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Heloisa Pires; Marlene Rosa Cainelli

IDEIAS DE ALUNOS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DE FONTES HISTÓRICAS PROPOSTAS NO LIVRO DIDÁTICO
Mnt. Heloisa Pires Fazion
Dra. Marlene Rosa Cainelli
UEL

O presente texto possui como objetivo apresentar considerações sobre a pesquisa que está sendo desenvolvida no Mestrado em História Social na linha de História e Ensino da Universidade Estadual de Londrina.
Inicialmente sublinha-se que esta investigação se insere num campo de estudo denominado Educação Histórica. De acordo com Cainelli e Schmidt (2011) este campo surgiu na Inglaterra por volta da década de 1970 e tem se difundido paulatinamente em diferentes países do mundo. No Brasil um dos centros mais expressivos dessa área está localizado na cidade de Curitiba-PR com a pesquisadora Maria Auxiliadora Schmidt, a qual coordena o Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH). Destaca-se que nas investigações realizadas nesta área a escola é, prioritariamente, o campo de pesquisa por excelência.
Isto posto, destaca-se que a pesquisa será aplicada num Colégio Estadual da cidade de Londrina, de maneira que a problemática principal é perceber como alunos do sexto ano do Ensino Fundamental utilizam fontes históricas textuais e visuais presentes no livro didático “BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São Paulo: FTD, 2005, 448p.”  A justificativa para a realização desta pesquisa reside primeiramente na importância de se trabalhar fontes históricas com os alunos, bem como de instigá-los a pensar as fontes não como uma cópia fiel do passado, mas sim como uma produção contextualizada que permite diferentes interpretações. Além disso, está sendo levada em consideração a lacuna que ainda existe nas investigações referentes ao livro didático. Nas palavras de Rüsen (2011, p.111) “quase não existe investigação empírica sobre o uso e o papel que os livros didáticos desempenham verdadeiramente no processo de aprendizagem em sala de aula”.
Durante o final do século XIX e início do XX o estudo e o ensino da História limitaram-se a abordar os acontecimentos passados de maneira linear, compreendendo o documento histórico como uma verdade inquestionável. O documento era, portanto, entendido como a materialização do passado, e sendo assim, capaz de apesentar os fatos como realmente haviam acontecido. De acordo com Janotti (2005, p.11), “a concepção dominante na historiografia era de que a comparação de documentos permitia reconstruir os acontecimentos passados”.
Esse cenário modificou-se a partir do século XX com o advento da chamada “revolução documental”. Esta foi essencialmente idealizada por pesquisadores pertencentes ao movimento dos Annales (1929-1989). De acordo com Burke (2010, p.09) a criação dos Annales possibilitou uma “renovação dos estudos historiográficos”. Burke (2010) aponta que os Annalesdefendiam três ideias principais. A primeira delas refere-se a mudança de uma história ancorada numa narrativa tradicional dos acontecimentos para uma “história-problema” (BURKE, 2010, p.12), ou seja, “as fontes deveriam ser buscadas e interpretadas segundo as hipóteses que partiam do historiador” (JANOTTI, 2005, p.13); em seguida, a ideia de considerar historicamente não apenas eventos políticos e econômicos, mas sim todas as atividades humanas, envolvendo, portanto, aspectos sociais e culturais. Por fim, a busca pelo diálogo entre as mais variadas disciplinas, procurando demonstrar a importância da interdisciplinaridade para as pesquisas em diferentes áreas do conhecimento.
Isto posto, ressalta-se que devido à influência dos Annales o olhar sobre o que poderia ser considerado um documento histórico foi ampliado. Assim, nesse novo cenário, os estudiosos não consideram apenas documentos escritos e oficiais, mas sim toda produção humana, incluindo, no repertório do que pode ser considerado um documento histórico, imagens, músicas, entrevistasse artefatos, por exemplo.
Bacellar (2005) aponta questões essenciais no que se refere ao uso das fontes. A primeira delas diz respeito à contextualização. É fundamental que o pesquisador investigue quando e por quem a fonte foi produzida, até porque “documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a opinião da pessoa e/ou do órgão que o escreveu” (BACELLAR, 2005, p.63). A necessidade em se entender o contexto no qual o documento histórico foi produzido é de suma importância, pois o significado das palavras pode diferir do que atualmente é.
Em seguida, o autor assinala que o olhar crítico sobre a fonte também é imprescindível. Isto deve-se ao fato de que quem produz algo, o produz com alguma intencionalidade, tendo em vista seus interesses. Dessa maneira é necessário ter em mente que as fontes estão carregadas de subjetivismo. Devido a isto, a análise “exige que se desconfie das fontes, das intenções de quem a produziu, somente entendidas com o olhar crítico e a correta contextualização do documento que se tem em mãos” (BACELLAR, 2005, p.64). Outro aspecto refere-se a “perceber a qualidade das informações que ela pode ou não nos fornecer” (BACELLAR, 2005, p.68). Aqui reside a importância em compreender que as fontes são produzidas visando atender as problemáticas de sua época, e que, portanto, apenas respondem as questões que para ela são direcionadas, até porque nenhum documento fala por si só.
Já Pereira e Seffner (2008) defendem que a utilização de fontes históricas em sala de aula contribui de forma significativa para que os alunos aprendam História, almejando não os transformar em historiadores, mas sim possibilitar que os mesmos percebam que o conhecimento da história é fundamental para que possam compreender o mundo no qual vivem. Diante disto, os estudiosos destacam que é essencial pensar e elaborar “alternativas pedagógicas que incluam a possibilidade de usar, no cotidiano da sala de aula de história do ensino fundamental e médio, as mesmas fontes com as quais os pesquisadores criam relatos sobre o passado” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.114).
Após todas as considerações acima é importante ressaltar aspectos primordiais desta pesquisa. Inicialmente serão realizadas observações nas turmas de sextos anos, para que posteriormente seja escolhida uma turma. Após a escolha será aplicado um questionário composto por três questões, sendo elas: 1) Se você tivesse que contar a história da sua família, como você contaria? 2) Como nós sabemos o que aconteceu no passado? Por exemplo, como sabemos que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil? 3) Como o autor do seu livro didático sabe o que aconteceu? Após a aplicação do questionário será escolhido um conteúdo específico do livro didático para que, levando em consideração a dinâmica da turma, seja elaborado um kit de fontes históricas, o qual conterá fontes textuais e visuais. Pretende-se que os alunos interpretem essas fontes e produzam suas narrativas.
Por fim, destaca-se que a metodologia utilizada será a Grounded Theory (teoria fundamentada), a qual é frequentemente utilizada pelos pesquisadores da Educação Histórica. Sublinha-se que o grande diferencial dessa teoria reside no fato do estudioso construir suas próprias categorias, referentes ao objeto de estudo, a partir dos dados que são obtidos no decorrer da pesquisa, de maneira que “os dados formam a base da nossa teoria, e a nossa análise desses dados origina os conceitos que construímos” (CHARMAZ, 2009, p.15). Portanto, as narrativas produzidas pelos alunos serão analisadas para que posteriormente possam ser construídas as referentes categorias.

