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Helena Ragusa

OS CRISTÃOS-NOVOS NA PRODUÇÃO DIDÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Helena Ragusa
Mr. História UEL

Este trabalho é resultado de uma dissertação de mestrado – parte dela - defendida no ano de 2012, que dentre outros, teve como objetivo pensar como a figura do cristão-novo é compreendida no material didático utilizado na escola judaica, ao mesmo tempo estabelecer relações com aquele que é produzido fora dela. Ao longo de nossas análises foi possível perceber algumas nuances entre uma escrita e outra, levando-nos a constatar que nos materiais adotados nas escolas judaicas o neocristão é percebido logo nos primórdios de nossa colonização, ao contrário do que ocorre nas obras didáticas que comumente são utilizadas em nossas escolas tanto aquelas voltadas para a esfera pública, quanto privada. A pesquisa contou com reflexões de autores que contribuíram de forma significativa no que se refere a noção de cultura escolar, como é o caso de Dominique Julia (2001), André Chervel (1990) e Forquin (1993), e também daqueles que nos ajudam a elucidar a complexidade que existe em torno do cristão-novo, como é o caso das inúmeras pesquisas realizadas por Anita Novinsky (1972).
 “A história da educação judaica no Brasil ainda está por ser feita” (FALBEL, 2008, p. 321), deste modo num amplo leque de possibilidades e perspectivas para refletir em torno desta questão, optamos por situar nosso estudo nos primórdios de nossa colonização, quando os cristãos-novos já marcavam presença, conforme constatamos na análise dos textos veiculados em escolas de orientação judaica. Já no que toca a produção didática brasileira, que entre outras demandas, buscam atender as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), constatamos algumas lacunas, silêncios e distorções em relação à atuação destes sujeitos, como se não tivessem participado de nossa formação.
É significativo o número de estudos sobre os cristãos-novos em nossa historiografia, porém, a relação entre o ensino de História e produção historiográfica demonstra que, os avanços no sentido de uma aproximação mais consistente entre os saberes produzidos são demasiados tímidos. Tal distância não nos remete, como ocorre para alguns estudiosos, à ideia da transposição que carrega em si a imagem de uma escola conservadora, que não passa de “um mero agente de transmissão de saberes elaborados fora dela” (CHERVEL, 1990: 182).  É a partir da noção de cultura escolar, que justificamos as ausências em relação ao estudo do cristão-novo em nossa literatura didática, uma vez que o livro didático é parte dela, como um produto dessa cultura que influencia diretamente na sua elaboração.
Refletindo sobre a questão das finalidades ou demandas, aquelas das quais nos fala Julia (idem:10), nos voltamos para aquelas que atentam para o cunho religioso. Conforme Anne-Marie Chartier (2005), embora não se creia mais no papel cristianizador das escolas, nos países que sofreram a colonização, como é o caso do Brasil, a dominação cultural exercida pelo Ocidente, impondo seus modos de pensar, suas categorias, suas referências e seus sistemas de valores promoveram certamente uma educação pautada no cristianismo (idem:18).
Os livros didáticos que ora nos propusemos a investigar foram aqueles que de maior circulação e que tiveram o conceito ótimo pelo PNLD, e, no que diz respeito ao material didático utilizado pelas escolas de orientação judaica, nosso critério pautou-se também na circulação de um deles, que ainda é significativa e em um outro por apresentar aspectos diferentes quanto à sua elaboração quanto na utilização. O fato é que sobre estes últimos, o cristão-novo surge de modo muito mais abrangente do que aquela percebida nos materiais que circulam as escolas não judaicas. Este é o caso do III volume da série Caminhos do povo judeu, organizado por Renato Mezan, voltado para o Ensino Médio. Parte de uma série organizada para o curso de História Judaica, traz também inúmeras referências à História Geral e a nossa História, não estando, portanto, desvinculado do conhecimento histórico que abarca as estruturas das demais sociedades e dos períodos que a compõe. Nele, o autor refere-se aos cristãos-novos como aqueles que colaboraram ativamente nos anos iniciais do povoamento da colônia portuguesa, como foi o caso de Fernando de Noronha, um dos que recebeu a concessão de monopólios reais.
É no período da ocupação holandesa que mais se destaca a escrita de Mezan ao descrever os cristãos-novos no Brasil Colonial, como aqueles que atraídos pelo desenvolvimento da cana-de-açúcar, se inseriram na comunidade nordestina, envolvendo-se em várias atividades como a de soldados, desbravadores, capatazes, “um grupo dinâmico na sociedade colonial” (MEZAN, 1974, p. 191).
Outro aspecto completamente ignorado pelas obras didáticas seguidas pelas escolas não judaicas em comparação à obra de Mezan seria a importância que os judeus tinham para a Corte Portuguesa e os conhecimentos desenvolvidos e aprimorados por eles durante as Grandes Navegações.
O segundo material investigado foi produzido pelo Laboratório de Estudos da Intolerância (LEI) da Universidade de São Paulo, utilizado por uma escola específica do Estado de São Paulo, a qual chamamos de Cheder, direcionado para o 7º ano.
O programa adotado na instituição obedece às demandas do currículo oficial, bem como também procura atender os parâmetros judaicos. O acesso ao material nos possibilitou encontrar o cristão-novo numa perspectiva temporal e espacial mais abrangente do que aquela apresentada pelo nosso material, como é o caso do texto A Inquisição na Bahia, o primeiro texto. Logo no início da narrativa a autora faz questão de informar ao leitor sobre a origem dos cristãos-novos, quantos estavam estabelecidos na região, e também sua integração na sociedade, passando pelo processo de miscigenação. Num outro texto, Em Judeus, cristãos-novos e calvinistas durante a ocupação holandesa no Brasil, notamos que a professora preocupou-se em contextualizar o período que antecede a ocupação holandesa e também, depois, quando se deu a chegada dos holandeses ao Brasil. Sua narrativa inicia com a morte do Rei Sebastião, e no que isso acarretou para os portugueses, até chegar às razões que teriam atraído os holandeses para a Bahia primeiramente e depois para Pernambuco.
A partir desse momento, surge o cristão-novo como colaborador do domínio da Holanda sobre o Brasil e o retorno dos mesmos para sua antiga religião. Os judeus de Amsterdã também aparecem, ao lado de outros soldados contratados para ajudar no plano de dominação, ao lado dos cristãos-novos enquanto financiadores da indústria do açúcar, e outras atividades que provinham da mesma. Ao descrever sobre os diversos setores em que a comunidade israelita atuou, judeus e cristãos-novos, e o modo como contribuíram para o desenvolvimento da região a autora possibilita ao aluno ter uma maior dimensão sobre a participação dos mesmos na sociedade que passaram a integrar e os legados por eles deixados, tanto na medicina, quanto a própria religiosidade, a engenharia, a advocacia.
Em Nas selvas brasileiras: marranos constroem as primeiras vilas de ouro     (Minas Gerais – século XVIII),a autora traz os cristãos-novos logo no início da narrativa, como aqueles que atraídos pela descoberta do ouro teriam contribuído para a fundação das primeiras vilas da região. Por último, São Paulo Colonial e os Bandeirantes, a autora traz o cristão-novo na figura de José de Anchieta e enfatiza a condição do Apóstolo de descendente de israelitas quando se refere à sua descendência materna e a seu trisavô queimado pela Inquisição acusado de judaizar. No mesmo contexto, surge o Padre Leonardo Nunes, outro cristão-novo, responsável pela vinda de Anchieta ao Brasil, e que teve segundo ela, sua origem documentada, em uma carta de 1553 do Jesuíta Vicente Rodrigues endereçada à Companhia de Jesus, reclamando do grande número de neocristãos na Vila de São Paulo.
Entendemos que a presença do cristão-novo é, ao contrário do que ocorre nas obras didáticas investigadas no capítulo anterior, significativa. O fato de apontarem para os diferentes espaços e tempos que os neocristãos vieram a ocupar no Brasil colonial, demonstra o quanto foi de fato ampla e diversa sua atuação, não deixando dúvidas acerca das contribuições deixadas por eles na sociedade que aqui se formou.

