José Ribamar Santos de Almeida
Prof. Mnt. UEMA
“A África tem uma História”
Joseph Ki- Zerbo
“O que sabemos sobre a África?” É com esta pergunta inquietante e profunda que Oliva (2004), nos interroga no seu artigo a História da África nos bancos Escolares. Estudamos a história ainda em uma perspectiva linear e eurocêntrica onde primeiro vem a Idade antiga, Idade Média, Idade Moderna e a Idade Contemporânea sempre privilegiando as marcas ou representações da Europa como modelo “Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? (OLIVA.2003, p.429). O que ainda hoje encontramos sobre a África são representações construídas historicamente e de forma estruturada ao longo dos tempos, a partir de lentes europeias.
Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraente, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos na tentativa de modificar o ensino da história. (OLIVA,2003, p 425).
A imagem dos africanos construída pelo Europeu são “movimentos imagéticos”, construídos deste da Antiguidade Clássica com variações ao longo do tempo como coloca OLIVA, em “Lições sobre a África”. Pelo “espelho” europeu na Antiguidade Clássica os africanos eram “o Outro/Estranho/Negro” e a África era vista nesta perspectiva como, “ausente de civilização e de desenvolvimento” esta visão foi fortalecida pelos relatos dos viajantes que influenciaram muito as concepções do mundo ocidental, os africanos teriam “formas animalescas, status demoníacos, praticas antropofágicas”.
Ao longo do período do ‘trafico de almas, corpos e culturas”, os africanos são vistos como escravos, primitivos, selvagens, inferiores, tribais “, imagem fortalecida pela literatura e pelas produções cinematográficas e muito recorrente nos livros didáticos.
Estas construções pensadas historicamente nos influenciam até o momento atual, o que coloca como muito importante esta obra sobre a História da África como um as ferramentas fundamentais para os professores preparem suas aulas como coloca, LIMA; “O fato de trazer uma história da África escrita em sua maior parte por autores africanos, numa obra de alcance internacional, também contribui para que se construa um olhar mais respeitoso sobre a produção de conhecimento no continente
O ensino de história no Brasil cientificamente teve início no século XIX, com característica fundamentalmente positivista, o privilégio de heróis e datas condizia com os interesses de formação de “História-nação”. Esse quadro sofre algumas mudanças como coloca Oliva(2003),” os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os livros didáticos.”, outro momento que apontava para uma mudança ou melhor para o estudo do continente Africano ocorre segundo oliva (2003) “anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História temática. “. No entanto o que o autor conseguir perceber foi, ” Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas coleções didáticas de História no Brasil. Das vinte coleções compulsadas pela pesquisa, apenas cinco possuíam capítulos específicos sobre a História da África. (Oliva,2003, p429.) é o que tem prevalecido ainda na maioria dos livros didáticos conclui Oliva “Reproduzimos em nossas ideias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro.”. A desconstrução deste olhar sobre a África e os africanos não é tarefa simples pois como coloca Oliva (2003, p433).
Seria plausível afirmar que os olhares sobre o Outro estariam impregnados do “estranhamento”, da dificuldade de emprestar significados e aceitar as diferenças
O psiquiatra negro Frantz Fanon,ao investigar os impactos psicológicos do processo de dominação europeia na África, afirmava que “o negro nunca foi tão negro quando a partir do momento em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo africano Kwame Appiah confirma a ideia de que “a própria categoria do negro é, no fundo, um produto europeu, pois os ‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-los” (Appiah, 1997:96).
A manutenção dessas concepções ou estranhamento não foram construídas no século XIX, elas datam de longas datas e construídas historicamente, Oliva lembra que: “Heródoto, em sua História, deixou registrada sua impressão acerca dos africanos, em um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica descritiva ele afirmava que “os homens daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos” (Heródoto, 1988: 95, 361).
E continua aponta que “Ainda na Antiguidade, o geógrafo alexandrino Cláudio Ptolomeu, baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua
Geografia a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos contornos da África” (Djait, 1982: 119). A África não passaria da região do Equador e o clima abaixo dele seria insuportável. Sua cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos medievais.
