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Jorge Luiz; Maycon André

MULHERES EM CENA: NARRATIVAS HISTÓRICAS E A INVISIBILIDADES DAS MULHERES NO FILME GERMINAL
Mr. Jorge Luiz Zaluski
Mnt. Maycon André Zanin
PPGH-UNICENTRO

Pode-se afirmar que nos últimos anos existiu o crescimento da utilização do cinema como suporte pedagógico. No Brasil, por exemplo, a lei 13.0006/2014, acrescenta no parágrafo 6º ao artigo 26 da Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996, a obrigatoriedade da exibição e discussão de ao menos duas horas mensais de filmes nacionais. (BRASIL, 2014)
Para Edileuza Penha de Souza, “[...] tem-se intensificado o número de programas educativos e formativos em que o cinema é utilizado como um dos aparatos tecnológicos da educação.” (SOUZA, 2006, p, 09) Vive-se em um contexto em que diferentes mídias são produzidas e reproduzidas. Utilizar o cinema como suporte pedagógico permite a problematização dos temas abordados, narrativa, dentre outros elementos que compõem a produção cinematográfica. Logo, tais investigações possibilitam que os/as estudantes possam compreender sobre diferentes produções visuais dos mais diversos contextos. Diante disso, Marcos Napolitano nos informa que, “[...] os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar. O importante é o professor que queira trabalhar sistematicamente com o cinema se perguntar: qual o uso possível deste filme?” (NAPOLITANO, 2008, p, 12)
Para tanto, com o objetivo de apresentar contribuições de caráter multidisciplinar, será feita uma breve análise do filme Germinal, pautando-se preferencialmente na narrativa sobre as mulheres apresentadas em algumas cenas. Buscamos problematizar as desigualdades de gênero reproduzidas no filme, pois essa produção é constantemente indicada em livros didáticos de história e sociologia para ser utilizada em abordagens sobre a Revolução Industrial. Nossa escolha por esse filme consiste na problematização de que mesmo apontada nos manuais, ela carece da investigação para orientar os/as profissionais que optarem pela obra.
O filme Germinal, sobre a direção de Claude Berri (França,1993), ganhador do Prémio César (1993) e com várias indicações ao Oscar, adaptado da obra de mesmo título, do escritor Émile Zola, que trata sobre a França no contexto da assim chamada Revolução Industrial. Permite estabelecer relações entre características da sociedade da época junto às teorias e análises sobre alguns dos mais relevantes autores que trabalham sobre o tema.
A trama apresentada versa sobre a história de uma família composta pelos personagens, Maheude (mãe), Toussaint Maheu (pai), Vincent Maheu – Boa morte (avó), e pelos/as filhos/as, Catherine, Estelle, Zacharie, Lénore, Henri, Alzire e Jeanlin, que vivem de aluguel nos cortiços da empresa Vourex. Mineradora em que trabalham os homens, filhos e Catherine. Tanto no trabalho quanto em casa, vivem em situações precárias de saúde, vestimenta, alimentação, dentre outras condições que informam que as condições salariais favoreciam a miséria que levavam. Ainda no filme, Étienne, viajante desempregado que buscava por melhores condições de vida. Como protagonista, durante a história narrada é apresentado de duas maneiras. Na primeira, como um observador de todas as dificuldades e problemas enfrentados pela família Maheu e os/as demais trabalhadores/as. Segundo, por ser um dos poucos letrados, e com influências de leituras marxistas, trajando seu casaco vermelho, é apresentado como um fervoroso manifestante em prol da situação daquelas pessoas. Ao desencadear uma greve, são realizados alguns conflitos, e como o próprio nome diz, o germinar da manifestação e a luta por direitos. O filme não informa se as manifestações trouxeram contribuições para os/as participantes, acaba deixando a dúvida se os/as trabalhadores continuaram lutando por melhorias.
Conforme Eric Hobsbawn, a descrição do cenário deste período histórico era de “catastrofe social”. Os trabalhadores caíram em total desmoralização. O aumento da pobreza e exploração, misturava-se as condições precárias de sobrevivência nas vilas industriais. Que segundo o autor, “[...] destituídos das tradicionais instituições de padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento.” (HOBSBAWN, 2011, p, 323). Desta maneira, ao relacionar a trama com algumas das principais obras que investigam sobre o tema, pode-se perceber que o filme busca apresentar uma reflexão sobre a condição de vida das pessoas.
 Ao utilizar filmes em sala, principalmente na disciplina de História, deve-se problematizar também que ele fornece uma narrativa sobre o passado. Deste modo, é o olhar e o interesse de quem o produziu sobre determinado evento e contexto. Cabendo questionar ainda o momento em que foi produzido, pois, “[...] como qualquer documento, eles fornecem uma interpretação do passado e, ao fazerem isso, muitas vezes estão fazendo alusão ao presente, porque a forma como a História é abordada pode estar de acordo com a visão que seus produtores e expectadores têm no presente. (CAMPOS, & FARIA, 2009, p, 54)
