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Manoel Caetano; Graziella Fernanda

REFLEXÕES NECESSÁRIAS EM TEMPOS SOMBRIOS: A DISCIPLINA HISTÓRIA E O SEU LUGAR NA ESCOLA
Manoel Caetano do Nascimento Júnior
Graziella Fernanda Santos Queiroz
UFPE

Apontamentos iniciais
A área de estudo referente ao ensino de história cresceu potencialmente nos últimos anos. Linhas de pesquisa em programas de pós-graduação aliado a grupos de estudos da área tem produzido um número significativo e diverso de materiais que os eventos e as publicações, como por exemplo, as apoiadas pela ANPUH revelam.  Somente para o Encontro Nacional de História, previsto para o ano de 2017, cerca de nove simpósios temáticos darão enfoque aos trabalhos direcionados ao campo do ensino de história. Um esforço dos organizadores de tal empreitada no intuito de fazer circular ideias e apontar saídas aonde ainda há lacunas, para daí poder proporcionar a quem realmente precisa, os alunos e alunas da educação básica por meio dos seus professores, aulas eficazes e que possam servir de maneira a legar ferramentas aos discentes para que se posicionem e façam intervenções diante do mundo circundante.
No entanto desde 2015, quando veio a público as formas preliminares de Base Nacional Comum Curricular, a disciplina de História convivi com incertezas e questionamentos. Primeiramente pelas imprecisões dos documentos curriculares que não conseguem refletir concisamente os conteúdos e métodos necessários aos anseios contemporâneos; segundo pelos diversos olhares que se digladiam para instituir o que é mais relevante de ser ensinado na educação básica – o consenso é algo distante em tais diálogos (ABREU, 2016; MORENO, 2016).
Propostas curriculares na atualidade são muito comuns em diversos países. O apressado tempo, guiado pelo desenvolvimento tecnológico, e as incertezas provocadas por esta contemporaneidade “precária” transformam os projetos educacionais de longo prazo em algo que deve sofrer uma série de reflexões. “No mesmo caminho, os países estão constantemente repensando sua História e, por conseguinte, o espelho identitário que projetam” (MORENO, 2016, p. 9).
Mas para preocupar ainda mais a situação da História em ambiente escolarizado o Governo vigente decidiu abrir mão das contribuições deste campo do saber ao ensino médio ao excluí-lo, através da Medida Provisória nº 746 de 22 de setembro de 2016 que acabou se convertendo na Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, do currículo obrigatório.
As supracitadas ações perpetradas pelos representantes de nossa democracia revelam que tipo de cidadão se tem o intuito de formar e legitimar pela escola e, nas leituras de tais propostas, as Ciências Humanas são apêndices do propósito de obter mão de obra técnica especifica para o trabalho industrial/empresarial. O cidadão crítico-reflexivo, aquele eivado de perguntas sobre o seu status quo parece perder força nos avanços dos tramites político-educacionais na atual conjuntura e, não é por acaso, nem a primeira vez, que essas ideias são perpetradas.
Ao desobrigar-se de ensinar história aos alunos que necessitam da educação básica, através da escola pública, o Governo nos deixa pistas para questionar o porquê de tal direcionamento. Nessa perspectiva cabe pensar quem pode continuar a refletir a partir da história?
A disciplina tendo seus momentos de avanços e recuos permaneceu acompanhando a educação básica desde seus momentos iniciais no século XIX e, assim, foi demonstrando ser um saber próprio da cultura escolar tendo seus objetivos, métodos e conteúdos bem estabelecidos (BITTENCOURT, 2009, p.34). Mas, justamente em um momento de avanço da produção, através de projetos feitos às pressas a disciplina é caçada, retirada das orientações curriculares para o ensino Médio, desrespeitando assim, as preocupações de diversos pesquisadores, estudiosos e de pessoas esperançosas que durante anos tem se dedicado em oferecer o melhor para os alunos. Além de negligenciar as aprendizagens que a história pode legar, desvaloriza anos de discussão que a constituíram e a consolidaram como disciplina escolar.

