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Isaias Holowate

O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS PARA A PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS
Isaias Holowate

O jornal é uma fonte de pesquisa muito agradável de se utilizar. As notícias em suas páginas atraem o leitor. Ler um jornal de hoje nos informa sobre determinadas representações da atualidade (CHARTIER, 1990, p. 21); ler um periódico de cem anos atrás, nos permite dar um passeio pela sociedade daquela época, ou pelo menos nas representações de determinados grupos daquela época (HOLOWATE, 2017, p. 11).
Tais possibilidades costumam atrair tanto estudantes da educação básica, pressionados pelas “tarefas de casa” encomendadas pelos seus professores, quanto os estudantes de graduação, muitas vezes sob pressão para a produção de seus TCCs.
Porém, muitas vezes tais jovens, ao serem apresentados à fonte jornalística, não possuem ainda o preparo indispensável para a pesquisa no jornal e o resultado, muitas vezes é desastroso. Um exemplo disso, é que em Ponta Grossa, uma das fontes jornalísticas mais importantes – o centenário jornal Diário dos Campos – possui em algumas páginas antigas, rabiscos e anotações de estudantes da Educação Básica, de uma época em que por descuido, ele era liberado para pesquisa sem o devido acompanhamento e orientação.
Por isso, busca-se aqui apontar alguns preceitos para a pesquisa no jornal. Obviamente não se pretende esgotar o tema, que por si é riquíssimo. O foco é na análise discursiva do jornal e suas relações entre a escrita e seu público. Ao mesmo tempo objetiva-se que essas reflexões sobre a utilização do jornal como fonte de pesquisa sejam úteis tanto para estudantes da educação básica quanto para estudantes e pesquisadores.

O jornal como uma representação da realidade
Hoje em dia, as pessoas leem as notícias em grande quantidade. Sejam nas páginas impressas, sejam nas digitais. As publicações de grandes corporações jornalísticas atingem grande parte da população, influindo nas discussões diárias, nos posicionamentos políticos e sociais da população. As pessoas leem o jornal, com objetivo de saber “o que aconteceu”. Da mesma forma, quando se busca saber “o que aconteceu” no passado, hoje é comum ir atrás dos jornais de época. Tal fato se dá por uma crença social de uma certa objetividade jornalística.
Essa crença não atinge apenas a população leiga ou os estudantes da educação básica: atinge também muitos estudantes da graduação, de forma com que é bastante comum encontrarmos na leitura de Monografias e artigos, uma proliferação de produções que utilizam o jornal como um relato fiel da realidade, embora muitas vezes, as reproduções sejam involuntárias, já que o estudante culturalmente se acostumou a “confiar” nos jornais. A constante citação literal dos parágrafos presentes na notícia sem a devida crítica aponta para isso.
Por isso, o primeiro pressuposto ao encontrar um jornal, é desfazer-se dessa cultura de objetividade: as fontes jornalísticas são subjetivas, e seu estudo, não deve pressupor uma “verdade” presente nas fontes, mas deve-se ter elas como construções da realidade. Pontes e Silva (2012, p. 52) apontam para a presença dessa subjetividade nas páginas de um jornal:
Tendo a capacidade de mobilizar ou de garantir a construção subjetiva do “informado” o jornal deve ser visto como um campo de disputas políticas, econômicas e, principalmente, culturais. Os grupos são influenciados pelos jornalistas e também se articulam para exercer influência na mídia noticiosa [...]. A mídia noticiosa possui um próprio modo de afirmar a realidade que retrata/constrói e isso acontece em negociação com os receptores.
Portanto, assumindo que os conteúdos dos jornais não são objetivos, mas que possuem uma subjetividade por detrás da escrita das notícias, reportagens, editoriais etc., percebe-se que o periódico pode ser estudado como uma fonte desde que considerados o meio em que foi escrito, os personagens que o escreveram, a forma física que sua produção assume e as relações com o público ao qual atingia.

