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José Lúcio

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA
PORQUE SE ESTUDA A HISTÓRIA ANTIGA PRIMEIRO?
José Lúcio Nascimento Júnior
Mestrando em História- PPGH-UERJ

Todo o início do ano sempre me vejo frente às seguintes perguntas: O que é a História? Para que serve? Por que devo estudar? Para solucionar a estas e outras perguntas resolvi demonstrar para os alunos que a Ciência Histórica também possui a sua história; ou seja, que a História não foi sempre assim como a vemos hoje, mas que havia passado por modificações. O que proponho neste espaço consiste em uma brevíssima viagem pela história da História (também conhecida como história da Historiografia) e a pela definição de seus objetos e campo de pesquisa, tal como apresentada aos alunos no início do ano letivo.
Alguns estudos atribuem a invenção do fazer da História ao filósofo grego Heródoto (485-420 a. C). Com este pensador, a História tornava-se a investigação dos fatos. O seu primeiro objeto de estudo foi o conjunto de guerras que os gregos se envolviam e havia vencido ao longo do século V a. C. O seu desejo consistia em mostrar os fatores que explicavam a vitória dos gregos sobre os persas; para tanto, Heródoto estudou o império Persa, fazendo uma grande pesquisa através de testemunhos.
Como em História sempre há um bom debate, ainda no século V a. C, surgiu outro filósofo que buscou explicar a realidade da Grécia: era Tucídides (460-400 a. C.). Para esse grego, ao contrário do que preconizava Heródoto, a investigação histórica tinha que ser feita com base em relatos para se chegar a uma verdade imparcial. Cabia ao historiador compreender as causas e explicar os fatos de forma concisa. Desse modo, surgia na Grécia o primeiro debate sobre o objeto, o objetivo e o modo operante da História.
Dos primeiros historiadores gregos até o século XIX pode-se dizer que os historiadores se preocuparam em registrar os feitos dos reis, e dos heróis de guerra e dos grandes homens que serviriam de exemplo para a população. Da Idade Média ao fim da Idade Moderna, a História, assim, serviria de modelo para a ação dos governantes e de exemplo para a população. Esse modelo de História seria chamado de História Magistra Vitae (ou História Mestra da Vida). Na Alemanha, esse modelo teria chegado ao fim do século XVIII; para a França esse modelo teria chegado ao fim do século XIX. Isso mostra, que em cada país as transformações no fazer História ocorreram de forma diferente.
A História enquanto ciência teve seu desenvolvimento ao longo do século XIX. Para os historiadores, desse período, o ofício do historiador era uma ciência seguindo o modelo da Física (vista como a maior das ciências na época), possuindo um objeto, métodos e técnicas de pesquisa. O primeiro historiador a mudar o olhar sobre a História foi o alemão Leopold Von Ranke (1795-1886).
Para Ranke cabia ao historiador levantar o maior número de documentos escritos (fontes primárias) para se chegar à verdade dos fatos. Tais fatos seriam apresentados sob a forma de uma narrativa elencando os principais eventos apurados e seu desenrolar. Além disso, Ranke defendia que a História deveria ter como objeto as relações internacionais e a ação do Estado, daí o privilégio as fontes escritas produzidas pela Estado ou organismos oficiais. Em um único estilo vemos a memória de dois tipos de História: a de Heródoto e os fatos exteriores, e a preocupação com as fontes e a verdade neutra de Tucídides.
A História, enquanto ciência, analisava a evolução da história da humanidade, do início até os dias atuais, essa entendida como a sociedade ocidental europeia. Ou seja, pelo surgimento e evolução da civilização europeia, tendo seu início no Oriente Próximo e passando a se desenvolver pela experiência das sociedades greco-romanas. A História deixava de fora as transformações ocorridas na África Subsaariana, no Extremo Oriente e nas Américas, demonstrando como a essa ciência possuía uma visão eurocêntrica do desenvolvimento da história humana.
Foi também no século XIX que foram divididos os períodos da História. Tal divisão tinha por objetivo de facilitar o estudo histórico e foi estabelecido os seguintes recortes temporais:
# Pré-história: período da história onde os povos não conheciam a escrita; assim, por não deixar documentos escritos não seria possível estudá-los, sendo eles domínio da Arqueologia e de outras ciências. O fim desse período passou a ser marcado pelo surgimento da escrita na Mesopotâmia por volta do ano 3.600 a. C.
# História: seria o período em que os povos conheciam escrita; esse período seria dividido em duas outras maneiras. A primeira pelo nascimento de Cristo (visto como Messias das religiões cristãs, que são a maioria absoluta no ocidente); o segundo, por períodos que refletiam o olhar e fatos marcantes na história europeia.
Esses períodos são: Antiguidade ou História Antiga (que vai de 3600 a. C., com a Invenção da Escrita, até 476 d. C., com a Queda do Império Romano do Ocidente).  Medievo ou Idade Média (que vai 476, com a Queda de Roma ocidental até 1453, com a Queda de Constantinopla, ou seja, Roma Oriental); Modernidade ou Idade Moderna (que vai de 1453 com a queda de Constantinopla até 1760 com a Revolução Industrial para os ingleses ou até 1789, marco francês, com a Revolução Francesa. O período que se seguia era a Contemporaneidade ou Idade Contemporânea (que era o período que se iniciou no final do século XVIII e iria até os dias atuais.
Cabe ressaltar que iniciar os estudos de História pelo surgimento do homem e pela chamada Pré-História não é algo que ocorreu aleatoriamente. Pode e deve ser demonstrado historicamente, até mesmo, para que nossos alunos compreendam porque estudar sociedades que parecem tão distantes temporalmente. Tal definição se mostrou tão forte que até hoje aparece em grande parte dos livros escolares, sendo largamente utilizada dentro e fora dos meios acadêmicos.
Por fim, como o sentido de uma história linear nos remete ao pensamento de Ranke no século XIX, pensamento esse que não foi de todo superado na historiografia, nem pela história ensinada na escola. Destarte, ao longo do século XX foram desenvolvidas outras formas de se fazer a História e de defini-la, seja como ciência, seja de outra maneira. Mas, esse estudo ficará para outra oportunidade.

