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Lucilvana Ferreira; Roberg Januário

HISTÓRIA LOCAL E ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ESTUDO DO LUGAR
Prof. Lucilvana Ferreira Barros
Prof. Roberg Januário dos Santos
Curso de História/IETU-UNIFESSPA

“O local e o cotidiano do aluno constituem e são constitutivos de importantes dimensões do viver – logo, podem ser problematizados, tematizados e explorados no dia da sala de aula, com criatividade, a partir de diferentes situações, fontes e linguagens” (FONSECA 2012, p. 241).
A presente comunicação tem por objetivo refletir acerca da importância da história local para o ensino de História como um tipo de abordagem histórica capaz de contribuir no processo de ensino aprendizagem. Este texto parte do pressuposto que o processo de ensino-aprendizagem do saber histórico é encaminhado, grande parte, por meio de uma cadeia normatizadora do conhecimento, sustentada pelo empirismo de regras escolares e objetividade dos materiais didáticos, principalmente dos livros didáticos, estes que geralmente totalizam conteúdos e, no caso da história, se pautam na história geral ou do Brasil, em sua grande parte.
Assim, é importante repensar este modelo de ensino-aprendizagem quando o mesmo é pautado na objetividade, racionalidade e na passividade de alunos e professores à medida que ambos trabalham na zona de fixação de conteúdos. Embora com todas as renovações no campo do ensino de história, desde as décadas de 1980 e 1990, derivadas das críticas ao modelo de memorização e reprodução, ocasião em que houve à introdução de novos recursos didáticos, como cultura material, audiovisuais, entre outros; abordagens centradas em tempos históricos integrados (história integrada) e/ou por temas (história temática); reflexões teóricas considerando as recentes composições historiográficas à época, como a História cultural e a atenção dispensada à história local e regional. Não se perde de vista que tais mudanças ainda estão em processo, e o modelo de ensino ainda por vários motivos encontra-se, em boa parte dos casos, coordenado pelo modelo normatizador do conhecimento que se centra na reprodução de conteúdos, amparados no currículo formal, ou seja, nas regras escolares, como podemos observar nas palavras de Knauss (2012, p. 30):
A escola tem sido o lugar de exercício do papel social do professor, identificado com uma concepção de saber pronto, acabado e localizador, cujo desdobramento é a aversão à reflexão e o acriticismo, sem falar na falta de comunicação. A escola e a sala de aula surgem, assim, como lugar social de interiorização de normas, em que o livro didático é o ponto comum entre o professor e aluno, sendo todos elos de uma cadeia de transferência disciplinadora do cotidiano e ratificadora das estruturas sociais vigentes.
Recomenda-se o repensar desta perspectiva de ensino atentando para a riqueza do trabalho docente articulado com a pesquisa no âmbito local, uma vez que imbuídos de uma condição investigativa do mundo e elaboradores de conceitos no que diz respeito aos objetos de conhecimento histórico, professores e alunos possam alavancar o diálogo entre o presente e o passado, de modo a propiciar um processo de ensino-aprendizagem ancorado em problemáticas que façam sentido não só para o saber escolar transposto das universidades, tido como saber competente, mas que faça sentido para o contexto em que se inserem os agentes envolvidos no dia a dia da sala de aula, já que o conhecimento escolar é algo também produzido conforme cada contexto e considerando as especificidades do lugar, como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 15):
Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a realidade brasileira como diversa, e as problemáticas educacionais das escolas, das localidades e das regiões como múltiplas. É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a partir das condições, contradições e recursos inerentes à realidade local e educacional, que são construídos os currículos reais. São grupos de professores e alunos, de pais e educadores, em contextos sociais e educacionais concretos e peculiares, que formulam e colocam em prática as propostas de ensino.
A inserção do local ainda encontra-se em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com base na LDB, os currículos escolares devem levar em conta os conhecimentos em âmbito nacional, mas também devem considerar as especificidades locais e regionais, pois são conhecimentos advindos da vivência de professores e estudantes, como pode-se observar o que prevê o texto da referida lei:
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (2014, p.19).
Pressupõe-se que o trabalho com a história local contribui para que se conheça a profícua ação histórica desencadeada com os estudos sobre o cotidiano e a trajetória de grupos mais próximos de estudantes e professores, pois historicamente o perfil da história local foi produzido nas seguintes condições:
Retomando a História local: nesse processo historiográfico, acaba ela sendo subsumida por essa História dita nacional, mesmo pelas histórias regionais/estaduais. Foi construída como história dos municípios, foi elaborada usualmente, por notáveis figuras das localidades, não profissionais de história, costumeiramente vinculados ao poder local (SILVEIRA, 2013).
Neste caso, conforme Silveira, a historiografia nacional, estadual e regional acaba sobrepujando a história local, de modo que se deve também considerar o perfil da historiografia que geralmente fabrica a história local, pois este tipo de abordagem histórica acaba sendo produzido por pessoas que não são profissionais com formação em História, daí não é de se estranhar as vinculações com as redes de saber e poderes locais. Neste caso, a história local produzida a partir do metier do historiador também é eclipsada por esta “história local elitizada ou localista”. As pretensões de uma nova história local, ancorada na pesquisa histórica e apresentada mediante narrativas que articulam texto, contexto e fontes, se voltam para o cotidiano dos diversos grupos e seguimentos, especialmente com as dinâmicas e culturas locais e para a problemática das narrativas culturais ligadas à produção das identidades e das espacialidades. Nesse sentido, Fagundes aponta na direção de uma nova história local como:
[...] um novo método de abordagem histórica que consiste em mostrar as singularidades do lugar, bem como os pontos de conexão com a realidade de outros lugares. Essa forma de conceber e fazer história permite, no ambiente escolar, uma relação contínua entre sujeitos e o objeto de estudo, uma vez que esses sujeitos – o aluno e o professor - fazem parte da comunidade e das múltiplas relações aí contraídas, o que facilita na identificação das características do processo histórico local e possibilita a percepção da heterogeneidade cultural existente ( FAGUNDES, 2006. p. 93).
Para a pesquisadora Selva Guimarães Fonseca (2012), os estudos do local são relevantes no processo de construção das identidades e das memórias que se inscrevem no tempo, seja ele longo, médio ou curto. Segundo esta pesquisadora, o local pode ser problematizado, tematizado e explorado no cotidiano da sala de aula, a partir de várias fontes. Guimarães ainda adianta que o estudo do local pode ser realizado em articulação com outras dimensões do ensino, como o regional, nacional e até o universal, a partir de temas que atravessam estas dimensões. De acordo com Bittencourt (2005, p. 168 ):
“a História local tem sido indicada como importante para o ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência deste – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os problemas significativos da história presente[...]”.
Deve-se considerar que o trabalho com história local/regional não exclui a possibilidade de trabalho com a história geral, pois “os problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo por processos históricos mais amplos” (SCHIMIMIDT & CAINELLI, 2004, p.112). A história local também não é uma história em migalhas, não é um tipo de abordagem em recantos, mas configura-se em interação com outros processos históricos, sendo possível ser estudada em perspectiva comparada, integrada e até temática. Portanto, o ensino de História local é um desafio contemporâneo para o processo de formação de professores, pois é considerado importante para a aprendizagem de uma educação histórica dos alunos.