O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja população descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém e a Ásia, local dos filhos de sem netos de Noé, à direita. Ao Sul aparece “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé” (Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte do território da Arábia, do Egito e da Etiópia.
Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África, abaixo do Saara, os estranhamentos e os olhares preconceituosos continuam. No século XV, duas encíclicas papais— a Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de
Portugal de despojar e escravizar eternamente os Maometanos, pagãos e povos pretos em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o imaginário dos navegantes iria sobreviver, de forma diversa, nos séculos seguintes.
A história do continente africano é fundamental para entendermos a própria história do Brasil pois como apontam vários autores a participação dos africanos foi fundamenta para a formação da cultura brasileira ou as culturas brasileiras como coloca Fernandes (2005, p.379) O mais correto seria falarmos em “culturas brasileiras”, ao invés de “cultura brasileira”, dada a pluralidade étnica que contribuiu para sua formação.
Apesar da influência marcante da cultura de matriz europeia por força da colonização ibérica em nosso país, a cultura tida como dominante não conseguiu, de todo, apagar as culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o colonizador europeu deixou-se influenciar pela riqueza da pluralidade cultural de índios e negros. No entanto, o modelo de organização implantado pelos portugueses também se fez presente no campo da educação e da cultura.
A escola diante desse quadro precisa aprender a conviver com a diversidade cultural pois o conhecimento sobre a suas raízes históricas pode contribuir com a formação de jovens mais consciente e confiantes do seu papel na História por outro lado do contrário o número de evasão pode ser cada vez mais como coloca Fernandes (2005, p381);
Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas, têm demonstrado o quanto nossa escola ainda não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas. A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores: conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo docente das escolas diante de crianças negras e brancas.
As mudanças no ensino de História são necessárias mais gradual pois como coloca Flores (2006), que as estruturas curriculares dos cursos de graduação em História, no Brasil, ficaram, por muito tempo, presas ao foco eurocêntrico dos conteúdos historiográficos. Esta cultura escolar viria a ser enfrentada somente depois da Constituição de 1988, que tornou possível a criminalização do racismo no Brasil. O próprio Flores reconhece a necessidade de rompermos com o eurocentrismo e a visão quadripartite da historia E lembra que Braudel como o mais influente das Escola dos Annales apresentou uma proposta nessa direção;
Entretanto, faça-se justiça aos historiadores franceses, pois Fernand Braudel (1902-1985), o mais influente deles, iria propor um ensino de História mais pluralista e menos etnocêntrico. Em vez de idades cronológicas, pensou-se em durações, economias, cultura material, povos, capitalismo triangular. Tendo sido residente e pesquisador na África mediterrânica e observador atento do processo de descolonização da África, na década de 1960, Braudel escreveu um livro para jovens estudantes, inserindo nas suas análises “o continente negro” e explicando as tendências do tempo presente na “África Negra de hoje[1963] e amanhã”. Suas observações sobre as diásporas africanas estimulam a pesquisa e o ensino de temas africanistas: “é de notar-se o fato, importante para o mundo negro atual, de que existem Áfricas vivas no Novo Mundo (Flores, 2006, p.69).
Considerações finais
Como apresentamos o estudo do continente africano e muito importante para o conhecimento da própria História do Brasil para além de representações de cunho somente europeu, pois somos um pais de composição racial, ” ... Brasil tenha o maior contingente de afrodescendentes do mundo"(Zamporoni,2007), Os estudos que antes se referiam a questão racial produziu um paradoxo segundo Zamboni (2007),” tínhamos negros e até mesmo africanos, mas nada da África. ...no ensino brasileiro no qual, com raras exceções, a presença negra estava restrita a algumas lamúrias nas poucas páginas dedicadas à escravatura e a África e os africanos – mas também a Ásia – apareciam não como possuidores de historicidade própria, mas como meros apêndices na história da expansão europeia”.
Referências bibliográficas
APPIAH, Kwame Anthony. A invenção da África. In.: ______. Na casa de meu pai. A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
BRAUDEL.Fernand ., Gramática das Civilizações, São Paulo, Martins Fontes, 1989.