Ou seja, em Germinal, Berri traçou uma comparação de seu presente com o passado narrado na trama. Longe de ser uma verdade absoluta, é uma narrativa, uma interpretação dada a um passado não vivenciado. Deste modo, qualquer produção não deve ser utilizada como uma ilustração do passado tal como foi, mas sim, estar aberta para discussões e interpretações sobre a trama. Para tanto, diante também do espaço reduzido para essa discussão, refinamos nossa análise sobre as narrativas apresentadas em Germinal sobre as mulheres durante a Revolução Industrial. Essa observação é fundamental, ao ser um filme de grande repercussão e bastante indicado para utilização em sala, a não problematização de algumas cenas pode contribuir para o reforço da naturalização de diferenças de gênero.
De um modo geral Berri não realizou grandes atribuições às mulheres. Ao partir a narrativa sobre um problema familiar como exemplo dos demais. A família, como um conjunto de mudanças, demonstra as movimentações em busca da sobrevivência. Todavia, as cenas reforçam diferenças de gênero instituídas socialmente. Predominando aos homens o trabalho fora de casa, e as mulheres sob a responsabilidade de gerir a pobreza, devem buscar alternativas para satisfazer a necessidades do lar. Maheude é a mulher escolhida para apresentar essa situação. Realizando junto aos filhos as atividades de casa, e ainda, em meio à pobreza, a busca de alternativas para sobreviver, como pedir esmolas, ou até mesmo sujeitar-se a prostituição em troca de alimento. No fim do filme, após a morte de seu marido, vai trabalhar na mineradora por obrigação em assumir o cargo do marido, não por sua competência e atuação.
A produção expõe muito bem as diferenças salariais e exploração do trabalho infantil. Dialogando sobre as diferenças de renda para homens, mulheres e crianças. Todavia, sobre as mulheres na mineradora, ora são apontadas como rudes, de que são fortes como homens para estarem ali, ora são frágeis e não suportam o esforço, como na cena em que Catherine desmaia enquanto empurrava um carrinho cheio de carvão.
Esse olhar é possível na medida em que utilizamos o gênero como categoria de análise. Compreende-se, tal como Joan Scott que “[...] o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos.” O filme reforça essas diferenças, pois inviabiliza a atuação das mulheres reduzindo-as ao protagonismo dos homens. De que as diferenças corporais contribuem para a atuação diferenciada dos sujeitos em espaços que existe a aceitação ou a negação conforme o gênero.
Em meio às cenas de greve, onde muitas vezes aparecem apenas como companheiras, dois momentos exploram a atuação das mulheres. Na primeira, insatisfeitas pelas condições precárias, um grupo de mulheres se reúne e deslocam-se até a venda impor uma negociação com o comerciante. Diante de humilhações, buscam renegociar suas dívidas e ampliar e manter o crédito para não morrerem de fome por estarem sem salário. Na segunda, na mesma venda durante uma manifestação de grevistas pela cidade, as mulheres vão em busca do comerciante, esse ao fugir, cai, bate a cabeça e morre. Como símbolo de insatisfação pelas constantes humilhações, entre elas a prostituição realizada em troca de alimento, uma das mulheres corta a genitália do homem morto. Onde acaba expondo ao restante da cidade o que as incomodava quando elas deveriam buscar a venda para saciar a fome.
Eduard Thompson, historiador que dedicou grande parte de suas obras para a investigação sobre esse contexto, recebeu várias críticas ao afirmar que estava integrando as mulheres na história. Para Carla Pinsky, ao tratar sobre as mulheres na história e ao debater sobre os estudos de Thompson, afirma que, “[...] a questão da mulher não está nele representada (e se estivesse, a coerência da narrativa seria desafiada, já que o texto, apesar de falar sobre mulheres, não trata de seus papéis históricos.”(PINSKY, 2009, p, 173)
Logo, ao traçarmos uma comparação dos estudos sobre o período e a narrativa proposta por Berri, evidenciamos que ambas as abordagens possuem aproximações. Pois como nos informa Carla Pinsky, “[...] na luta dos trabalhadores ingleses, descrita pelo historiador, as mulheres são retratadas mais como companheiras leais que como militantes convictas.” (PINSKY, 2009. P, 173)
A breve discussão aqui apresentada não diminui a importância da utilização desse filme como suporte metodológico. Feito uma comparação entre a produção cinematográfica e algumas obras que investigam sobre o tema, evidenciamos da necessidade de problematizar a atuação das mulheres na história. Esse filme permite isso, todavia necessita que o/a professor/a busque desnaturalizar as diferenças de gênero reproduzidas nas cenas que narra o passado.