O jornal como um espaço de relações sociais
Quando um estudante ou pesquisador pega em suas mãos um jornal, deve-se levar em conta, é que essa mercadoria foi produzida por alguém com algum objetivo (SARTRE, 1979, p.53), ou mais precisamente, foi produzida por diversos “alguéns” com interesses variados que muitas vezes são internegociados ou impostos, pois o espaço de produção de um jornal é um espaço de relação entre pessoas – os jornalistas – que negociam, organizam-se e produzem o jornal.
As relações entre os membros do jornal influenciam decisivamente naquilo que é produzido. As notícias variam de acordo com os interesses dos grupos que participam da produção jornalística. 
Assim, a hierarquia na produção das notícias e seu posicionamento na página precisam ser analisados como um dado relevante, ao qual o pesquisador precisa levar em conta: geralmente um redator, editor, e chefes de seção possuem mais poder de decisão sobre uma notícia veiculada no jornal do que um jornalista que as escreve. O que não significa que o jornalista primário, que buscou a notícia e que a escreveu não possua influência na escrita – pelo contrário: a base semântica do texto é composta por suas observações sobre o tema e a influência de sua cultura na escrita é também extremamente decisiva para o texto que será veiculado na página.

Os aspectos do jornal: Por que as notícias são como são
Observadas essas precondições iniciais na pesquisa em jornalismo, é preciso observar também aspectos físicos do jornal, para compreensão da notícia: o jornal em si, como página impressa ou digital, possui uma série de estruturas que definem seu formato, estatuto e organização.
Geralmente na atualidade os jornais constituem-se de dezenas de páginas, com uma página inicial, a capa, onde são publicadas as notícias consideradas pelo corpo jornalístico daquela instituição como as mais relevantes. A capa em si diz muito sobre a estrutura do jornal e a mensagem que ele pretende passar para seu leitor. Através da capa o jornal diz ao leitor o que ele deve ler primeiro, e o que o jornal quer que o leitor enfoque.
A estrutura da capa também é importante. A notícia principal, geralmente acompanhada por uma imagem ou infográfico presente na capa apontam para a principal notícia do dia do jornal. Assim, a leitura do jornal e especificamente da capa ajuda a entender os interesses por detrás da escrita do jornal. As páginas seguintes do jornal também podem facilitar a compreensão da imagem que o jornal pretende passar da realidade para seu leitor e a forma com que ele representa a realidade.
Ao mesmo tempo a presença de propagandas e o posicionamento delas – seja em uma página reservada no início ou no fim da publicação - também buscam em determinados graus, atrair a atenção do leitor.
Assim, o aspecto fisco da escrita busca passar uma série de mensagens ao leitor: da mesma forma, conhecendo esses códigos, o pesquisador pode realizar uma leitura mais atenta e crítica ao produzido no jornal.
Outro aspecto importante na leitura do jornal é o conhecimento das hierarquias de informação, que é a forma com que os jornalistas costumam organizar as mensagens em uma página do jornal. A hierarquia pode ser entre várias produções ou dentro de uma mesma notícia. No primeiro caso, pode se notar, como foi dito acima, que as notícias consideradas mais relevantes pelo corpo jornalístico, costumam ficar numa forma de leitura facilitada pela clássica ocidental, ou seja de cima para baixo, da esquerda para direita. Notícias posicionadas na parte mais superior e em maior destaque- títulos maiores, proeminência de imagens são notícias destacadas, para chamar a tenção do leitor.;
Da mesma forma, dentro de uma própria noticia também a um posicionamento hierárquico de informações: no estilo de escrita jornalístico clássico, predominantemente os primeiros parágrafos costumam passar as informações consideradas pelo escritor como as mais importantes, e os seguintes, menos, em ordem de escrita. Tal escrita se dá pela necessidade da redação em certos casos, precisar cortar um ou mais parágrafos da escrita do jornalista.
Assim, o jornal, longe de ser uma página objetiva por si só envolve uma série de hierarquias, sejam físicas, pelo posicionamento da notícia, sejam, hierárquica pela estrutura das representações apontadas e pelas relações entre os membros do jornal e do jornal com a sociedade.
 Vale lembrar que esse é o terceiro ponto da produção da notícia: elas são sempre produzidas tendo em vista seu leitor e dialogam com aquele que as lê. O jornal atua de forma a construir uma realidade, dizendo ao seu leitor quais são os fatos relevantes do dia. Contudo, o jornal só poderá vender isso se os fatos estiveram em concordância com o leitor e obtiverem a sua aceitação, pois sendo o jornal uma mercadoria, ele é produzido para ser vendido.