Referências
BARROS, José D’Assunção.  O lugar da História local.  In. A Expansão da História. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2013.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2005.
FAGUNDES, José Evangelista. A História Local e seu Lugar na História: histórias ensinadas em Ceará-Mirim. 2006. 194 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN, 2006.
FERNANDES, José Ricardo Oriá. Um Lugar na Escola para a História Local. Recife: ANPUH (texto mimeografado), 1995.
FONSECA, Selva G. Didática e prática de ensino de História: Experiências, reflexões e aprendizados- 13 ed. Campinas, São Paulo, Papirus, 2012.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE HISTÓRIA. Secretaria da Educação. MEC. Brasília. 1998.
SAMUEL, Raphael. História Local e História Oral in: Revista Brasileira de História. História em Quadro-Negro: escola, ensino e aprendizagem. São Paulo: ANPUH/MARCO ZERO, 1990, p.219-243.
SCHIMIMIDT, Maria, CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.


12 comentários:

  1. LEANDRO MAYER

    Olá,
    Primeiramente parabéns pelo texto.
    Minha fala é no sentido de colaborar com a temática apresentada. O que vemos é o professor fazendo macro abordagens com seus alunos, poucas vezes reduzindo a escala e trabalhando temas locais e regionais. O que falta nesse processo? O professor conhece e domina a história regional ou será que tem alguma deficiência nesse processo formativo?