Referências
ADORO CINEMA. Germinal. Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-30245/trailer-19535211/Acesso em: 09 de janeiro de 2017.
ALVIM, Roberto. O trabalho infanto-juvenil em discussão. Terceirização: diversidade e negociação no mundo do trabalho. São Paulo: Hucitec, 1994.
BRASIL. lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13006.htm Acesso em 04 de março de 2017.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna – Europa 1500-1800. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 
CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São Paulo: FTD, 2009.
GOMES, Mônica dos Santos. As traduções e recepção de Germinal, de Émile Zola, no Brasil. 2013. x, 157 f., il. Dissertação (Mestrado em Literatura)—Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções – 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 25ª Ed, 2011.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­______________________. Fontes audiovisuais: a história depois do papel. In: PINSKY, Carla. B. (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. P. 231-290
PERROT, Michel. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. RJ: Paz e Terra, 1988.
PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História Social. Rev. Estud. Fem. [online]. 2009, vol.17, n.1, pp. 159-189. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf Acesso em 15 de fevereiro de 2017.
SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995
SOUZA, Edileuza Penha de. (Org.) Negritude, cinema e educação: caminhos para a implantação da lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza edições, 2006
THOMPSON, Eduard Paul. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular e tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.



6 comentários:

  1. Olá! Na opinião de vocês, como a reprodução de estereótipos femininos no cinema impacta no ensino-aprendizagem?
    Hélia Costa Morais

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  2. Olá, parabéns pela reflexão. A pergunta que gostaria de fazer está mais relacionada subjetividade dos pesquisadores: o que o levou vocês a pesquisarem/trabalharem com a temática do protagonismo feminino na História?

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  3. Fiquei muito curiosa em relação as dificuldades de se trabalhar com a questão de Gênero numa sociedade ainda machista e preconceituosa?
    Juliana Chervinski

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  4. Primeiramente gostaria de parabenizá-los pelo tema da pesquisa, não tenho perguntas só considerações mesmo. No ano passado um de meus professores passou este filme, que até então eu não tinha conhecimento sobre. Agora com este texto mesmo um tempo depois, eu observo algumas coisas que antes não tinha notado sobre essa falta de debate do papel feminino dentro do próprio filme. Não sei se realmente caberia ao diretor do filme fazer tal discussão, mas os professores com certeza o tem, pois durante muito tempo e ainda é assim, o papel das mulheres na história lhes é negado, coisa triste, pois como o próprio filme retrata e vocês também comentam, após a morte do marido quem tem que levantar e assumir as responsabilidades da família é a mulher, mesmo ganhando poucos centavos por dia.
    Naiara Cristiane Rohling