O jornal e seu público: as relações de agendamento e contraagendamento
Da mesma forma que um estudante e pesquisador ao ter contato com um jornal não deve assumir que ele se trata de uma representação da realidade de toda a sociedade de um determinado espaço, ele também não deve cometer o equívoco de assumir que o jornal se trata apenas dos jornalistas que o produzem. Pelo contrário, o jornal é construído em sua relação com seu público. Alguns aspectos dessa relação ao qual convém refletir são os conceitos de agendamento e contraagendamento.
O jornal através do bombardeio diário de informações com a mesma temática em dias seguidos, utilizando-se das seleções e da forma com que a noticia é publicada para atingir o leitor de determinadas formas, agenda e influencia o modo com que o leitor vai pensa a realidade e os temas que geralmente discutidos naquele dia, naquele período. Essa influência do jornal chama-se agendamento (MC COMBS, 2009), e através da relevância do jornal e seu consumo nos permite inquirir sobre o que a sociedade leitora consumia e pensava se apropriava naquela realidade.
Ao mesmo tempo, existe o contraagendamento (SILVA, 2007, p. 84-102), que consiste no fato de que através de determinados mecanismos alguns grupos da sociedade possuem poder suficiente para influenciar na produção jornalística.
Por exemplo, nos jornais do início do século XX se pegarmos o caso de Ponta Grossa, a presença de patrocínio das farmácias, que eram naquele momento, naquele espaço cultural, importantes empresas, produzia um contraagendamento que influenciava na produção jornalística de forma a defender s interesses médicos.
Vale lembrar que todo agendamento e contraagendamento normalmente é uma relação dual e negociada, ou seja, o jornal e a população cedem espaço a ideias diferentes, mas sem perder seu corpo principal de pensamento.
Nos poucos casos em que o contraagendamento envolve grupos e ideias bastante divergentes – Por exemplo os movimentos sociais, os quais ao atingirem grande parte da população acabam, “obrigando” as grandes corporações a tornarem eles notícias – os fatos acabam sendo adaptados de forma a serem publicados no formato de discursos reconstruídos e negociados para serem aceitos na perspectiva do jornal e do seu grupo leitor.

 Considerações Finais
Obviamente, esse breve ensaio não teve, em momento algum o objetivo de esgotar os princípios teórico metodológicos para a pesquisa histórica em jornais. A quantidade de relações presentes na produção de uma notícia e na sua veiculação, seu relacionamento com a sociedade e sua hierarquização envolvem tantos fatores sociais e econômicos que precisariam de muitíssimas produções e ainda assim faltariam espaço para atingir.
 Contudo, busca cumprir com seu objetivo de compor algumas reflexões para um aluno ao se deparar com um jornal num museu ou em qualquer local de leitura e pesquisa e a historiador iniciante na carreira a levar em conta as especificidades dessa riquíssima fonte, seja de leitura, seja de pesquisa.

Referências
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Ed. Difel, 1990.
HOLOWATE, Isaias. Representações sobre a eugenia no jornal Diário dos Campos, 1907-1921: representações e ressignificações. Saarbrucken, Alemanha. Novas edições Acadêmicas, 2017.
MC COMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009.
PONTES, Felipe Simão; SILVA, Gislene. Mídia noticiosa como material de pesquisa: Recursos para a pesquisa de produtos jornalísticos. In: BOURGUIGNON, Jussara Ayres; OLIVEIRA JUNIOR, Constantino Ribeiro de, (orgs). Pesquisa em Ciências sociais: interfaces, debates e metodologias. Ponta Grossa. Toda palavra, 2012.
SARTRE, Jean-paul. Crítica de la razón dialéctica. Libro I. Buenos Aires, Losada, 1979.

SILVA, Luis Martins da. Sociedade, esfera pública e agendamento. In: LAGO, C. e BENETTI, M. (orgs). Metodologia de pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. 

20 comentários:

  1. Olá Isaias.

    Em seu texto, apresentam-se uma série de elementos que dão conta da estrutura discursiva e ideológica com que os jornais – especialmente de época – se utilizam para imprimir uma dada intencionalidade objetiva, a qual possui uma formação discursiva definida, que, por sua vez, são passíveis de apreensão por meio da Análise de Discurso. Na sua opinião, de que maneira o professor de história – de forma prática – poderia trabalhar com os alunos em sala de aula essa possibilidade de extração das ideologias, submersas na literalidade de uma determinada matéria jornalística, de modo que tal atividade contribua para o desenvolvimento da capacidade interpretativa?

    Att.
    Eloi Giovane Muchalovski

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    1. Olá Eloi
      A Análise do Discurso é uma ferramenta de grande utilidade nos estudos das fontes jornalísticas. Uma compreensão do aluno de pelo menos das vozes e dos sentidos presentes na fonte é essencial. Mas penso que a compreensão da fonte precisa ser mais aprofundada tanto pelo professor quanto pelo aluno. Nesse aspecto, o conceito de Ressignificação é tão importante. É preciso que o aluno esteja ciente que um jornal, mesmo produzindo e reproduzindo uma determinada ideologia, a apropriação da mesma por parte do aluno está determinada pela existência de condicionantes que aproximem o discurso jornalístico à realidade social do indivíduo, e ainda assim, a ideologia produzida no jornal sempre estará sujeita a uma série de novas significações para que esse discurso responda a questões do cotidiano do indivíduo.
      Uma das formas mais comuns de um professor ao dar uma aula é pegar uma reportagem do jornal, e apontar aos alunos discursos que o jornal tenta agendar na sociedade. Porém, e creio que é preciso mais que isso...é preciso compreender também a capacidade da sociedade de dialogar e ressignificar esses discursos. Como? Que tal logo após estudar as ideologias agendadas em determinada publicação, ir às ruas e perguntar às pessoas o que elas pensam sobre tais assuntos, e em seguida perguntar onde leram ou com quem conversaram sobre isso. Certamente a forma com que ressignificaram essas ideias tem uma grande variação com o discurso original.
      Assim, não se corre o risco de o aluno pensar o indivíduo como uma tabula rasa, incapaz de reagir ao agendamento do jornal.
      Abraço
      Isaias

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  2. Achei interessante a abordagem, mas, como professor, penso em como conciliar as atividades com o tempo para dar conta do conteúdo a ser ministrado. Neste sentido, você acha viável que os jornais sejam trabalhados em provas, trabalhos avaliativos, etc!?

    Atenciosamente,

    Gabriel Birkhann

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    1. Olá Gabriel
      Como professor eu também sou um dos que sofrem com a carga horária reduzida para a disciplina de História. Ainda mais que existem uma série de tabulações que nos obrigam a trabalhar de 4 a 8 aulas cada temática, restringindo a possibilidade de promover um projeto de longo alcance e essencial para promover o desenvolvimento qualitativo do aluno.
      Porém, sempre defendo que projetos que visem promover a capacidade de compreensão das relações sociais são fundamentais.
      Bem, algumas coisas são essenciais ao se trabalhar com fontes jornalísticas. A primeira é que o aluno tenha um mínimo conhecimento teórico antes que ter acesso ao jornal de época. É preciso que o professor aponte esses conceitos abordados nesse artigo parágrafo por parágrafo e explique-os aos alunos. O segundo é que em momento algum – e especificamente quando os alunos estiverem encontrando discursos dominantes nas páginas do jornal - o professor se prenda à ideia de que o indivíduo é incapaz de ressignificar o discurso do jornal. O terceiro é após os alunos anotarem e apontarem esses temas agendados, o professor os acompanhe em um estudo entre o agendamento jornalístico e as ressignificações individuais. Cada indivíduo lê o jornal e determinada forma. O aluno precisa compreender isso. Em jornais de época, é só relacionar os discursos com as práticas, como por exemplo, o discurso médico e eugenista em contraposição aos boletins de polícia daquele período.
      Obviamente tudo ocupa tempo. Esse meu plano ocuparia 2 aulas de análise teórica, 3 aulas de estudo do jornal, 2 aulas de pesquisa nas ruas ou no caso de ser de época, nos arquivos municipais, e 2 aulas de discussão dos resultados. Portanto 9 aulas.
      Abraço
      Isaias

