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Marciane de Souza

ESPAÇOS URBANOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: EM BUSCA DAS SIGNIFICAÇÕES – UM OLHAR SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA NO CURSO TÉCNICO DO IFMT
Marciane de Souza
Prof. Mnt. IFMT

O aprendizado da história se faz em qualquer lugar, pois a memória não é estanque e nem fixa e não está só em livros ou museus, ela está nestes lugares, mas em muitos outros, se constrói dentro de contextos sociais que atribuem valor diferenciado a determinados lugares ou manifestações. Este texto tem por objetivo discutir possibilidades teórico-metodológicas sobre a utilização de espaços urbanos, se utilizando como maior referência o local de moradia dos alunos, para o desenvolvimento da educação patrimonial e como instrumento didático nas práticas de ensino de história.
O ensino de história trata de elementos do passado, cronologicamente em um tempo histórico distante do aluno, realizar um processo de interligação entre as histórias deles com a história dos livros se torna primordial para o entendimento do papel que exercem, eles alunos, como agentes históricos, atuantes na construção e reconstrução da memória local, conectando suas histórias de vida com os processos históricos relacionados ao seu lugar, as continuidades e rupturas.
A escolha por espaços urbanos ditos comuns, como praças, ruas, campos de futebol, igrejas, bairros, parques e até monumentos constituídos pelo Estado vem para agregar valor à construção da memória local feita pelos locais, tirando o viés da história e memória oficial e deixando fluir o que os próprios moradores delimitam como patrimônio material ou imaterial que os representa e quais memórias afetivas e pessoais se interligam com as memórias oficiais na construção de uma representação coletiva.
Busca-se através desta proposta teórico-metodológica contribuir para a construção de práticas pedagógicas, na perspectiva em que o ensino de história se interligue com a educação patrimonial, abarcando os espaços urbanos onde os alunos vivem, possibilitando assim, uma construção da representação e da memória local a partir do convívio com aquele espaço.
Para o ensino de história e da educação patrimonial utilizando-se de espaços urbanos faz-se necessário levantar conceitos relacionados a tais espaços e seus usos e qual sua importância como lugares de memória, conforme Pierre Nora (1993) que utiliza desta expressão para apontar espaços e temporalidades que são transformados por determinados grupos em lugares que marcam o tempo e a história daquele povo, que significam suas práticas e validam sua existência em uma memória coletiva com um passado comum, que produz identidade e torna o lugar parte do grupo e de sua história.
A construção dessa história comum a todos daquele lugar, daquele espaço passa a fazer parte e a pertencer àquela geração e às próximas, criando uma teia de um passado comum a todos. Ecléa Bosi ressalta: “[...] cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que são pontos de amarração de sua história” (1987, p. 199-200).
Busca-se através desta proposta teórico-metodológica contribuir para a construção de práticas pedagógicas para o ensino de história priorizando uma visão da experiência estética do grupo sobre os espaços urbanos que vivem através da produção de vídeos sobre estes locais, as pessoas que convivem e dividem estes espaços, buscando indícios da ligação da memória individual e coletiva com a memória construída nos livros.
Como forma prática de execução da atividade os alunos formaram grupos de interesse de objeto de análise, usando como elemento de coesão a região ou bairro que residiam. Em sala de aula foi estudado os conceitos de patrimônio material e imaterial, história e memória, objetivando situar os alunos sobre as formas de construção da memória e da história. Além desta etapa houve outro momento de apresentação de questionamentos para a organização e fundamentação da sequência de pesquisa, sendo elas: o que já sabemos sobre o espaço ou monumento que pesquisaremos; o que queremos saber a mais sobre; por que pesquisar sobre este espaço urbano; os objetivos que levam a questionar este espaço; as fontes analisadas e a forma de compartilhamento da pesquisa. Todas as etapas foram divididas por atividades com prazos preestabelecidos para cumprimento.
Como forma de compartilhamento e avaliação a criação de grupo em rede social, o Facebook, e através dele disponibilizamos materiais para auxílio das pesquisas e também para o compartilhamento das etapas cumpridas, assim todos os alunos possuíram mecanismos de análise do desenvolvimento do seu trabalho e também dos colegas, podendo melhorar e corrigir, além de inspirar os demais com ideias diferenciadas.
A culminância da atividade se deu com apresentação de vídeos, produzidos e editados pelos alunos contando sobre seu objeto de pesquisa que foram dos mais variados como praças, monumentos, bairro da periferia, uma lagoa de tratamento de água, um parque, lugares estes aos quais os estudantes e moradores atribuem valor histórico e consideram parte da construção da memória coletiva, atrelada a sua existência como indivíduo.
Os vídeos nos revelaram os muitos caminhos interpretativos quanto a problematização do patrimônio histórico e cultural e a construção de memórias que envolvem as regionalidades. Com isso, o bairro, a cidade, as feiras tornam-se elementos impulsionadores das narrativas das pessoas que vivem lá.
Utilizar as aulas de história para propor reflexões quanto ao lugar de sujeito histórico que os alunos possuem, utilizando-se do contexto histórico no qual estão inseridos contribui para uma melhor compreensão dos conceitos e conteúdos históricos mais abrangentes espacialmente.
Sendo assim, interligar as narrativas históricas dos alunos, os espaços que ocupam na cidade e como ligam suas memórias a estes espaços, traz para a sala de aula o debate e articula os saberes, dando sentido a aprendizagem histórica e resinificando o processo de construção do passado.