Bibliografia
BORGES, V. P. O que é História?SP: Brasiliense.
BURKE, P. O que é história cultural? RJ: JZE, 2005.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2014
HOBSBAWM, E. J. Sobre História – Ensaios. SP: Cia das Letras, 2004.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006.

18 comentários:

  1. primeira questão:
    como ocorreu a separação dos períodos históricos e como os "historiadores" definiram o intervalo de cada período, por exemplo, pré-história para idade Média, etc?

    Nome: Maria Gabriela da Silva Lima.

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    1. Gabby Dickinson.

      Essa separação pode ser vista no renascimento (séculos XIV-XVI); ao definirem com renascentistas, ou seja, ao fazerem renascer a cultura clássica greco-romana, os europeus já indicavam que o período entre a Antiguidade Clássica e o Renascimento (vista pelos renascimentistas como início da Idade Moderna) era um meio do caminho entre ambas, logo Idade Média. O período da Idade Média por muito tempo foi visto como idade das trevas, por ser considerado em espaço de tempo de pouco desenvolvimento artístico e científico; posição que tem sido revista desde a década de 1980.

      Quando a história buscava seu estatuto de ciência no século XIX, na Europa, os historiadores perceberam que a sociedade que eles viviam era diferente da vivida até as Revolução Francesa (para os franceses) e Industrial (para os ingleses); então passaram a chamar aquele período de idade contemporânea (momento que se vivia ao mesmo tempo). E o período em que as sociedades não conheciam a escrita ficou conhecida como pré-história, pois não era possível, na visão dos historiadores daquele momento estudar o passado de povos que não haviam deixado documentos escritos; tal estudo ficava a cargo da Arqueologia.

