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Hélia Costa; Jessica Gleyce

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA DA INFORMAÇÃO
Mnt. Hélia Costa Morais
Mnt. Jessica Gleyce dos Reis Felix
PPGH/UFPB

A partir do século XX temos passado por inúmeras transformações sociais, culturais e econômicas que repercutiram diretamente na maneira como lidamos e enxergamos a nossa realidade. As transformações trazidas pela era da “revolução da informação” foram tantas que se faz difícil perceber as continuidades no decorrer deste processo, uma vez que as descontinuidades são bem mais visíveis. No entanto, é válido salientar que as mudanças ocorridas nas instituições, nas mentalidades, nas tecnologias e nas práticas não ocorreram de maneira uniforme, isso porque no campo das ideias leva-se mais tempo para se modificar e delinear tais mudanças.
Não existe uma sociedade que permaneça estática, em todas há transformações que procuram romper de alguma maneira com a cultura herdada, a fim de recriá-la. A educação surge como fundamental para o processo de socialização cultural, num exercício que permite ao ser humano tornar-se agente na construção histórica e cultural. Assim sendo, a educação não se configura como simples difusão do legado dos antepassados às novas gerações, mas enquanto processo de desenvolvimento da capacidade intelectual e moral do ser humano, que visa sua integração individual e social. No entanto, a educação não pode ser compreendida à margem da história, mas sempre vinculada a um contexto histórico, abrindo espaço para uma reflexão acerca da atuação do indivíduo na construção do seu próprio saber.
Le Goff (1992) aponta que a cultura histórica consiste na possibilidade de um diálogo entre a história, o saber e a sociedade, uma vez que consiste na relação entre as mais diversas áreas do conhecimento na construção das práticas e discursos. Neves (2001), por sua vez, atenta para o papel do historiador no processo de mediação do conhecimento histórico, ao afirmar que:
[...] mais do que nunca os historiadores têm a responsabilidade de definir o seu próprio, específico e intransferível papel, bem como equacionar a relação entre o conhecimento acadêmico ou cientificamente produzido e as outras formas de produção do saber, na construção da cultura histórica (NEVES, 2001, p. 46).
A ciência ocidental moderna deu início a um conhecimento multifacetado, dinâmico, para muitos até democrático, que instiga inúmeras problematizações, discussões e pesquisas no que se refere à elaboração do conhecimento que se tem produzido. Contudo, essas mudanças não se deram de uma hora para outra e, como afirma Peter Burke (2012), o acesso não foi sentido por todos os indivíduos e sociedades da mesma maneira, mas gradativamente.
Neste processo transitório acerca do entendimento da própria concepção do conhecimento histórico e sua aplicação na realidade prática, o ensino de história passou a se adequar à realidade do mundo contemporâneo ao buscar desempenhar um papel efetivo e decisivo na formação social dos sujeitos. Para tanto, passou-se a refletir acerca de uma transformação na didática do ensino de história, que deveria se centrar no aprendizado dos alunos e por isso, pensar num espaço de ensino que possibilitasse a participação destes no processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, acreditamos que pensar o ensino de história na contemporaneidade é uma tarefa que envolve múltiplas questões, que perpassam inclusive a disparidade entre a formação docente nas universidades e a prática efetiva em sala de aula. Em consonância, a utilização de novas tecnologias figura entre os principais temas de interesse entre historiadores e pesquisadores em exercício na educação básica em todo o país, que além das dificuldades inerentes ao cotidiano das escolas, vêem-se cada vez mais desafiados a encontrar formas de estimular o interesse pela disciplina, desconstruindo os estereótipos que a circundam e reiterando sua importância na busca pela autonomia e capacidade de questionamento dos indivíduos.