Referências Bibliográficas
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BOSI, Ecléa. Memória da cidade: lembranças paulistanas. Instituto de Estudos Avançados. São Paulo: USP, vol. 1, n. 1, p. 199-200, 1987.
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FARIA, L. M. F; GONÇALVES, I. A; VIDAL, D. G.; PAULILO, A. L. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Universidade de São Paulo Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p. 139-159, jan./abr. 2004.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 7ª Ed. rev. São Paulo: Centauro, 2005.
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POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.3, 1989.

9 comentários:

  1. Depois da apresentação dos vídeos, os mesmos foram discutidos em sala? Se sim, como foi?
    Isabele Fogaça de Almeida

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    1. Bom dia Isabele, sim, todos os vídeos foram discutidos. A opção foi para que os próprios alunos conduzissem a apresentação, portanto, antes de passar o vídeo, foi informado o local de escolha do grupo, o porque escolheram e principalmente quais questionamentos tinham sobre a história e a memória construída sobre aquele local. Após o vídeo novamente o grupo intervinha e esclarecia se havia ou não conseguido as respostas que procuravam, ou se encontraram outras perguntas a se fazer sobre o tema e por fim o restante da turma abordava suas considerações sobre o tema do vídeo, sua descobertas ou confirmações sobre a história daquele local e o enriquecimento proporcionado. Após todos os vídeos serem vistos e realizado este trabalho, fizemos uma rodada de conclusões sobre o aproveitamento da atividade dentro do ensino de história. Os depoimentos foram emocionantes, pois todos os alunos se sentiram extremamente valorizados por fazer parte da construção da história e da memória do local onde viviam, além de realizar a ponte entre o estudo de história, a escrita da história e suas vidas.

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  2. Bom dia Marciane. Interessante o seu texto, principalmente por pensar as possibilidades das aulas fora dos meandros da Escola e ainda mais que você conseguiu fazer isso. Mas você disse que antes da visita apresentou a eles vários conceitos, gostaria de saber se ter instruído-os contribuiu para o bom desenvolvimento do trabalho? E se não tivesse instruido, você acredita que não teria bons resultados?. Outra questão, A partir de suas leituras e de seu trabalho será que poderiamos considerar tudo que faz parte da memória coletiva com sendo Patrimônio Histórico e Cultural? Pois no seu trabalho os estudantes visitaram vários lugares da própria comunidade. Outra questão, qual foi a reação das pessoas ao serem entrevistadas e tendo suas memórias valorizadas?.
    Sandro Ambrósio Alves

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    1. Olá Sandro, obrigada pelo comentário!
      A apresentação, discussão e debate sobre conceitos como monumento, documento, memória, história, apropriação, relações de poder, memória apagada, memória inventada, foram fundamentais para que os alunos compreendessem o processo de construção da história, acredito que caso tivesse realizado a proposta sem abordar estes temas, o resultado teria sido totalmente diferente, pois tal abordagem proporcionou aos alunos um olhar crítico sobre a construção da memória no geral e também no específico, em seu entorno de vivência. Acredito que esta bagagem conceitual proporcionou melhores resultados, sem ela, o resultado seria menos rico. A questão do que é ou não Patrimônio Histórico e Cultural é uma discussão tensa que envolve as relações de poder e o controle da Memória, sendo muito debatido nos últimos vinte anos a construção da memória por outros atores além daqueles que controlam os mecanismos de poder, as memórias silenciadas durante muito tempo ganharam voz, se apropriando, se desfazendo ou renomeando as memórias que consideram mais relevantes. Quanto ao ponto de reação dos entrevistados, os alunos produtores dos vídeos registraram que muitos não se consideravam atores históricos, que sua análise sobre o monumento, o bairro, a praça ou qualquer dos objetivos investigados não eram relevantes, se pondo alheio ao processo de construção da memória. As entrevistas foram realizadas em várias etapas e com o passar do tempo os entrevistados foram se apropriando da construção da memória local, uma situação gratificante para os alunos e para mim, professora. Muito Obrigada!
      Marciane de Souza

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  5. Olá boa noite, parabéns pelo seu trabalho!
    Em seu texto você sita o uso das redes sócias o que achei muito interessante, você utilizou essa ferramenta durante todo processo de realização do trabalho? ou somente uma vez? como foi a interação dos alunos?

    Att: Juliana Barbosa Sindeaux

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    1. Olá Juliana, obrigada pelo comentário.
      O uso das redes sociais visou a integração da tecnologia da informação junto as rotinas pedagógicas, transformando o celular, internet e redes sociais em aliados para as atividades desenvolvidas em sala. Sim, desde a apresentação da proposta aos alunos, que na verdade foi uma demanda criada por eles, após realizarmos uma atividade externa em um centro cultural, foi inserido o uso do Facebook. Criei um grupo da turma nesta rede social onde cada etapa previamente estabelecida em cronograma os alunos iam postando suas produções, desde o projeto inicial com o tema e as perguntas levantadas, as técnicas de pesquisa escolhidas pelo grupo, as análises da coleta de dados e entrevistas e por fim o vídeo produzido e editado. Os alunos responderam muito bem ao uso da ferramenta, postando suas produções e vizualizando as dos demais, acredito que isso de deveu ao engajamento da turma, fiz outras atividades com outras turmas utilizando desta ferramenta e não teve o mesmo resultado, então o fator humano conta muito nos resultados.
      Agradeço muito seu comentário e espero ter ajuda em suas práticas! Abraços! Marciane de Souza

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  6. Julio Junior Moresco7 de abril de 2017 às 19:21

    Olá Professora

    Grato e feliz por estar prestigiando seu trabalho. Parabéns.
    Como construir mecanismos de divulgação eficientes nas redes sociais de espaços de memória, observando o público específico de estudantes dos anos finais do ensino fundamental?


    Julio Junior Moresco

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