 11ª ed. São Paulo: Papirus, 1993.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. São Paulo: Papirus, 2003.
NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 13, p143-162, 1993.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do ensino de história no Brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação-RHE, vol.16, nº 37, p.73-91,2012.

SILVA, Marcos A. Repensando a História. Associação Nacional dos Professores Universitários de História. 1984.

4 comentários:

  1. Gostaria de saber qual sua sugestão em como trabalhar a História Temática com alunos que são extremamente enraizados na cronologia. Como fazer um elo, de forma que eles entendam? Algum conselho? Obrigado!

    Angêlica Rita de Araújo

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  2. Olá Mário Sergio Pereira. Primeiramente parabéns pelo texto e pela abordagem. Sou professor de História e faz um tempo que trabalhei com uma coleção didática (MEC) que era Temática. A experiência foi muito bacana e, a meu ver, proveitosa. Porém, alguns pais reportaram dificuldades, diria resistência, frente a proposta. Pergunto: você teria alguma sugestão de como poderíamos trabalhar as diferentes temporalidades presentes numa abordagem temática, demonstrar que um tema está presente em tempos distintos e sociedades diferentes, quebrando a noção da história cronológica e linear, com estudantes das séries finais da Educação Básica? Desde já agradeço pela atenção e desejo-lhe um bom evento.

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  3. NA SUA EXPERIÊNCIA ENQUANTO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA QUAIS AS PRINCIPAIS DIFICULDADES EM TRABALHAR COM A HISTÓRIA TEMÁTICA? QUE CAMINHOS VOCÊ APONTA COMO POSSÍVEIS MEIOS PARA SUPERÁ-LAS?

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  4. NO ENSINO DE HISTÓRIA NA PERSPECTIVA TEMÁTICA, QUAL O LUGAR DA HISTÓRIA "LOCAL"? COMO CONTEMPLAR AS HISTÓRIAS "LOCAIS", NACIONAIS E GLOBAIS?

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