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Lara Jéssica

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ÁFRICA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Lara Jéssica Nóbrega Macêdo
Mnt. História UEMA

No Brasil, o interesse pelas temáticas referentes à História e cultura africana e afro-brasileira vem ganhando força durante as últimas décadas (ZAMPARONI, 2011). O currículo prático de sala de aula no que se refere ao ensino de História se forma pela estruturação de culturas e simbologias que se organizam pela confluência de conflitos e contradições, configurando as instancia de um currículo formal, real e oculto, (MONTEIRO, 2003, p. 10). Estas confirmações apontadas por Ana Maria Monteiro (2003) nos trazem para o cerne de discussões em que se evidenciam os fenômenos práticos de ensino tais como as incertezas, instabilidades, especificidades e crise de valores. Assim, as relações entre Docente e discente no campo escolar devem ser pensadas na perspectiva das interações com vistas à multiplicidade de interpretações e apropriações.    
Gislene Santos (2002) nos fala de uma produção de conhecimentos que caracterizam o continente africano pelo exotismo, sendo povos estranhos, horríveis e a-históricos, luz e sombra: opostos. “Se o branco representa a razão, o belo, o bom, o justo... a humanidade, ou seja, simboliza os valores desejáveis, o negro, por sua vez, pode representar a desrazão, a loucura, o feio, o injusto, a animalidade,” (SANTOS, 2002, p.280). Como bem afirma Frantz Fanon (2008) em sua clássica obra Pele Negra, Máscaras Brancas da década de 1950, o branco construiu formas complexas que estão imbuídas nos códigos, normas e valores sociais, que vem, por longos processos históricos, causando a inferiorização do negro, devido a uma suposta superioridade natural dos indivíduos brancos.
Os intelectuais africanos e africanistas vem realizando profundas reflexões sobre a universalização da condição existencial do ser negro, que não corresponde à ideia que os povos africanos possuem de si mesmo, causando estranhamento tal pensamento. A circunscrição sobre o ser negro não permite a que se criem outras possibilidades de existência, sobretudo, construindo formas que vão para além da ideia de raça e compreensão da diferença, (MBEMBE, 2014).  Deve-se considerar que existe uma epistemologia construída pelos ocidentais que marginaliza e empobrece o continente africano. Com isso, a África é imersa em profundo desconhecimento que ocorre de forma consciente e inconsciente pela Europa, (MUDIMBE, 2013). “Ou seja, Mudimbe (2013) oferece uma vívida descrição de uma situação acadêmica, ressaltando que a África tem sido frequentemente uma vitima do etnocentrismo epistemológico europeu“, (LIMA, 2015, p. 24).
A epistemologia eurocêntrica pode ser entendida como uma estrutura ideológica que fornece uma visão deturpada sobre o europeu e os povos africanos, percebendo os europeus como raças superiores e os africanos inferiores na medida em que seus reinos possuíssem características culturais diferentes das sociedades europeias E um dos principais mecanismos para perceber e enfatizar estas diferenças seria a cor da pele, (BARBOSA, 2008).  
 O pensamento eurocêntrico tem nas suas bases a crença de que a Europa ocidental seria um desejável modelo a ser seguido por todos os povos existentes, e isto foi corroborando para a construção de representações negativas sobre as sociedades africanas. Estas por sua vez, foram homogeneizadas, rotuladas como bárbaras, demoníacas e inferiores à cultura europeia, devido a uma suposta ordem natural de progresso no qual todos os povos estavam inseridos (FEIRMAN, 1993). No entanto, as culturas do continente africano não correspondem aos estereótipos e arquétipos construídos historicamente pelo mundo europeu. As representações sobre o africano revelam muito mais a posição de quem fala (europeus) do que sobre quem se fala (africanos).
  A historiografia do continente africano referente à escravidão, por exemplo, constrói representações diferentes sobre os sujeitos africanos (MBEMBE, 2001). Nos últimos anos as produções historiográficas tem contribuído com pesquisas e reflexões, sobre a estrutura da escravidão no continente africano e como ela se redimensiona com a abertura do Atlântico. Estes pesquisadores deram a possibilidade de enxergar que o continente africano, por ser habitado por diferentes povos, possui estruturas escravistas diferentes e que estão interconectadas. Desse modo, as relações estabelecidas entre os povos africanos com os europeus são percebidas por múltiplas dimensões, contribuindo para superação da perceptiva bipolarizada e extremista caracterizado entre dominador e dominado.
De acordo com Anderson Oliva (2003, 2004), pensar África está diretamente ligado ao conjunto de imagens que formam nossa identidade brasileira enquanto sujeitos negros, que lutam diariamente por espaços nesta sociedade historicamente excludente, para terem seus direitos respeitados e, também, para terem sua ancestralidade reconhecida e valorizada em todos os segmentos que constitui uma sociedade multicultural.
A Consciência que forma a individualidade se constitui em um processo de inter-relação com a História enquanto disciplina que se configura no plano prático das relações sociais, então, como bem afirma Estevão C. de Rezende Martins (2011), a História forma os sujeitos na mesma medida em que é construída por estes. Deste modo, cada agente se constrói pela interação entre os valores culturais e conhecimentos da sociedade na qual está inserido com seu posicionamento singular sobre as práticas e mecanismos que formam tais símbolos e significante social (MARTINS, 2011, p.11).
Stuart Hall (2005), ao refletir sobre a formação das identidades modernas, percebe que estas se encontram em crise, pois suas bases de construção estão situadas nas contradições, fragmentações, multiplicidade, e constantes mudanças (HALL, 2005). Em meio ao processo de ebulição e fragmentação das identidades estas se formam pelos mecanismos de interação, diferenciação e afirmação (HALL, 2005, p.9).   Pierre Nora (1981) nos explica que a História enquanto uma forma de memória se apresenta nos livros didáticos com conteúdos que estão imbuídos por mecanismos que influenciam na formação e marginalização de certas identidades em detrimentos de outras, (NORA, 1981).  
Hebe Maria Mattos (2009) nos proporciona pensar que uma educação voltada à formação de cidadão e que aborde os temas transversais adotados no ensino básico pode se tornar um grande meio de luta contra as formas de discriminação racial no Brasil, educando, deste modo, com vistas ao respeito e tolerância às diferenças étnico-raciais, culturais, religiosas e de tradições (MATTOS, 2009). Deste modo, é com as memórias da escravidão moderna, e as experiências de racismo que as identidades de homens negros e mulheres negras vêm sendo forjadas em sala de aula. A forma como os livros didáticos vêm trabalhando os conteúdos relacionados a História e cultura dos povos africanos ainda é marcada por simplificações que caem na reprodução de estereótipos que reduzem e inferiorizam certas culturas, hierarquizando as identidades e com elas os seus sujeitos, (MATTOS, 2009).

Referências
BARBOSA, Muryatan S. Eurocentrismo, História e História da África. Sankofa: revista, de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, p. 46-62, 2008.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas.Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
FEIRMAN, Steven. African History and the dissolution of the World History. In.: BATES, R.; MUDIMBE, V.Y.; O´BARR, Jean. Africa and the Disciplines. The contribution of research in Africa to the social sciences and humanities, Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
LIMA, Claudia Silva. “A Razão (Não) Tem Cor?”: Sobre Filosofia Africana e a crítica da Razão Negra.  São Luís: UFMA, 2015. 
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. São Paulo: PUC, 1981.
MATTOS, Hebe Maria; ABREU, Martha, SOIHET, Rachel (orgs). O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: Ensino de História: conceitos, temáticos e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, p. 127-138.
MARTINS, Estevão C. de Rezende. História: consciência, pensamento, ensino. In: Educar em revista, Curitiba: UFPR, n. 42, 2011, p.48-58.
MEBEMBE, Achile. Crítica da Razão Negra. Portugal: Antígona Editores, 2014.
MUDIMBE, Valentin Y. A Invenção da África: Gnosis, Filosofia e a ordem do conhecimento. Edições Pedago LDA, 2013. Disponível em: https://teorigrafia. Files. Wordpress.com/2015/06/mudimbe-v-y-a-invenc3a7c3a3o-de-c3alfrica-2-pp-01-41.pdf…Acesso em: 3 dez. 2015.
MONTEIRO, Ana Maria F.C. A História ensinada algumas configurações do saber escolar. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África em perspectiva. Revista Múltipla, Brasília, ano 9, v.10, n.16, jun. 2004. p. 9-40.
______. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-asiáticos, 2003, v.25, n.3, p.421-461.
SANTOS, Gislene Aparecida dos. Selvagens, exóticos, demoníacos: ideias e imagens sobre uma gente de cor preta. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v.24, n. 2, 2002.
ZAMPARONI, Valdemir. A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252007000200018&script=sci_arttext> Acesso em 20 nov. 2011.

3 comentários:

  1. Lara, parabéns pelo texto. É fundamental as discussões que foram levantadas. No seu ponto de vista, como o ensino de História deve ajudar na visibilidade do negro na identidade brasileira e no combate aos preconceitos criados pela falta de entendimento do assunto?

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  2. Olá Talita Mesquita, obrigada pelo seu comentário. Em um primeiro momento o professor deve problematizar as representações do livro didático que são mostradas em forma de mapas, gráficos, imagens e conteúdos escritos. O modo como a História dos povos africanos vem sendo apresentada e colocada nos sugere que é de fundamental importância à busca por novas leituras por parte do professor, para que assim, no processo de desconstrução das representações negativas sobre o negro e sobra a História dos povos africanos, o docente venha a apresentar e problematizar novas percepções em sala de aula. Nos últimos anos tem se emergido com maior intensidade referências que nos possibilitam falar com maior propriedade estas questões. Deste modo, refletir sobre a historicidade e dissociar conceitos como os de cultura, nação, grupos étnicos, identidades, raça e civilização poderá ajudar no inicio do processo de superação de um ensino de História como reprodutor das desigualdades raciais.

    Lara Jéssica Nóbrega Macêdo

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