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Lucimar Alberti

O USO DE REVISTAS COMO RECURSO PEDAGÓGICO NAS AULAS DE HISTÓRIA
Lucimar Alberti
Mestre em Educação – UFRGS

Ao longo dos últimos anos os contínuos progressos na área da comunicação, principalmente no que tange as mídias sociais, tem produzido grandes transformações nas relações que mantemos com os meios de comunicação e com a informação de maneira geral. Esse processo também tem trazido conseqüências ao espaço escolar, reorganizando nossa relação com o saber, bem como as relações entre professores e alunos e, destes últimos com o conhecimento de uma maneira geral. Em nenhum outro momento da trajetória humana produziu-se tanto conteúdo e, também, nunca antes na História tivemos acesso a tanta informação sobre os mais diversos temas. Se por um lado obtivemos vantagens, principalmente no que diz respeito ao acesso à informação por outro lado apresenta-se o desafio de saber localizar, identificar e separar a informação pertinente aos nossos interesses daquela que não auxilia em nosso processo educativo. De acordo com Pinsky e Pinsky (2009), cabe ao professor a tarefa de transformar essa massiva quantidade de informação em conhecimento. Para os autores “a informação chega pela mídia, mas só se transforma em conhecimento quando devidamente organizada [...] porque a informação chega aos borbotões, por todos os sentidos, é que se torna mais importante o papel do bom professor” (PINSKY; PINSKY, 2009, p.22).  
A partir dessa grande quantidade de material que encontramos a nossa disposição entendo tratar-se de prática fundamental na sala de aula investir tempo na formação da capacidade leitora dos nossos estudantes, assim como colaborar na no desenvolvimento de um senso crítico no que diz respeito à seleção de material que consumimos. Não implica aqui assumir que este ou aquele veículo de comunicação é melhor ou pior. Antes disso, trata-se de construir com os estudantes a compreensão que existem dos modelos e propostas de mundo com a qual cada veículo de comunicação está associado. E, que suas reportagens são publicadas em conformidade com isso, produzindo e articulando maneiras de estar no mundo. Logo o que se pretende é possibilitar que os estudantes construam uma leitura crítica, aprendendo a confrontar versões e selecionar o que se apresenta nos meios de comunicação de uma maneira geral e, de forma mais específica nas revistas semanais.
Cabe, no entanto, a partir deste ponto uma pergunta: como a disciplina de História pode contribuir para a melhora na capacidade leitora dos estudantes ao mesmo tempo em que desenvolve uma prática conectada ao programa da sua disciplina? E, de maneira mais específica, como, na disciplina de História, podemos desenvolver essa prática a partir do uso de revistas semanais? O presente artigo pretende apresentar algumas considerações acerca do uso das revistas semanais como material de análise para as aulas da disciplina de História assim como oferecer um exemplo prático das suas possibilidades de utilização. Para tanto é importante deixar claro desde agora que escrevo considerando algumas proposições dos Estudos Culturais, como, por exemplo, a compreensão que os artefatos culturais, neste caso, as revistas, atuam em nossa educação na medida em que informam e transmitem determinadas maneiras de estar no mundo. Utilizo também contribuições da História, principalmente sua metodologia para pesquisas com revistas ao mesmo tempo em que faço uso do conceito de discurso a partir das teorizações de Gilian Rose (2001).
Pensando numa prática de sala de aula é importante primeiramente selecionar o material que será utilizado, considerando a possibilidade de estabelecermos uma série longa de exemplares. De acordo com Luca (2006) precisamos “historicizar a fonte” (LUCA, 2006, p. 132), observando suas condições de publicação, ou, a “materialidade de jornais e revistas em diferentes momentos”(LUCA, 2006, p.131). O que significa dizer que é necessário considerar quais eram os recursos tecnológicos do período de quando a revista foi publicada bem como a sua organização interna. Assim, pensando um exemplo prático poderíamos selecionar a Revista Veja enquanto acervo documental para ser trabalhado em sala de aula. Essa escolha justifica-se pelo fácil acesso ao material, que se encontra hospedado em sua totalidade no sítio da própria Revista o que nos asseguraria a possibilidade de estabelecer uma série longa de exemplares. Quanto ao tema poderíamos pensar o uso da Revista Veja para verificar o discurso ufanista do Regime Militar (NAPOLITANO, 2013), observando como este se manifestava de formas variadas, em diversos setores da sociedade ou mesmo se existem contrapontos a esse discurso. Em outras palavras, se o que aparece na fonte que selecionamos reforça ou questiona esse ufanismo característico do período. Assim, a proposta que trago seria identificar alguns elementos dos discursos que se produzia sobre saúde, nas páginas da Revista Veja, durante o Regime Militar Brasileiro, mais especificamente no ano de 1968, quando do lançamento da Revista.