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  3. De que maneira podemos ter o cuidado necessário em nossa prática pedagógica para o tratamento analítico dessa fonte (o jornal) a fim de evitar a perpetuação do discurso estereotipado e o uso literal do texto jornalístico para o aprimoramento do conhecimento histórico?
    obrigada!
    Sirlene Kosouski

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    1. Olá Sirlene
      Nesse aspecto, estamos no meio de dois riscos. O primeiro é que o aluno tome o jornal como um espelho “do que aconteceu”. O segundo é que o aluno tome o jornal como apenas uma ferramenta de dominação e considere o indivíduo como incapaz de reagir a ele.
      Quanto ao primeiro aspecto, é essencial que o aluno tenha esse conhecimento teórico de que o jornal representa a realidade, e especificamente, representa o interesse de alguns grupos. Tais interesses são reproduzidos nas suas páginas. Por isso a importância de o aluno ter recebido essa introdução teórica antes de ter acesso ao jornal.
      Em relação ao segundo aspecto, é preciso que o aluno tenha um contato com a sociedade leitora da publicação, ou com a sociedade no tempo em que tal publicação foi veiculada – Arquivos Municipais, Museus, etc são essenciais - , tendo acesso às ressignificações do discurso. As leituras feitas de um jornal são bem variáveis, e ninguém absorve ele linha por linha.
      O objetivo é que o aluno passe a ler um jornal de forma crítica, evitando toma-lo como “verdade absoluta”, e evitando acreditar que outras pessoas o tomam como “verdade absoluta”.
      Abraço
      Isaias

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  4. Olá, boa noite. Geralmente trabalho com os jornais em sala de aula partindo da concepção elaborada por Antonio Gramsci de que este são Aparelhos Privados de Hegemonia que tem como função a consolidação de determinados projetos em sociedade. No que diz respeito às funções dos jornais em sociedade, qual sua perspectiva?
    A mediação didática é possível entre o saber acadêmico e o saber escolar. Quais atividades em sala de aula você me indicaria para uma mediação didática eficaz?
    obrigado.

    Werbeth Belo

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    1. Olá Werberth
      Bem, a proposição primária da função de um jornal é informar o seu leitor. Porém, historicamente ele tem sido utilizado para defender discursos que atendem aos interesses dos indivíduos que pertencem à rede de produção do jornal – produtores, patrocinadores e leitores -. Por isso, o conteúdo de um jornal é o resultado de mediações e imposições e disputas entre os grupos que o compõem. Assim, respondo a primeira parte da questão reafirmando que a função essencial do jornal informar seu leitor. Ora, se o jornal fosse apenas uma ferramenta de dominação e reforçamento dos sistemas hegemônicos, as Disciplinas de formação dos cursos Universitários em Jornalismo deveriam ser bem diferente do que são. Felizmente, o curso busca promover indivíduos capazes de criticar sua própria produção. O problema é que o jornalista ao entrar no mercado de trabalho, fica submetido às redes de produção, e acaba não tendo opção que não reproduzir os interesses do jornal. Quanto a segunda questão eu defendo a possibilidade de mediação didática. Porém, sabemos que a carga horária pequena, rígida e toda picotada complica ao professor promover projetos que ocupem bastante tempo. O projeto de discutir o básico da teoria jornalística, apresentar o jornal ao aluno para analisá-lo, criticar os resultados e estudar esses resultados em relação à opinião pública é um projeto que possuí resultados bastante positivos. Porém, como apontei no comentário acima do Gabriel, é um processo que demanda em torno de 9 aulas. É possível simplifica-lo, como apontarei nas respostas às perguntas abaixo, porém ele perde parte da riqueza. Mas o essencial é que o aluno ao “pegar” um jornal, saiba que tipo de fonte tem em mãos.
      Abraço
      Isaias

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  5. Compreendo a importância dessa fonte, principalmente no que tange à pesquisa em educação histórica, sendo eu mesma uma pesquisadora da temática (Uso do impressos confessionais, no meu caso).