Apontamentos: o ensino de história no século XXI
Nem sempre o ensino foi pensado de forma tão marcante como na virada do século XX para o XXI, e nem tido tanto relevo e visibilidade como na atual conjuntura. Atualmente vemos diversas discussões entorno do ensino. O ensino de História, como de costume, parece chamar mais atenção. Discussões infindáveis procuram norteá-lo. As revisões são feitas aos montes e novas metodologias procuram desfazer uma cultura que fincou os pés por muito tempo nas salas de aula. Como aponta Lima (2009):
O campo da História tem passado por grandes transformações nos últimos quarenta anos, com a multiplicação de objetos, problemas e o surgimento de novas abordagens. Essa ampliação foi acompanhada pela proposição de novas abordagens do ensino de História que faziam frente à concepção tradicional já instaurada há mais de 100 anos nas salas de aula(LIMA, 2009, p.44, grifo nosso)
Mas a possibilidade das novas propostas ao ensino e, marcadamente no de História, só foram possíveis pelas transformações efetuadas nas últimas décadas que articuladas aos câmbios sociais, políticos, econômicos e educacionais, buscam acesso, dinamização, atender a pluralidade e ter significado ao que antes era feito para poucos, de uma forma pouco flexível e geralmente opaco.
Discutir o ensino de História, no século XXI, é pensar os processos formativos que se desenvolvem em diversos espaços e as relações entre sujeitos, saberes e práticas. Enfim, é refletir sobre modos de educar cidadãos numa sociedade complexa, marcada por diferenças e desigualdades (FONSECA, 2012, p. 20).
Logo, educar com o ensino de História hoje é tentar mostrar diversas vertentes, colocar os sujeitos diante de alternativas significativas. Enfim, é refletir sobre como caminhar para atingir ao, cada vez mais numeroso, quantitativo de alunos que adentra as carteiras escolares. E, indo além, é tentar proporcionar um ensino que equipare, que dê oportunidade e assim como descreveu Goodson (1995, p. 91) possa fazer até aqueles mais desafortunados, marginalizados e que tenham uma vida de trajetória humilde demonstrar ideias e respostas para os desafios do ensino e da vida em sociedade e ser tão brilhante, quanto aqueles que possuem classe social elevada e privilégios de berço.

Considerações
Infelizmente, esses objetivos e essas transformações que são pedidas para atender a diversidade de grupos soam estranho a políticos que se acostumaram com um ensino para poucos e que estão incomodados com a infiltração de outros segmentos sociais no meio da cultura letrada. Isso lembra tempos ainda no Império brasileiro em que se ensinava através do currículo humanista clássico e em que apenas os “homens da Escol” – os indivíduos de destaque social – eram formados para refletir e criar através de disciplinas como a História. Será que é um movimento saudosista?  (MANOEL, 2012, p. 1).
O ensino de História já foi instrumento de formação de e para uma elite, já foi modelado para formar o homem patriótico e já foi resumido no período da Ditadura-Militar para que fosse esvaziado de sua potência formativa e crítica. No entanto ele resistiu e, assim como nos dizeres de Apple (1999, p. 47) não foi raro encontrar pessoas que tentaram produzir atividades contra-hegemônicas. Esses agentes deixaram lições e mostraram a relevância dessa disciplina para além dos cortes que muitas vezes tentaram perpetrar.
Partindo da reflexão do professor Michel Zaidan Filho da UFPE podemos dizer que a história é “vida e não um cadáver embalsamado para a contemplação de eruditos”. Venceu o tempo e conviveu com momentos de recuos, hoje vive uma nova dinâmica e tenta através do ensino mostrar como ela é viva e de como reflete “nossas utopias, dos nossos sonhos, dos nossos projetos de alteridade” e de como deixou de ser apenas a narração da história do vencedor. “Essa história nenhum avicultor poderá matar ou suprimir. Pode reescrever ao sabor de suas conveniências políticas. Mas ela sempre viverá, como ideia reguladora, a guiar o ideal de justiça, de beleza, de verdade dos homens e mulheres de boa vontade” (ZAIDAN FILHO; PEIXOTO, 2017).

Referências
ABREU, Martha. Parecer sobre a BNCC: Componente Curricular HISTÓRIA. 2016. Prof. Titular do Departamento de História da UFF e Pesquisadora do CNPq. Disponível em:<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/relatoriosanaliticos/pareceres/Martha_Abreu.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2017
APPLE, Michael W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, Cultura e Sociedade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999. Cap. 2. p. 39-57.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009, p. 408
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. 13. ed. Campinas: Papirus, 2012 p. 443.
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995. 140 p.
LIMA, Maria. As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino de História. Fronteiras, Mato Grosso do Sul, v. 11, n. 20, p.43-57, jul. 2009.
MANOEL, Ivan A. O ensino de História no Brasil: do colégio Pedro II aos Parâmetros Curriculares Nacionais. 2012. Elaborado pelo professor Dr. da Unesp. Disponível em: <https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/46194/1/01d21t11.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2017.
MORENO, Jean Carlos. História na Base Nacional Comum Curricular: déjà vu e novos dilemas no século XXI. História & Ensino, Londrina, v. 22, n. 1, p.7-27, jan/jun, 2016. Semestral.

ZAIDAN FILHO, Michel; PEIXOTO, Moisés. Michel Zaidan Filho: o fim da História?. 2017. Doutor em História. Disponível em: <http://blogdojolugue.blogspot.com.br/2017/02/michel-zaidan-filho-o-fim-da-historia.html?spref=fb>. Acesso em: 05 mar. 2017.

4 comentários:

  1. Muito bom seu texto, e faço uma questão: Em que medida a formação do professor de história ficou comprometida com esta resolução e, especialmente, como será banalizado nos cursos superiores a oferta das disciplinas de história de XXXX, que passaram ainda mais a serem periféricas e oferecidas por não historiadores?
    O que vocês dizem a respeito?
    Prof. Dra. Mara Rúbia Sant'Anna

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    1. Primeiramente é um prazer receber a sua pergunta Professora. Aqui nós podemos especular, lançar algumas hipóteses a respeito, nada muito preciso, pois a BNCC que virá nos próximos dias é que dirá melhor como os currículos dos cursos de graduação em história serão organizados. Os impactos que os direcionamentos da Base Nacional Comum Curricular podem trazer a formação do especialista ainda são pouco mensuráveis. O que se percebe na Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, é a forte intenção de que setores privados passem a estreitar os laços com a educação pública, direcionando ações educacionais e profissionais. Um ensino técnico é valorizado na proposta, já as reflexões trazidas pelas Ciências Humanas perdem muito espaço. Profissionais de notório saber são afrontas ao sujeito que tem a formação docente. Com relação ao campo da “formação do professor de história” eu percebo que esse tema é espinhoso... Muitos cursos em seus currículos deixam bem claro que a sua intenção é formar um professor e, para isso, acabam caminhando no sentido de valorar uma instrução pedagógica e não dar o mesmo tom a formação da ciência de referência, neste nosso caso, a história. Avaliando o currículo de história da UFPE lançado no ano de 2012, que pela primeira vez separou o curso de licenciatura do de bacharelado, é possível apontar essa ênfase no trabalho pedagógico no currículo da licenciatura e uma grande perda de carga-horária de disciplinas especificas como História Antiga, medieval, entre outras.
      Espero ter respondido, pelo menos um pouco, a questão colocada.
      Atenciosamente, Manoel Caetano

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  2. Obrigada pelo texto e pelas referências apresentadas.
    Sobre quais instrumentos a disciplina de História pode contar, além do enfoque na contribuição e diversidade de sujeitos históricos, para que ela não retome seu velho status de instrumento de formação de e para uma elite?

    Kelly Gomes dos Santos

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    1. Boa questão Kelly. Com “Instrumentos”, nesse contexto, você quer dizer métodos? Ou você está se referindo aos recursos didáticos para trabalho docente em sala de aula? Bom.... Espero responder articulando métodos e recursos. Hoje, há muitos relatos de experiências que apresentam o professor de história deslocando o ensino da configuração tradicional, para uma outra ótica, mais diversificada e que procure atender aos jovens dos mais variados contextos. Trabalhos com base na história local, seja como método, seja como conteúdo tem sido mais discutido, aqui uso como exemplo. Ensinar aos alunos a conduzir atividades investigativas está no “métier” do professor atencioso. A professora Drª. Maria Auxiliadora Schmidt tem algumas contribuições no sentido de mostrar como é possível dentro e fora da sala de aula oportunizar aos alunos um conhecimento diferente daquele que tradicionalmente fincou os pés na cultura do ensino de História (SCHMIDT, 2005; 2007). Fazer o aluno questionar, articular as ideias apreendidas e poder narrar as suas próprias percepções tem dado a base para refletir sobre as aprendizagens dos discentes. No entanto toda a atividade que procure desviar das vicissitudes do tradicional deve pensar no começo, meio e fim. Explicar previamente o conteúdo e a perspectiva; pedir uma avaliação preliminar; orientar um trabalho de campo; recolher e articular para transformar ou ressignificar conteúdos tradicionais; executar o conteúdo que foi mudado ou adaptado a partir das fontes recolhidas; pedir um novo feedback e analisar os objetivos que foram esquematizados no plano de ensino; rever os desvios; reorganizar; reaplicar. O ensino de história é como um oceano de águas desconhecidas... são muitas as possibilidades.
      Atenciosamente, Manoel Caetano

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