Estabelecido nosso recorte temporal e temático é importante deixar claro o que entendo por discurso. Tomando as discussões de Rose (2001) entendo discurso como “um grupo de enunciados que estruturam a maneira de algo ser pensado e a maneira de agirmos com base nesse pensar. [...] um determinado conhecimento sobre o mundo que molda a forma do mundo ser compreendido e das coisas serem feitas nesse mundo” (ROSE, 2001, p. 136). Assim, a partir da concepção de discurso apresentada aqui entendo ser possível analisar que tipo de discurso se manifesta nas reportagens sobre saúde da Revista Veja. Verificando em que medida esse discurso reforça a ideia de um Brasil que avança rumo a um futuro maravilhoso ou se as fontes apresentam elementos que nos permitam pensar de maneira diferente. Outro aspecto importante ao se propor esse tipo de análise consiste em fazer as perguntas adequadas para as fontes selecionadas. Assim, seguindo as indicações de Rose, devemos questionar “como determinado discurso descreve as coisas [...] como constrói a culpa e a responsabilidade [...] como categoriza e particulariza” (ROSE, 2001, p. 150).
Para exemplificar o que proponho trago uma reportagem da Revista que trata sobre os transplantes no período selecionado. Na reportagem “Mãos de ouro” (VEJA, 11/09/1968) aborda-se os transplantes sob uma perspectiva extremamente positiva. Como o próprio título já faz referência, valoriza-se muito a ação dos médicos que realizam transplantes. Estes, os médicos, são apresentados como profissionais profundamente envolvidos com sua profissão, talentosos e que constantemente estão em busca de aperfeiçoamento profissional. As condições desfavoráveis para trabalhar até surgem, no entanto, a ênfase está no elogio aos profissionais. De acordo com a Revista, os médicos, “no jogo contra a morte enfrentam simultaneamente vários outros adversários; entre eles as más condições para seu trabalho. Mesmo assim estão acostumados a vencer” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Esse posicionamento, aliás, fica ainda mais evidente ainda quando a Revista decreta: “os cirurgiões vencem antes de tudo pelas suas próprias mãos” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Mas, independente das condições de trabalho que existem, “a cirurgia brasileira vai ganhando o jogo contra a morte” (VEJA, 11/09/1968, p.49).
Apesar da breve apresentação da fonte utilizada aqui, acredito que é possível identificar algumas possibilidades de uso desse tipo de recurso em sala de aula. Ao recrutar uma fonte primária, de fácil acesso como um exemplar da Revista Veja, já encontramos uma considerável variedade de informações que podem ser utilizadas nas aulas de História. Ao adotar esse tipo de prática, por exemplo, podemos, em se tratando do Regime Militar Brasileiro, estabelecer alguns questionamentos acerca de todo esse progresso difundido pela propaganda oficial. Se os avanços foram tão expressivos como nos fazem pensar através do Milagre Econômico, como é possível identificar críticas às condições de trabalho nos hospitais brasileiros? Ou mesmo, atribuir o “sucesso” da medicina no Brasil à capacitação dos nossos médicos, adquirida no exterior, aliás, do que aos investimentos do Governo Brasileiro? Podemos considerar, a partir do exposto que entre a propaganda oficial do Regime Militar e o que de fato acontecia existia um hiato que precisa ser melhor explorado pelos professores de História em sala de aula.
Assim, acredito que tomando as reportagens de Veja como material de análise para o período e temas indicados anteriormente, podemos demonstrar aos alunos como essas notícias vão se articulando na construção de um quadro mais amplo acerca do país bem como dos serviços de saúde no Brasil. Além disso, o uso de documentos históricos pode auxiliar para tornar as aulas mais dinâmicas, interessantes e produtivas, satisfazendo assim professor e alunos. Contribuindo, também, para que o saber histórico seja reconstruído em sala de aula e não apenas reproduzido. Finalizando, acredito que através de propostas como essa seja possível articular, na disciplina de História, uma prática educativa preocupado com a melhora da habilidade leitora dos nossos estudantes ao mesmo tempo que colaboramos com a construção da capacidade de leitura crítica, fundamental para um época onde transbordam informações.

Referências Bibliográficas
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla Bassanezi.Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2006. P.111 – 154.
Mãos de Ouro. In.: Veja. Nº1. São Paulo: Editora Abril, 1968. P.46 – 49
NAPOLITANO, Marcos. 1964:História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo, Editora Contexto: 2013.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar. In.: KARNAL, Leandro (Org.). História na Sala de aula: conceitos práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2009. P.17-39.

ROSE, Gillian.Visual Methodologies: an introduction to the interpretation of visuals materials. Londres: Sage, 2001.

4 comentários:

  1. Lucimar, primeiramente lhe parabenizo pelo texto. Além de analisar a revista, seu conteúdo e sua ligação com o contexto histórico, até que ponto a utilização de revistas como fontes históricas no ensino de história ajuda os estudantes a compreender o ato de ler em geral, como descreve Chartier (1992, p. 214) “Não obstante, a experiência mostra que ler não significa apenas submissão ao mecanismo textual. Seja lá o que for, ler é uma prática criativa que inventa significados e conteúdos singulares, não redutíveis a intenções de autores dos textos ou dos produtores dos livros” ?

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  2. Boa noite Denis.

    Primeiramente gostaria de dizer que fico feliz em saber que gostou do texto. Em relação a tua questão, entendo que a capacidade leitora vá se desenvolvendo na medida em que vamos entrando em contato com diferentes formas textuais. Assim, realizar a leitura de uma reportagem atual sobre um tema que se pretenda discutir em aula, seguido de um texto de época, seja uma reportagem ou mesmo um trecho retirado de alguma obra literária oferecerá, ao aluno/leitor a possibilidade de conhecer formas textuais diferentes entre si que acabam por exigir habilidades e competências diferentes.

    Nesse processo, acredito que o estudante acabará construindo um repertório mais amplo que poderá servir de base para leituras futuras.E, assim, constituir aquilo que trazes de Chartier (1992) quando o mesmo fala da leitura enquanto uma "prática criativa", que significa dizer que ele, o leitor, não assimila tudo tal como está escrito mas negocia com o texto a construção do seu próprio significado.

    Espero ter respondido tua questão e desde já agradeço teu comentário e permaneço aberto para novas questões.

    Lucimar Alberti

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  3. Muito bom o seu texto!!!
    Sabemos que as revistas tem um valor histórico muito importante, estas falam e muitas vezes descreve sobre um determinado espaço ou uma prática cultural.
    Gostaria de saber como fazermos para um melhor aproveitamento dessas revistas em sua analise sócio-histórica?

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    1. Boa noite.
      Primeiramente meu muito obrigado pelo comentário.
      Em relação a tua pergunta acredito que todo documento histórico pode contribuir para enriquecer a análise de um determinado tempo ou mesmo para entendermos o que se pensava acerca de um tema nessa mesma época. Entre os procedimentos que posso recomendar "para um melhor aproveitamento dessas revistas" sugiro a seleção de uma série longa o bastante para podermos identificar as recorrências presentes em suas reportagens. Outra possibilidade seria entender as reportagens a partir da perspectiva dos seus leitores, supondo que essas matérias apenas eram publicadas na medida em que faziam sentido para aquela sociedade. Logo, analisar tais reportagens nos daria uma concepção interessante acerca do que fazia sentido aquele momento histórico.
      Espero ter respondido tua questão e estou a disposição para novos esclarecimentos.
      Lucimar Alberti

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