    Porém, identifico que muitos professores apresentam dificuldades de diversas ordens para trabalhar com os jornais - ou outros impressos - em sala.

    Minha questão: você teria alguma experiência (que pudesse ser 'descrita'em poucas linhas do uso de jornais em salas de aula da educação básica (tipo uma atividade prática e rápida que foi levada a acabo em 1 ou 2 aulas)?

    Grata.

    Abraço forte!

    Sandra Cristina da Silva

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    1. Olá Sandra
      Tenho algumas experiências da época da graduação bem singelas nesse aspecto.
      Em uma delas, pegávamos notícias de jornais sobre atividades sociais e usávamos como ponto de partida para abordar fatos históricos. Assim, as feiras municipais eram ponto de partida para chamar atenção para as feiras medievais, a construção de Edificios gigantescos para as pirâmides, etc. O segundo era selecionar um jornal de época e levar em sala de aula para que os alunos com apoio do livro didático analisassem um fato – no caso, o de 1º de abril de 1964 era o predileto, por ser logo após o golpe e os discursos daquele momento apontarem para as tensões políticas existentes-.
      Ambas as atividades foram interessantes e bem produtivas. Atraiam o interesse do aluno, permitiam novos olhares sobre os temas, demonstravam a historicidade dos fatos, etc. Porém, se tais atividades ocorrerem sem o aluno ter o conhecimento teórico básico, ele vai cometer equívocos, como por exemplo, de se perguntar “qual está certo, o jornal ou o livro didático”, ou ainda cometer anacronismos, etnocentrismos ou se apropriarem apenas de um viés do estudo, não conseguindo pensar um meio termo – ex; ou aceita a teoria marxista como verdade absoluta, ou acredita que não existe luta de classes -. Para nós, tais erros são impensáveis, pois conhecemos esses termos e sabemos evitá-los. Mas um aluno que não tem o conhecimento teórico é bem mais complicado
      Assim, eu acho as duas experiências bem positivas, mas hoje defendo que qualquer experiência com o jornal demanda que o aluno tenho um mínimo conhecimento do material. Jogar um jornal na cara do aluno, falar que é notícia, e mandar pesquisar os fatos, só vai desinteressar o mesmo. É preciso dar pelo menos uma aula explicando o que é jornal, para que serve, quem produz, quem consome, qual é a relação entre a notícia e o fato, etc.
      Abraço
      Isaias

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  6. Olá, Isaias! Muito interessante seu texto, apresenta noções e conceitos essenciais para quem se interessa em "beber da fonte" dos jornais no percurso de sua pesquisa. Sabemos que uma notícia raramente reflete a realidade em sí, pois, é a reprodução de uma leitura da realidade do ponto de vista de quem escreveu bem como os interesses editorias presentes. Ou seja, o "produto final" é o reflexo de inúmeras interpretações moldados através da ideologia e do interesse dos indivíduos que participaram desse processo. Nesse sentido, de qual forma seria possível filtrar os interesses pessoais na busca de uma forma mais fiel da realidade retratada por aquela notícia? Obrigado.
    Paulo Ricardo Vargas da Rocha Junior

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    1. Olá Paulo
      É possível fazer o caminho inverso da rede de produção do jornal. Por rede de produção, entendo todos os indivíduos cujos interesses influenciam na produção da notícia. São eles os jornalistas, leitores, patrocinadores, órgãos estatais, grandes empresas, defensores de projetos intelectuais que influenciam os leitores, patrocinadores, etc. Isso se faz analisando o discurso do jornal, o meio em que é produzido, as relações dos indivíduos desse meio e as práticas pessoais desses indivíduos. Assim, podemos desmontar os “motivos” que influenciaram na produção dos discursos. Creio que essa seja a função do pesquisador. Se eu tentar ir além e apresentar um discurso que eu considere “o mais fiel da realidade” para meus alunos, o que na verdade eu estarei fazendo será apresentar um discurso que eu considero o mais fiel da realidade, mas estarei na minha produção da representação, incluindo subjetivamente meus modelos de mundo, ideologias, teorias e opiniões, etc. Assim, minha concepção é que o processo a ser feito é inverter o caminho de produção e apontar os elementos discursivos e as influências na construção. Assim, o aluno poderá ele mesmo aprender a desconstruir um discurso e a construir seus próprios modelos de pensamento e de compreensão da realidade.
      Abraço
      Isaias