      Essa forma de pensar e dividir a História era utilizada por esses historiadores e por eles ensinada. Sua força como modelo explicativo foi tão forte que até hoje ainda existem livros que utilizam essa forma de dividir o tempo histórico. Como busquei te explicar, essa periodização partiu da vivência e da experiência prática, mas inda hoje é vista na escola.

      Vamos a segunda pergunta então.

      Espero ter respondido.

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  2. Olá! Ótima Análise!
    Na sua opinião como o professor pode estabelecer uma relação em sala de aula, da história antiga com os fatos históricos sociais atuais?
    Att. Patrícia Hadlich

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    1. Boa tarde, Patricia Hadlich.

      Agradeço sua opinião. Quanto a questão do uso da comparação, vejo como positiva. Porém, temos que tomar cuidado com o anacronismo.
      Lendo Hans Grumbrecht recentemente, percebi que ele propõe uma saída interessante: Ao ministrar uma aula o professor age produzindo sentido; assim, a comparação, ao meu ver, deve estar ligada ao sentido que se deseja produzir. Acrescido a isso, não podemos deixar de estabelecer as semelhanças e diferenças, e ressaltá-las para que o discente consiga perceber as diferenças entre as duas temporalidades.

      Espero ter respondido. Caso não complemente a pergunta e vamos continuar o debate.

      José Lúcio

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  3. Olá José,

    A concepção definida acerca de 'Pré-História' já é questionada por alguns autores, visto que, a escrita não á mais considerada a única forma de documento que os povos desse, assim chamado, período possuíam. Existem outros teóricos que defendem também uma ampliação dessa divisão. Na sua opinião, qual a contribuição dessa divisão historiográfica para o cotidiano escolar?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Boa tarde, Maicon.

      Como ferramenta didática ela ainda apresenta seu valor. Mas, tal como proponho no texto, essa divisão deve ser apresentada e questionada.

      Quanto a outros autores, o Jacques Le Goff, o Roger Chartier e o François Dosse tratam da questão.

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  4. Olá!
    Qual outro outro marco, define a história da pré história além da escrita?
    Obrigado
    Jônatas Fernandes Pereira

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    1. Boa noite, Jônatas.

      A documentação encontrada e a cultura material pode ser uma forma de pensar a pré-história, apesar de ser um conceito superado. A escrita é o grande divisor, não atoa este marco está sendo revisado.

      Espero ter respondido a questão.

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  5. Olá, confesso que esperava uma desconstrução em sua análise de o porque se estudar a história antiga primeiro. Mas, compreendo seu raciocínio e gostaria de saber se para você é possível em seus estudos e em sala de aula aplicar outro modo de estudo e/ou análise histórica. Acredito que sim, mas gostaria de saber sua opinião.
    Obrigada!

    Talita

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    1. Boa noite, Talita.

      Esse texto surgiu em uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental e foi modificado algumas vezes. Apesar de partir de uma perspectiva tradicional para questiona-la, esse texto serve para orientar o aluno em seu estudo sobre o início dos estudos históricos

      Quanto a outras formas, poderíamos recorrer a discussão sobre anacronismo ou partir de questões ligadas ao tempo presente para pensar o passado; são saídas de relevância e com possibilidades. Por exemplo: eu tenho um amigo que trabalha com análise de minisséries, ele sempre parte de um tema das séries para ir para pensar a História; eu já utilizei filmes e programas de televisão para gerar a curiosidade.

      Espero ter respondido sua questão.

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  6. Olá José Lúcio! Sabemos que no ensino de História o ideal é não dar a impressão de que a História humana é uma sucessão de fatos, um após o outro, separados por divisões bem definidas e hierarquizadas. Realmente isso engessa o conhecimento histórico e passa uma falsa impressão de precisão e ritmos bem definidos. Porém, surge a minha pergunta: Diante da heterogeneidade de uma sala de aula, com alunos em diferentes níveis de percepção, assimilação, criticidade e interesse, o que você me diz sobre o uso de recursos como linha do tempo e pirâmide social? Embora sejam métodos antigos e já muito criticados, você acredita que ainda há possibilidade de uso de tais ferramentas de ensino?