Para tanto, fez-se preciso verificar empiricamente como os suportes tecnológicos modernos podem e têm contribuído para os objetivos do ensino-aprendizagem. Uma vez que estes devem oferecer a possibilidade de os alunos se pensarem historicamente, a ponto de esboçar problematizações quanto às suas condições de ser social e da realidade na qual estão inseridos, devendo considerar o que Bezerra (2005) reflete no trecho a seguir, sugerindo que o ensino de história instigue nesses alunos o:
[...] respeito às diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando qualquer tipo de descriminação; busca de soluções possíveis para problemas detectados em sua comunidade de forma individual e coletiva, atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça e mentiras sociais; valorização do patrimônio sociocultural, próprio e de outros, incentivando o respeito à diversidade; valorização dos direitos conquistados pela cidadania plena, aí incluídos os correspondentes deveres, sejam dos indivíduos, dos grupos e dos poucos, na busca da consolidação da democracia (BEZERRA, 2005, p. 47-48).
            O historiador Nicolau Sevcenko (2001), levanta para além da discussão das novas formas de informatização e tecnologização, a importância de uma crítica social acerca dos rumos que a evolução tecnológica tem conduzindo a nossa sociedade, argumentando que a sociedade não deve permanecer-se alheia em meio a esse constante e crescente desenvolvimento, ao contrário, deve desenvolver o poder da crítica ou será obliterada por essa realidade de acontecimentos efêmeros que burlam a compreensão dos fenômenos culturais e sociais em processo. É uma reflexão que certamente cabe e precisa ser pensada no âmbito do ensino de história.
Burke (2012) defende que para que haja uma transformação do conhecimento não é suficiente a obtenção de informações, mas sua discussão e problematização. Pois, a discussão causa dúvidas e a constante busca por novas informações, sendo este um dos princípios basilares do ensino de história: o incentivo ao pensamento crítico da realidade. Como alerta Burke, a excessiva carga de informação tem sobrecarregado a sociedade e as pessoas que se alimentam dessa rede desenfreada de conhecimento que pode não representar algo benéfico.
Portanto, é primordial incentivar o caráter democrático-participativo, a fim de promover um diálogo entre os diversos sujeitos envolvidos no processo educacional. A escola deve estar sempre em diálogo com os sujeitos que a compõe, buscando com isso, a construção de uma educação calcada em uma visão reflexiva de si mesma. Isabel Alarcão chama atenção para a escola que pensa a si própria, suas ações e metas, como sendo:
Uma escola que se assume como instituição educativa que sabe o que quer e para onde vai. Na observação cuidadosa de sua realidade social, descobre os melhores caminhos para desempenhar a função que lhe cabe na sociedade. Aberta a comunidade exterior dialoga com ela. (2001, p. 25).
Assim, é importante ter em mente que o foco da ação escolar precisa ser alterado diante dos desafios impostos por esta nova realidade. Portanto, é primordial que a ação pedagógica embora deva dialogar amplamente com a qualificação técnica e cientifica, não esteja voltada exclusivamente a este aspecto, para que haja uma consciência crítica e reflexiva acerca da prática educativa. Por isso, é fundamental que os professores/pesquisadores conduzam a sociedade no exercício de reflexão que vise a tomada de consciência, fazendo com que os sujeitos aprendam a questionar, a problematizar a si próprios, a sociedade, suas produções e os possíveis efeitos de suas escolhas.