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  7. Boa noite Isaias,
    Partindo do pressuposto de que os jornais e revistas se popularizaram como fonte história a partir da década de 1970 segundo a historiadora Tania Regina de Luca, devido a falta de confiança na veracidade de seu conteúdo. E no mundo mais informatizado e acessível, no qual vivemos, onde crianças e adolescentes estão cada vez mais ligados aos meios de comunicação. Levando em conta também, que há colunistas/escritores de jornais e revistas (impressos e online) que distorcem conteúdos e são muito convincentes naquilo que escrevem.
    Ao seu ver, como podemos alertar e/ou ensinar/explicar, nas aulas de história, para essas crianças e adolescentes que têm acesso à esses conteúdos distorcidos e não confiáveis que muitas dessas fontes podem não ser confiáveis? E como incentivá-los a investigar a veracidade dos fatos antes de saírem reproduzindo o discurso?

    Natália Borlin

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    1. Olá Natália
      Creio que a atividade primordial é o aluno ter uma compreensão daquilo que está lendo. Hoje, nas redes sociais é muito comum os adolescentes compartilharem artigos tendo apenas lido o título. Ou ainda, engajarem-se em lutas políticas, protestos e escreverem muitos textos na sua timeline do facebook sem se perguntarem quais os interesses envolvidos em tais movimentos. A falta de compreensão e o entendimento raso é um problema crônico. Porém, como resolvê-lo? Podemos começar em sala de aula, explicando que a notícia não é a realidade, mais uma representação da mesma....que o textão de facebook não é uma produção genial, mas uma ressignificação do indivíduo das leituras – muitas vezes parciais – que fez. Logo após, o aluno precisa saber que os jornais –impressos ou online – possuem proprietários, patrocinadores e leitores de interesse prioritário e que vão defender os interesses desses grupos. E principalmente, que a sociedade é feita por classes – não apenas burguesia e proletariado, mas dezenas de classes hierarquizadas e em constante disputa – e que é precisa saber qual é o nosso lugar nessa luta de classes. Pensar que é igual a classe média alta não torna alguém classe média alta. Apenas torna alienado.
      Abraço
      Isaias

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  8. Boa Noite

    Com o advento da tecnologia em nossa sociedade e as informações fragmentadas encontradas em rede muitas vezes com total falta de credibilidade, os periódicos se tornam a fonte se pode falar assim "confiável", pois através da comparação entre os demais veículos impressos pode se chegar a uma conclusão?

    Atenciosamente,

    João Augusto Sanches Borgato

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    1. Olá João
      O problema é que a grande disponibilidade de informação não significa uma leitura mais crítica. Hoje lê-se muito, mas as leituras são rasas, se lê partes – muitas vezes só o título, ou dá uma “passada de olhos” -, as leituras são muitas vezes parciais – lê-se apenas opiniões concordantes – e principalmente, falta o exercício da reflexão da leitura. É muito raro um indivíduo leitor da Veja e da Carta Capital ao mesmo tempo. Um indivíduo critico deveria ser capaz de analisar os conteúdos. Mas o comum é se filiar a um dos lados e tomar ele como o “menos mentiroso”. No facebook, segue-se os amigos com ideias parecidas e exclui os que pensam diferentes. Assim formam-se mentalidades parciais e preconceituosas. E a escola que poderia servir como um meio para promover a capacidade do indivíduo criticar os discursos está tão cheia de funções que originalmente não eram dela que não tem condições de fazer isso. Assim, ou o professor, na sua turma de 30 ou 40 alunos começa a explicar o que é notícia, ou os jovens vão continuar a se posicionar sobre política e sociedade da mesma forma que se posicionam sobre times de futebol.
      Abraço
      Isaias

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  9. Parabéns pela sua problematica de estudo, Isaias!

    Devemos apresentar aos nossos alunos o quanto a imprensa é permeada de discursos desde a pauta dada ao jornalista, pelo pauteiro, até ao produto final que passa antes pelo crivo do editor. Logo, devemos demonstrar os lugares de fala não só daqueles que escrevem, mas de todos aqueles que fazem a empresa jornalistica em analise.