Referências Bibliográficas
BACCELAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi; BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos; JANOTTI, Maria de Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de; BORGES, Vavy Pacheco; ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, 302p.
BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São Paulo: FTD, 2005, 448p.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia. 2.ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2010, 172p.
CAINELLI, Marlene Rosa; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Percursos das Pesquisas em Educação Histórica: Brasil e Portugal. In: ______. Educação Histórica: teoria e pesquisa. 1.ed. Ijuí: Unijuí, 2011. p.9-17.
CHARMAZ, Kathy. Convite à Teoria Fundamentada. In: _____. A Construção da Teoria Fundamentada. Porto Alegre: Artmed, 2009. p.13-28.
JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes Históricas como fonte. In: PINSKY, Carla Bassanezi; BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos; JANOTTI, Maria de Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de; BORGES, Vavy Pacheco; ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, 302p.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, p.113-128, dez. 2008.
RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o Ensino de História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.). Curitiba: Ed. UFPR, 2011, 150p.


7 comentários:

  1. Bom Dia Mnt. Heloisa Fazion,
    Gostaria de fazer a seguinte pergunta, percebi que as três questões elaboradas para os alunos seguem uma sequência, referem-se primeiro à família, depois ao passado e por fim ao livro didático, essa sequência foi pensada quando na elaboração das questões? Outra pergunta que gostaria de lhe fazer é, como foi a formulação das perguntas, você se inspirou em outra pesquisa ou foram desenvolvidas no decorrer de sua pesquisa?
    Por fim quero parabenizá-la pela investigação em andamento tão necessária para nós professores/pesquisadores de História. Também gostaria de acrescentar que você demonstra clareza e fluidez na escrita e no encadeamento das ideias, sucesso nessa empreitada.
    Grata,
    Prisciéle Maicá Silveira

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Boa noite Prisciéle Maicá Silveira,
      Inicialmente gostaria de agradecer por ter realizado a leitura do meu texto!
      Com relação a primeira pergunta destaca-se que as questões foram pensadas realmente para seguir uma lógica no momento das respostas. Com a primeira pergunta intenciona-se que os alunos possam perceber a diversidade do que pode ser considerado uma fonte histórica, até porque no momento em que os mesmos forem abordar a história de sua família, recorrerão, por exemplo, às fotografias antigas e a depoimentos de seus pais e avós, nesse sentido, recorrerão a fontes que são próximas a eles. Em seguida, elaboramos uma pergunta direcionada para a natureza da pesquisa histórica, sobretudo ao árduo trabalho do historiador. Ressalta-se que nesta questão busca-se que os alunos percebam a complexidade dessas fontes, até porque essas fontes não "falam" por si só, dependem, portanto, dos questionamentos e problemáticas colocadas por cada pesquisador, o que levará assim, a uma interpretação subjetiva de cada fonte. No que se refere a terceira questão, buscamos instigar os alunos a pensarem sobre a produção do livro didático em si, justamente porque para que o livro seja produzido é necessário que seus autores realizem uma vasta pesquisa acerca dos conteúdos que ali estão expostos, e, portanto, é necessário muita leitura e reflexão acerca de estudos já realizados. Destaca-se que a formulação das perguntas não foi inspirada em nenhuma outra pesquisa, mas sim foram fruto de conversas realizadas entre minha orientadora e a professora da escola na qual irei aplicá-la.
      Espero ter respondido com clareza! Agradeço demasiadamente pelos elogios. Espero realmente que esta pesquisa possa contribuir para o campo acadêmico.
      Heloisa Pires Fazion

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  2. Olá Heloisa, gostaria de saber quais conteúdos serão trabalhados nessa sua pesquisa. Os conteúdos do 6º ano se referem a Idade Antiga e Medieval, correto?

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá José Maria Neto,
      Primeiramente agradeço por ter lido meu texto!
      Exatamente. Os conteúdos do 6º ano se referem a Idade Antiga e Medieval. Para a aplicação da pesquisa foi escolhido um capítulo específico do livro didático, o qual é referente ao Egito Antigo. A escolha deve-se ao fato de que é um conteúdo que os alunos ainda não estudaram e, devido a isto, acreditamos que despertará o interesse dos mesmos.
      Heloisa Pires Fazion

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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