Referências
BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: Karnal, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005. P. 43-4.
BURKE, Peter. Cronologia do Conhecimento.In:________. Uma história social do conhecimento II: da Enciclopédia à Wikipedia. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 309 – 344.
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop d Montanha Russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992.

NEVES, Joana. Participação da comunidade, ensino de História e cultura histórica. Sæculum - Revista de História, João Pessoa, DH/UFPB, n. 6/7, dez. 2001, p. 35-47.

14 comentários:

  1. Bom Dia.
    Aliás dos já usados Blogs como espaços pra compartilhar informações, e servir como apoio para as aulas de história, você acredita que aplicativos como instagram ou facebook possam ser usados não só como espaços pra compartilhar informações ou como grupos para tirar dúvidas, mas como espaços virtuais de interação e construção de conhecimento acadêmico na disciplina de História? Como você acha que possa isto acontecer sem cair na simplicidade de postar informações “uteis” para os estudantes?
    Obrigada.
    Maria Isabel Giraldo Vasquez.

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    1. Olá, primeiramente agradeço a leitura do texto e a interação. Bem, acredito que embora se apresente como um grande desafio seja possível o uso desses dispositivos na construção do conhecimento histórico. Devemos começar a utilizar esses aplicativos a “nosso favor”, como fazemos isso? Acredito que inicialmente despertando a consciência histórica nos nossos alunos, atentando à historicidade na maneira como nos relacionamos, entre si e socialmente. Nesse sentido, essas “redes sociais” – Instagram, facebook, Twitter - são exemplos do modo como são estabelecidas as redes de sociabilidades na atualidade. Ou seja, isso já cabe uma vasta discussão com os alunos, podendo ser apresentado vários exemplos de como as sociedades se relacionaram ao longo do tempo. De forma lúdica e tomando como referência algo bem próximo a realidade deles, creio ser uma maneira de atentar ao fato de o passado não ser um todo homogêneo a ser “acessado”, mas que há uma variedade e multiplicidade de questões a serem pensadas e que, em sua maioria, tem a ver com o que eles vivenciam hoje. Portanto, creio que devamos começar a problematizar essas “redes” e o uso de analogias com o passado é apenas um exemplo disso. O professor deve usar a imaginação e despertar o senso crítico em torno destes meios tecnológicos, atentando à sua historicidade. Boa sorte!
      Hélia Costa Morais

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  2. Na perspectiva de vocês, qual o papel do professor na sala de aula? Quais as vantagens e problemas da sociedade sa informação? Part: Edivaldo Rafael de Souza.

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  3. Olá Edivaldo, agradeço a leitura do texto e a interação. No meu entendimento, o professor é um mediador do conhecimento. Porém, este não pode e nem deve assumir apenas o papel de “enciclopédia”, tratando o conhecimento como algo inerte e o aluno como uma “folha em branco”. Essa é uma das minhas principais inquietações. Assim, é fundamental que o professor/pesquisador reflita o seu papel enquanto agente no processo de ensino-aprendizagem, de modo a perceber que o seu ofício está intimamente vinculado ao compromisso com a formação de sujeitos históricos conscientes, autônomos e críticos, capazes de entender e intervir na sociedade em que vivem. Em relação ao segundo questionamento, creio que a era da informação é benéfica na facilidade de acesso ao conhecimento, aos múltiplos aspectos sociais, culturais, étnicos, presentes na configuração social. No entanto, o imediatismo e o excesso de presentismo no modo como se têm lidado com essas questões, digamos que vulgariza o conhecimento a ponto de os profissionais licenciados e qualificados em suas áreas, serem “trocados” pelo “notório saber”, por exemplo. Esse é um ponto de vista bem particular, vale salientar. Espero ter respondido.
    Hélia Costa Morais

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  4. Boa noite!

    A partir do cenário exposto pela comunicação, acerca dos novos desafios do ensino da história, é possível inserirmos nesse novo contexto de reflexões o ensinamento e a problematização da História Regional, onde os personagens estão mais próximos dos alunos?

    Por derradeiro, parabenizo pelo texto.

    Atenciosamente,

    Maikel Gustavo Schneider

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    1. Olá, Maikel! Grata pela leitura do texto, elogio e questionamento. Certamente sim, é fundamental que incluamos a História Regional nesse contexto reflexivo. Inclusive, por se referir a uma realidade mais próxima aos alunos, creio que a interação e resposta seja até mais satisfatória. Boa sorte!
      Atenciosamente,

      Hélia Costa Morais

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  5. Olá,
    Um aspecto importante da reflexão do texto nos remete para o fato de que não basta um suporte tecnológico diferente. É necessária a intervenção humana, do professor, no caso, para propor um significado ao conjunto de informações que as novas tecnologias nos disponibilizam.
    Carlos César Bento Filho

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    1. Olá, César! Grata pela leitura do texto e comentário. Sim! Esse é um aspecto fundamental nas reflexões suscitadas por esse debate. É importante que tenhamos isso em mente ao desenvolver as nossas atividades. Boa sorte!

      Atenciosamente,

      Hélia Costa Morais
      Jessica Gleyce dos Reis Felix

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  6. Altieres Barboza da Silveira6 de abril de 2017 às 07:15

    Texto excelente, parabéns!
    O que você pensa sobre uma situação onde o professor tem a consciência do que está sendo abordado no texto, mas a gestão da escola demonstra um total desconhecimento?
    Altieres

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  7. Olá, Altieres!Gratas pela leitura do texto, ficamos felizes que tenha gostado. Bem, situações assim são complexas e mais corriqueiras do que gostaríamos. O que nos resta é elaborar argumentos que esclareçam a necessidade de se abordar determinado conteúdo e possibilite ao menos um diálogo entre ambos. Sobretudo no atual contexto, é importante que não deixemos de abordar conteúdos que possibilitem reflexões nos alunos e que os ajude a lidar com esta realidade tão conflituosa. Desejamos sorte!

    Atenciosamente,

    Hélia Costa Morais
    Jessica Gleyce dos Reis Felix

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  8. Boa noite.

    Excelente reflexão, gostaria de levantar a seguinte indagação:

    * Quando vocês afirmam que "é primordial que a ação pedagógica embora deva dialogar amplamente com a qualificação técnica e cientifica, não esteja voltada exclusivamente a este aspecto, para que haja uma consciência crítica e reflexiva acerca da prática educativa." De que maneira a Formação Continuada dos Professores de História, promovida pelos respectivos Sistemas de Ensino, chegue de fato ao caráter transformador da nossa disciplina, buscando contextualizar com a realidade dos estudantes atuais cada vez mais conectados e muitos de nós, não buscam o aprimoramento profissional? Pois cada vez mais estamos sendo "bombardeados por vários veículos" e percebo que não estamos unidos para defendermos a importância da História, por exemplo, na Reforma do Ensino Médio e a falta de mobilização da ANPUH nas discussões da Base Nacional Comum Curricular - BNCC.

    Atenciosamente,

    Maria Raquel Moreira Leite

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  9. Boa tarde a todos!

    Sabemos da importância das TICs no processo ensino-aprendizagem, entretanto, ainda nas universidades temos um total descaso do poder publica no que tange a infraestrutura, em particular, laboratórios de informática, que poderiam aguçar ainda mais os graduandos a pesquisas. Neste contexto, como podemos mensurar o impacto da falta de estrutura nas IES, bem como o despreparo de muitos professores da graduação, que acabam deixando de lado discussões dessa natureza?
    att,
    BÁRBARA ROCHA DE MACÊDO

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  10. Olá, Boa tarde!

    Parabéns pelo texto, muito sugestivo, além é claro, esclarecedor em muitos pontos. Contudo, como poderíamos pensar um ensino de história na graduação, onde muitos professores universitários ainda insistem em resistir, e acabam não trazendo a discussão a importância da tecnologia na sala de aula? Seria negligência ou falta de conhecimento do processo ensino aprendizagem pela TICs?

    Att,
    Francisco Antonio Sousa Soares

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  11. Olá, boa noite.
    Parabéns pelo texto! Um assunto que deveria ser abordado mais vezes, pois as novas gerações estão chegando com ritmo diferente do nosso, assim como sempre foi, as mudanças sempre ocorrem, porém devemos salientar que as mudanças que tivemos nos últimos 10 anos fora mais acelerada do que as ocorridas até então. Minha pergunta é, como nos, profissionais da educação podemos nos manter mais perto de nossos alunos? Que ações podemos ter além de nos incluirmos de fato na era da tecnologia ? Para que possamos chegar mais perto da linguagem dos alunos, e de seus entendimentos.

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