    Pensando nisso, gostaria de compreender na prática como você aborda a fonte em questão (o jornal) em sala de aula, da educação básica, pois em seu trabalho ficou evidente mais as questões teóricas da pesquisa histórica tendo o jornal como fonte?
    Como apresentar aos alunos que os discursos ali descritos passaram por processos seletivos e a cultura organizacional da empresa?

    Mais uma vez, parabéns pela temática apresentada na mesa.

    Alessandra Lima dos Santos

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    1. Olá Alessandra
      Agradeço aos elogios
      Bem, realmente me propus no ensaio de fazer uma reflexão teórica sobre o tema. A ideia era apontar alguns princípios básicos que o professor precisa compreender e ensinar ao aluno quando for aplicar um projeto relacionado ao uso do jornal como fonte. A compreensão das relações presentes na rede de produção jornalística permite o entendimento dos discursos defendidos por seus produtores e consequentemente quais são as ideias influenciadoras dos discursos apresentados na notícia.
      No comentário do Werberth eu apontei um projeto de 9 aulas de prática em sala de aula e no da Sandra eu relatei algumas experiências práticas. Mas o essencial é que o aluno, ao receber em mãos um jornal, tenho o mínimo do conhecimento dos aspectos teóricos e históricos da sua fonte.
      Abraço
      Isaias

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  10. Drielle Bittencourt7 de abril de 2017 às 04:38

    Olá, parabéns pelo seu trabalho! Eu trabalho com história política do Maranhão, utilizando o jornal como fonte. O meu recorte é de 1965 a 1982, pois é o período das sucessões eleitorais durante a ditadura empresarial-militar. Teoricamente trabalho com o jornal ma perspectiva do Antônio Gramsci, como um aparelho privado de hegemonia, que trabalha na criação do consenso dentro da sociedade civil. Atualmente trabalho na proposta de um material paradidático sobre o período citado anteriormente e o jornal será a fonte desse trabalho, claro que a linguagem e a forma a ser construído requer muito cuidado, pois será um material para ser utilizado com os alunos. Apesar de ser um desafio, considero minha proposta importante, tanto para o estudo historiográfico do período, como para utilização do jornal nas aulas d história, pois, dessa maneira o professor também poderá trabalhar a questão da subjetividade e os alunos poderão compreender que nenhum jornal é imparcial, muito antes pelo contrário, cada um tem posicionamento devido a vários fatores. Diante dessa minha exposição, o que você acha dessa minha proposta? Desde já agradeço. Drielle Souza Bittencourt

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  11. Olá Drielle
    Fiquei feliz com seu projeto. Ele é excelente e envolve alguns princípios essenciais, como mediar o ensino do período da ditadura, e trabalhar com História regional. Precisamos de mais materiais paradidáticas bons. O que eu poderia recomendar a você é que tome um certo cuidado na leitura do Gramsci. É preciso reconhecer que não existe uma hegemonia absoluta, ou seja, que o Estado e seus mecanismos controlam toda a opinião de todas as pessoas. O que existe são ferramentas de manifestação de opinião pública e as principais defendem um discurso mais ou menos homogêneo, que é o discurso das grandes empresas e das elites. Porém, sempre houve uma variedade de culturas alternativas e culturas opositoras à dominante. Da mesma forma, mesmo na cultura dominante e nos dominados por ela a produção de sentidos dos discursos é individual, ou seja, cada indivíduo absorve o conteúdo agendado de formas diferentes e associa a sua própria realidade social. O indivíduo, no cotidiano, com seus silêncios, vivências e falas, pode resistir à dominação.
    Outro princípio que considero importante é a função do jornal. A função é de informar, e não de ser um instrumento de dominação. Alguns deles podem ter se tornado em virtude de serem controlados por redes de dominação.
    E finalmente, gostei particularmente das suas últimas palavras “nenhum jornal é parcial”....isso é essencial de ser compreendido, e seus termos foram muito bons. São parciais, como toda produção discursiva é parcial. No mais só tenho a te parabenizar
    Abraço
    Isaias

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