    Oscar Martins Ribeiro dos Santos

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    1. Oscar, boa noite.

      Não acredito que uma ferramenta deva ser descartada apenas por ser tradicional. No caso da linha do tempo e da pirâmide social acredito sim que possa ser utilizada; eu mesmo ainda utilizo a linha do tempo e a cronologia, porém sempre indicando que são ferramentas e que elas não dão conta da realidade como um todo.

      Por exemplo, esse mês iniciei o período entre 1889 - 1930 no Brasil; a primeira discussão foi sobre o nome do período: "Primeira República ou República Velha"; na segunda aula, recorri a cronologia do período para, na aula seguinte, trabalhar o primeiro tema "Os conflitos políticos entre 1889-1898"; Esse conjunto de aulas irá finalizar em maio com um projeto sobre o Modernismo nos anos 1920, mas utilizei diferentes ferramentais como suporte para análise que vinha apresentando aos discentes.

      Espero ter respondido a questão proposta.

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  7. Boa tarde estuda a historiaantiga pra melhorar melhor o presente pois para os historiadores a história era vista como uma das maiores ciências na época onde possui um objeto métodos e técnicas de pesquisa onde o primeiro historiador a mudar o olhar sobre a história foi leopoldvon rank enquanto o texto e a ciência o que o que a história analisava?

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    1. Boa noite, Juscilândia.

      Para Ranke, a história como ciência analisava a ação dos governantes e do Estado-Nação; lembre-se que no século XIX vivia-se a formação do Estado-Nação e a História Política era a que dominava os estudos; isso não significava que estudos sobre temas sociais e culturais não eram feitos, apenas que não eram os mais valorizados. Esse estudos partiam de fontes escritas, geralmente produzidas pelo próprio Estado, como fonte de estudo.

      Espero ter respondido a questão proposta.

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  8. Boa tarde estuda a historiaantiga pra melhorar melhor o presente pois para os historiadores a história era vista como uma das maiores ciências na época onde possui um objeto métodos e técnicas de pesquisa onde o primeiro historiador a mudar o olhar sobre a história foi leopoldvon rank enquanto o texto e a ciência o que o que a história analisava?

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  9. professor jose nos sabemos que a historia nao se trabalha com uma verdade absoluta,principalmente em historia antiga. porem quando a gente esta na sala de aula isso pode ser um problema principalmente para a comunidade crista, que tem a biblia como a verdadeira absoluta, e imutavel, entao mestre como conciliar isto? o que pode ser verdade absoluta e o que nao e?

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  10. Boa Noite, Halana.

    Obrigado pelo comentário. A teoria pode servir de base para pensar como trabalhar com os alunos.

    Espero ter respondido a questão.

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  11. Boa noite, William.

    Nada é uma verdade absoluta em história. Por exemplo, já trabalhei, anos atrás, em uma colégio confessional. O que dizia para os alunos era que a história produz um olhar sobre os fatos e a religião outra, às vezes complementar, às vezes contraditórias.

    Hoje, tenho alunos que partem das novelas da televisão aberta para fazerem seus questionamentos sobre períodos históricos. Outras partem de séries e filmes disponíveis em "tv a cabo" e plataformas digitais. Tomo como exemplo um aluno que assistia "Outlander", série que trata da História da Escócia e da Inglaterra no Século XVIII com mudanças de tempo para o período Entre Guerras, lembro de não saber responder todos os questionamentos que foram feitos, mas de perceber que teria que estudar mais sobre o período da série.

    Para finalizar, William, diria que a melhor forma de evitar o conflito é delimitar os campos de ação da História e da religião. Mostrar para os discentes que o conflito é saudável e que a História pode auxiliá-los a melhor compreender questões da bíblicas ou de qual quer outra religião.

    Espero ter respondido a questão proposta.

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