DJAIT, H. (1982). "As fontes escritas anteriores ao século XV". In J. Ki-Zerbo (org.), História geral da África: metodologia e pré-história da África. vol. I. São Paulo/Paris, Ática/Unesco,
FANON, Frantz (1983). The wretched of the earth. Harmondsworth, Penguin.
FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural: desafios e possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set. /dez. 2005.
FLORES, Elio Chaves. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana. Tempo, v. 11, n. 21, 2006.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-asiáticos, 2003, v. 25, n. 3, p.421-461.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África em perspectiva. In.: Revista Múltipla, Brasília, ano 9, v. 10, n. 16, jun. 2004.
HAMA, Boubou; KI-ZERBO, J. Lugar da história na sociedade africana. In.: KI-ZERBO, J. História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. rev. e amp. Brasília: UNESCO, 2000.
BÂ, A. Hampaté. A tradição viva. In.: KI-ZERBO, J. História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. rev. e amp. Brasília: UNESCO, 2000. (Rapaz)
ZAMPARONI, Valdemir Donizette. A África e os estudos africanos no Brasil. Ciência e Cultura (SBPC), v. 59, 2, 2007.
ZAMPARONI, Valdemir Donizette. A África e os estudos africanos no Brasil. Ciência e Cultura (SBPC), v. 59, 2, 2007.
Boa tarde! Muito bom seu estudo.
ResponderExcluirEu pesquiso a cultura afro-brasileira aqui no Rio Grande do Sul. Tenho muitas dificuldades por ser um Estado com forte influência ítalo-germânica.
Qual a sua maior dificuldade para realizar seu estudo de etnia em seu Estado?
Olá espero que estejam todos Bem!
ResponderExcluirNos últimos anos venho percebendo que alguns professores ao tentar desconstruir o eurocentrismo acabam por cair na armadilha de um afrocentrismo,então gostaria de saber como na sua opinião devemos abarcar as diversas visões de mundo e de História sem supervalorizar em demasiado certos povos em detrimento de outros!
Davis Alves dos Santos
Boa tarde!
ResponderExcluirEu também trabalho com está temática parabéns pelo trabalho, eu gostaria de saber se você já elaborou uma proposta curricular menos eurocêntrica e mais plural, e quais elementos você utilizou para isso?
Darlã, muito oportuna a sua pergunta.
ResponderExcluirO Maranhão, é um Estado de maioria negra, entretanto o reconhecimento de tal situação foi por muito tempo negada ou escamoteada. Muitos preferiam ser chamados de “marrom”, “mulatos”, etc. Mas essa situação está relacionada com a falta de reflexão sobre a história do negro no Brasil e o debate sobre a história da África, como colocou a prof. Iraneide Soares da Silva, durante a aula inaugural do primeiro curso de graduação Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros, o primeiro a ser criado no país, na UFMA. Como dificuldade, poderia apontar a falta de preservação ou mesmo existência de locais de memória sobre a participação do negro na construção da História do Maranhão. Algumas ações tem sido feitas para melhorar as pesquisas, como a criação do museu afrodigital(http://www.museuafro.ufma.br/site/) e o trabalho nas escolas tem sido percebido pela valorização da identidade e traços negros entre os jovens, ou seja estamos caminhando e o resultado poderá aparecer em futuros trabalhos de pesquisa em gestação na academia e nos bancos escolares.
Olá, gostaria de parabeniza-lo, gostei muito discussões trabalhadas e levantadas em seu texto. Convido você a falar mais um pouco sobre como o professor deve trabalhar em sala de aula os conteúdos referentes à África que estão no livro didático, e que são na sua maioria das vezes, representações eurocêntricas.
ResponderExcluirLara Jéssica Nóbrega Macêdo
Ribamar, boa noite!
ResponderExcluirNo que diz respeito a história da ÁfricaN no currículo de História, quais seriam as possibilidades para tratar do assunto com propriedade e o devido reconhecimento, já que o currículo de História baseia-se no modelo eurocêntrico?
Atenciosamente,
Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes