Páginas

Marcello Paniz

JOGAR COM A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE HISTÓRIA
Dra. Marcello Paniz Giacomoni
UNIRITTER

Não é novidade que os jogos, especialmente os digitais, estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. Celulares e outros dispositivos oferecem aplicativos de jogos para todas as idades, consumidos tanto em momentos de folga, viagens de ônibus, intervalos quanto, é claro, durante as nossas aulas. Não acredito que nós professores sejamos ingênuos a ponto de acharmos que as aulas convencionais são mais atrativas que esse conjunto de games, nem por isso desistiremos. Defendo que podemos fazer do uso de jogos uma estratégia que congrega o lúdico ao aprendizado, ressaltando que isso não significa o abandono das aulas expositivas, atividades, leituras, resolução de problemas, etc. Tampouco utilizar os jogos como "iscas, a partir do que nos ensina a professora Tânia Fortuna quando diz que o jogo não deveria ser apenas um recurso para “fisgar” a atenção dos alunos. Defendo que os jogos são estratégias complementares para a construção do conhecimento escolar. A partir deles colocam-se em jogo relações entre objetos, estratégias e conceitos, constituindo narrativas cuja imprevisibilidade do desfecho abre espaço para a intuição e para a imaginação, nem sempre valorizadas, mas absolutamente importantes na construção de qualquer conhecimento.
Penso no uso dos jogos em três caminhos (sem negar que existam outros, claro): a construção de jogos pelos professores para seus alunos, a construção de jogos pelos próprios alunos em projetos variados e o uso de dinâmicas que remetem a estéticas ou mecânicas de jogos, sob o conceito de gamificação.
Sobre o primeiro caminho possível, cito como exemplos dois jogos produzidos por mim e que visavam determinados aprendizados na disciplina de História, da qual sou professor de formação. O Centralizador, produzido em 2011, tem como superfície um tabuleiro que simula uma paisagem genérica europeia do final da Idade Média. Nele interagem alunos que representam os cinco principais grupos sociais envolvidos no processo de centralização do poder dos reis: o rei, a burguesia, a Igreja, os senhores feudais e os servos / camponeses. Em cada rodada são retiradas cartas-acontecimento que tratam de fatos e processos da centralização do poder nos quatro casos estudados: França, Inglaterra, Espanha e Portugal. A partir de perguntas, respostas e o lançamento de dados, os grupos sociais inserem edifícios no mapa, representando ganhos de poder. O objetivo pedagógico do jogo, em um primeiro momento, foi de revisar conteúdos desenvolvidos em aulas anteriores, mas rapidamente mostrou um potencial para fabular a imprevisibilidade do futuro. O rei poderiacentralizar o poder, mas também poderia não centralizar. Dessa possibilidade em aberto nasceu um grande potencial de reflexão conceitual, que em geral exploro em aulas posteriores à aplicação desse jogo.
O Nazarenos, produzido em 2016, problematiza o crescimento do cristianismo no contexto do Império Romano. Os jogadores partem da região da Judeia e devem converter as populações pagãs e judaicas preexistentes transformando-as em populações cristãs. Cada jogador é um pregador, e opta por estratégias variadas visando converter novos fieis. Em cada rodada (ou determinado número de rodadas) é retirada uma carta-acontecimento, que articula acontecimentos históricos com alterações na dinâmica do jogo. Por exemplo, durante as perseguições de Nero de 64 d.C., a capacidade de ação dos pregadores é diminuída, ou durante a conversão de Constantino em 312 d.C. (primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo) o custo de construção de igrejas é menor. O objetivo pedagógico do jogo é problematizar a simultaneidade entre os processos históricos do império romano com a dinâmica de crescimento da religião cristã, de uma pequena seita judaica para uma religião universal, processo nem sempre simples de compreender em aulas convencionais.
Esses exemplos situam uma possibilidade para o uso dos jogos na educação da qual sou um entusiasta: objetos de aprendizado criados pelos professores visando determinadas escolhas pedagógicas por ele enfatizadas, dentro de temáticas mais amplas. Um professor que conhece sua prática, suas escolhas teóricas e políticas e, especialmente, seus alunos (com seus interesses, dificuldades, potencialidades). Ele toma para si o papel de protagonista da sua prática, criando seus próprios materiais didáticos que darão uma identidade única às suas aulas.
Uma segunda estratégia é propor a construção de jogos pelos próprios alunos. Ao longo de 2016 propus um projeto entre os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II do Colégio Israelita Brasileiro em que os mesmos deveriam criar jogos escolhendo livremente temáticas da disciplina de História do ano corrente ou do anterior. No primeiro trimestre foi construído um projeto do jogo, prevendo a temática, a superfície (onde a narrativa aconteceria), os objetivos, as dinâmicas, as regras e o layout. Após as revisões dos projetos, na segunda etapa (que ocorreu no segundo trimestre), foram construídos protótipos dos jogos visando testar o funcionamento das mecânicas. Após a testagem dos protótipos pelos colegas (que emitiram pareceres sobre o processo) passou-se para a terceira etapa. Durante o terceiro trimestre os grupos procederam à construção definitiva dos tabuleiros, seguindo critérios específicos de qualidade estética e jogabilidade.
A construção de jogos pelos alunos articula grande quantidade de habilidades cognitivas: é necessário, no caso específico da História, dominar fatos e processos de determinada temática e relacionar com a narrativa estabelecida com o jogo de forma que haja coerência entre ambas. Essas narrativas devem também ser relacionadas com a dinâmica geral do jogo e com as mecânicas específicas. Por fim o aluno deve criar uma estética que dialogue com todo o processo anterior. Trata-se de um amplo processo que demanda pensamento complexo e grande capacidade imaginativa visando conciliar todos os elementos a serem relacionados.
Uma terceira estratégia, a chamada gamificação, é fazer uso de dinâmicas, estratégias e objetos de jogos inseridos no cotidiano das aulas, sem se tratarem de jogos propriamente ditos. Por exemplo, em uma atividade envolvendo alunos do curso de licenciatura em História da Uniritter, cuja proposta era efetuar a leitura contextualizada de fontes históricas medievais, propus que os mesmos, a partir de um conjunto de fontes selecionadas, construíssem um personagem fictício. Em uma projeção de slides, eu fornecia desafios em sequência para a constituição do personagem, do tipo "Em que região da Europa ele(a) vive?", "Qual a relação dele(a) com a Igreja?", "Como ele(a) garantia sua subsistência básica?". Os alunos recebiam um número limitado de fontes, que podiam ser trocadas entre os mesmos, visando obterem novas informações. Durante todo o processo os mesmos registravam os detalhes do personagem em um pequeno banner, que devia ser ilustrado com uma representação do mesmo. Ao final da atividade, os grupos apresentavam para toda a turma. Nesse momento eram colocadas em debate desde a interpretação das fontes produzidas pelos alunos até anacronismos e lugares comuns acerca do passado medieval. Tenho pensado nessa dinâmica como um “coringa”, que pode ser adaptada para várias disciplinas e temáticas, mantendo os desafios da leitura, interpretação e imaginação.
Enfim, são três formas de utilizar os jogos que possuem, de formas variadas, grandes potenciais pedagógicos. Não apenas negociam distâncias entre alunos cada vez mais nativos de um ambiente gamificado com a escola, como possibilitam aprendizados por outros caminhos, mais próximos da estética, da intuição, da imaginação...  

Referências
FERMIANO, Maria A. Belintane. O Jogo como um instrumento de trabalho no ensino de História? História Hoje. ANPUH. vol. 3. n 07, julho 2005. Disponível em: http:www.anpuh.uepg.br/históriahoje/voI3n7/maria.htm
GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (org.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. Disponível em: http://www.ufrgs.br/lhiste/download-jogos-e-ensino-de-historia/
HUIZINGA, ]ohan. Homo ludens – o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 1998.
ANDRADE, Débora El-Jaick. O lúdico e o sério: experiências com jogos no ensino de história. História & Ensino. Londrina, v.13, p.91-106, set. 2007.



3 comentários:

  1. Olá professor Marcello Paniz Giacomoni, gostaria de parabenizá-lo pela discussão, muito interessante os aspectos levantados.
    Recentemente li a obra que o senhor organizou "Jogos e Ensino de História", uma discussão que me auxilia bastante durante a prática docente.
    Acredito que a utilização de jogos em sala de aula é bastante proveitoso, eu utilizo Jogos Digitais em determinados conteúdos e no conteúdo da Grécia Antiga realizo uma "mini olimpíada" com os 6º anos.

    Sobre a utilização de jogos em sala, como foi a reação dos alunos? E os pais? A coordenação/secretaria facilitou o processo?

    ResponderExcluir
  2. Podemos constatar em várias experiências práticas com esses jogos que o conteúdo acaba sendo mais atrativo para os alunos, sendo notável a sua interação com esse novos meios de ensino.

    Gostaria de saber como devemos fazer para conquistar o apoio de coordenadores e diretores e mostrar o quanto esses jogos são produtivos em termos de conhecimento?

    ANTONIO FRANCISCO.

    ResponderExcluir
  3. A juventude mostra muito interesse pelos jogos eletrônicos, pois hoje existe um acesso maior desses jovens a equipamentos que ofertam esses jogos. Alem disso temos diversos aplicativos que ofertam esses jogos de forma gratuita e bem interativas.

    Com tantas essas facilidades como devemos fazer para os coordenadores pedagógicos darem maior apoio a essas ferramentas?

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.