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  5. olá! primeiramente, parabéns pelo trabalho, bem fundamentado e com boas referências bibliográficas.
    gostaria de saber se, e como vocês acham que o machismo do passado e do presente dificulta que a historiografia, mesmo que assim deseje. leve em conta de forma semelhante o papel da mulher e do homem nas sociedades. além disso, gostaria de saber quais foram suas experiências enquanto homens trabalhando um assunto relacionado a questões de gênero, bem como o que vocês acreditam que perceberam e deixaram de perceber na temática por serem do referido gênero.
    Rafael Fiedoruk Quinzani

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  6. Olá, tudo certo?
    Primeiramente Fora Temer (todo espaço deve ser aproveitado para lembrar).
    Estamos gratos pela atenção prestada ao nosso trabalho, esse diálogo é muito importante para aprofundarmos nossas análises e realmente efetivarmos o conhecimento histórico. Para que sejam respondidas todas as questões seguiremos cronologicamente as perguntas, assim alguns comentários podem relacionar-se com diferentes questões.
    Hélia, talvez seja um exemplo “bobo” mas realista, as crianças, em sua maioria, crescem em meio e assistindo a estereótipos já definidos de gênero. Reproduzir em um desenho animado faz com que a subjetividade dessas pessoas seja construída com base naquilo que foi aprendido visualmente ou de forma imposta pelo grupo que vive. No cinema, ao serem reproduzidos esses padrões, é apresentada a quem assiste como uma “normalidade”. Isso com exceção dos filmes que buscam romper com essas definições, como exemplo, As sufragistas. Ao perceber as mulheres como passivas e em determinado estereótipos (mulheres), e tendo em vista que a maioria das pessoas não realiza uma análise crítica do que assiste, a passividade e demais questões são reproduzidas e apresentadas como naturais. Por isso a importância em estabelecer uma criticidade ao cinema, como exemplo, Germinal.
    Jeane, somos integrantes do LHAG, Laboratório de História Ambiental e Gênero. Jorge, em seu mestrado pesquisou sobre as relações de gênero em Guarapuava-PR entre os anos de 1971-1983. Maycon, ainda com o mestrado em andamento, pesquisa sobre as Revistas em Quadrinhos da Turma da Mônica, levantando debates sobre meio ambiente e gênero. Por trás de tudo isso, temos em comum o interesse por diferentes mídias (como pode perceber o Maycon é muito mais (colecionador)), tanto pelo interesse pessoal para o entretenimento, como também as associações ao ensino e aprendizagem e as possibilidades de pesquisa. O Jorge possui graduação em história e em sociologia, uma vez durante a graduação em sociologia iniciou um trabalho sobre o filme Germinal e a relação com o livro, a partir dai sempre levantamos possibilidades de assuntos a serem trabalhados/pesquisados. Devido às limitações para apresentação do texto no evento, muitos assuntos ficaram de lado. Acredite, fio muito difícil definir o que seria apresentado.
    Juliana, seus questionamentos também correspondem às questões da Hélia. Trabalhar gênero é extremamente difícil, não só pelo machismo, mas por balançar em ideia definidas, vistas como naturais. Isso ocorre tanto em professores/as e alunos/as. Como professor (Jorge) o lema é: Vim aqui para incomodar. Começando com você, depois vocês incomodam o mundo! Pois tanto no ensino de história como o de sociologia, é fundamental a compreensão dos estudantes como sujeitos da história, e, de que tudo trata de uma construção. O machismo é um deles.
    Naiara, o filme foi produzido como base no livro. Como falamos anteriormente, trata de uma reprodução de gênero bastante difícil de ser rompida. Foi como Thompson em colocar as mulheres na história. Ainda não era a história das mulheres. Gradativamente o cinema (alguns) busca romper como esses padrões. Cabe a nós em sala de aula, em casa, ou até mesmo por interesse pessoal, observar as cenas de um modo mais atento. Assim poderemos questionar sobre a existência ou não de reproduções.
    Rafael, todos somos machistas. Nascemos e crescemos em uma cultura machista. É muito difícil perceber todas as atitudes e mudá-las por completo. Mas quanto mais conseguimos perceber atitudes, gestos, modos de viver, dentre outros, mais contribuímos para a igualdade de gênero.
    Esperamos ter respondido a todas as questões, mais uma vez, obrigado pela atenção.
    Bons estudos a todxs!
    Jorge - Maycon

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