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  2. Bom dia!!! Gostei muito do Texto,gostaria de dar meus parabéns pelo excelente trabalho e os importantes apontamentos em relação a história regional.
    Bem, diante de todas as problemáticas que enfrentamos em relação a falta de uma consciência da história local dos indivíduos que fazem parte dessa história.Minha pergunta é a seguinte:Na posição de vocês, como educadores qual seria o melhor caminho para se trabalhar a história local e regional dentro das escolas, e ainda vendo um problema maior imposto pelo atual governo de tirar a disciplina de história da grade curricular do ensino médio, estamos fadados a estudar uma história em pedaços? Fabrícia Freire

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    1. Prezada Fabrícia Freire, boa noite,
      Agradecemos a sua participação e ficamos felizes com a participação dos nossos discentes da Unifesspa!
      Quanto a sua questão, visando amplificar o entendimento do assunto em tela, observamos: primeiro, existem alguns caminhos, possibilidades metodológicas e perspectivas acerca da história local, entendida aqui como uma estratégia de ensino que privilegia as singularidades do local em conexão com outros espaços e tempos e no ambiente escolar possibilita uma aproximação direta entre sujeitos e objetos de estudo. Além do que, a história local é uma abordagem histórica na medida em que o professor/historiador trabalha em termos do seu campo de observação e das fontes que utiliza. Dito isso, um dos caminhos possíveis para a história local é perceber nesta uma maneira de aprendizagem que pode ser articulada com os interesses dos alunos(as), buscando aproximações em suas experiências sociais, culturais e familiares/cotidiano do espaço e tempo conexo a sua vivência, operando assim aproximações com outras leituras de mundo e espaços, como a história regional, do Brasil e do mundo. Considerando que os ambientes escolares são os mais diversos possíveis, é necessário perceber em cada contexto as possibilidades de inserção da história local, ou seja, em alguns espaços escolares pode ser que um trabalho por meio do patrimônio histórico seja uma ótima ação, mas pode ser que em outros ambientes escolares o trabalho com a cultura material ou a educação pela cidade e/ou ainda por meio temas como as relações étnico raciais, migrações, entre outros. Em resumo, o trabalho com a história local no ambiente escolar também depende do contexto espaço/temporal o qual estão imersos professores, alunos(as) e comunidade escolar. Quanto a história local e sua relação com o Ensino Médio, é necessário observar uma dificuldade antiga de inserção da mesma neste nível de ensino, pois como geralmente o Ensino Médio tem certo direcionamento voltado para a preparação objetivando bons aproveitamentos em vestibulares e estes últimos não estão diretamente voltados para questões específicas dos lugares/locais, já era um grande desafio, sendo que com a reforma de 2017, a não obrigatoriedade da disciplina de História no Ensino Médio pode aprofundar ainda mais o possível diálogo entre a abordagem histórica em tela e o nível de ensino citado.
      Atenciosamente,
      Prof(s)
      Roberg
      Lucilvana

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  3. Boa tarde,

    Indo no mesmo viés do colegas sabendo que a falta do ensino da História Local compromete a formação da identidade histórica do sujeito, por isso, gostaria de saber como podermos trabalhar essa dimensão Local e Regional diante da fragmentação dos livros didáticos, e da má formação de professores.

    Obrigado,
    Ramires Carvalho

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  4. Caros Leandro Mayer e Ramires Carvalho, boa tarde, desde já agradecemos pelas participações!
    Com relação ao trabalho com a História Local, observamos que apesar das leis e diretrizes que regulamentam a importância do estudo desta área temática no âmbito escolar, existe uma série de dificuldades para a realização deste objetivo, vejamos alguns destas: Há uma concepção naturalizada da realidade mais próxima, processo que dificulta um olhar crítico/historiográfico dos acontecimentos da História local; Outra dificuldade comum encontrada para o trabalho com a História Local é a percepção fragmentada dos espaços e temas trabalhados, onde a história do bairro, da cidade, do estado e do país são estudadas como dimensões estanques dissociadas do resto do mundo, impossibilitando o estreitamento dos diálogos entre a realidade local e global; Podemos apontar ainda como obstáculo para o trabalho com a História local os materiais didáticos comumente disponibilizados para os professores no âmbito da educação básica, estes materiais elaborados por grupos ou estudiosos vinculados a administração local de alguns municípios, frequentemente sem formação no campo da História, produzem narrativas legitimadoras dos poderes locais, na busca de reafirmação das estruturas políticas e econômicas vigentes. Atrelada a estas dificuldades apresenta-se a ausência de uma formação docente que direcione os professores para a releitura da História local, observando a multiplicidade de espaços e documentos presentes na realidade local propulsores de novas interpretações históricas, observando, como afirma Fonseca (2012, p.242) que: “a memória das pessoas, da localidade, dos trabalhos, das profissões, das festas, dos costumes, da cultura, das práticas políticas no tempo presente e passado está viva entre nós. Nós, professores, podemos, com os alunos, auscultar o pulsar da comunidade, registrá-lo, produzir reflexões e transmiti-lo a outros”.
    Atenciosamente,
    Lucilvana Ferreira Barros
    Roberg Januário dos Santos
    Curso de História/IETU-UNIFESSPA

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  5. Boa noite!
    Inicialmente, parabenizo-os pela comunicação.
    Minha indagação é no seguinte sentido: É possível afirmarmos que a história local pode construir uma alternativa válida para superar as visões fortemente centralizadas das historiografias nacionais? Além disso, o estudo do "local" pode ser visto como uma forma alternativa de estudo ante o possível esgotamento dos grandes temas?

    Agradeço.

    Atenciosamente,
    Maikel Gustavo Schneider

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    1. Boa noite, caro Maikel Gustavo Schneider,
      Gratos pela participação,
      A história local é uma importante estratégia de ensino e abordagem histórica que pode dialogar com outras perspectivas, como a história nacional. As historiografias nacionais possuem forte poder no estudo da história, haja vista ter sido uma demanda dos chamados Estados Nacionais modernos. Todavia, importa colocar neste debate que a história local pode contribuir efetivamente para a desnaturalização do estudo da história nacional, em várias situações, pois é no local que tendemos a ver “mais de perto” os problemas que nos cercam. Assim, o nacional e o geral podem ser postos em diálogos com a história local, à medida que partindo desta última, os problemas locais podem ser “faróis” para os estudos de outras dimensões e regimes de historicidade.
      Atenciosamente,
      Profa. Lucilvana Barros
      Prof. Roberg Januário

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  6. Prezados, boa noite!

    Texto excelente para ilustrarmos a relevância do estudo sobre as localidades no cenário do Ensino de História.
    Mediante seus esclarecimentos e percebendo que todos temos dificuldades em relação aos recursos didáticos neste campo, gostaria de saber o que vocês podem dizer a respeito da produção de material didático que nos subsidie para desenvolver este trabalho em nossas salas de aula.

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    1. Olga Suely Teixeira, boa noite,
      Gratos pela sua participação,
      Cara, historicamente a grande escala de produção de livros didáticos de história não tem contemplado a história local; por outro lado, a história local tem sido, em partes, mencionada em algumas produções de livros didáticos de história dos estados ou regional. Todavia, em boa parte das cidades, os professores e professoras não possuem material didático específico sobre a história local, ocorrendo a produção de apostilas, dados, textos e encartes produzidos por órgãos da administração municipal que tentam subsidiar o conhecimento do local, mas que acabam, em vários casos, reproduzindo determinadas memórias do lugar ligadas aos grupos de poder, considerados elites e seus feitos.
      Atenciosamente,
      Profa. Lucilvana Barros
      Prof. Roberg Januário

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  7. Ótimo texto, a minha pergunta é um seguinte, sabendo que a história Local, fora de um contexto geral é apenas um fragmento da e o geral sem o respaldo das realidades locais é apenas uma abstração, neste sentido como podemos trabalhar ambas as temáticas sem polarizar o ensino História ?

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  8. Boa tarde!
    Excelente texto, e ótima discussão!
    Embora houvesse algumas inquietações, as discussões acima já responderam, mesmo assim gostaria de acrescentar que como professora de Ensino Médio e pesquisadora da História Local, há muito que ser feito principalmente quanto à formação de docentes, pois na maioria das vezes se ensina uma História cristalizada, muito distante da realidade dos alunos, tornando o conteúdo sem um real significado e as aulas desinteressantes. Dessa forma, como vocês, que atuam na formação de educadores vêem progressos nessa área?

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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