Fontes: 
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1998. 10 volumes.
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC/SEF, 2000. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/index.html>. Acesso em: 20 outubro. 2011.
LEVY, Daniela. São Paulo Colonial e os Bandeirantes de origem judaica. LEI-USP. Novembro 2011, p. 1-5.
_____________. Judeus, cristãos-novos e calvinistas durante a ocupação holandesa no Brasil. LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 6.
_____________. Nas selvas brasileiras: marranos constroem as primeiras vilas do ouro. ( Minas Gerais – séc. XVIII). LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 2.
______________. A Inquisição na Bahia. LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 2.
MEZAN, Renato. Caminhos do povo judeu. São Paulo, 2ª edição: Editora Renascença, 1974.  Vol III.

Referências bibliográficas
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. In: Teoria & Educação. Porto Alegre, 1990.
FORQUIN, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista brasileira de História da Educação. Campinas, 2001.
NOVINSKY, Anita Waingort. Cristãos-novos na Bahia: a inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1972.


11 comentários:

  1. Boa noite!
    Assunto muito interessante os cristãos-novos.Minha dúvida é a seguinte: Os judeus foram expulsos de Portugal pelo Marquês de Pombal ou para não serem expulsos, se converteram ao Cristianismo. Os que converteram passaram a ser chamados cristãos-novos e continuaram normalmente com suas atividades comerciais em Portugal, certo? Dessa forma, por serem ricos e influentes, puderam intervir nas didáticas de ensino.

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  2. Bem vamos lá então. Os judeus não foram expulsos de Portugal pelo Marques de Pombal. Foram obrigados a se converterem quando a Espanha exigiu de Portugal q os judeus fossem expulsos do Reino. Como economicamente significavam muito para o país então a solução foi a conversão. Isso por volta do final do século xv. Após a conversão muitos vieram para o Brasil e para outras regiões de domínio português sobre a vigia é o controle do Santo ofício, eram então cristaos-novos. Certamente q muitos eram falsos conversões. Outros foram pra outras regiões não de domínio português mas q sentiam seguros por serem acolhidos como a Itália na região de Livorno. Os cristãos novos não interferiram em.absolutamente nada no que toca a educação brasileira até pq está foi td pautada no cristianismo - ver Anne Marie charter. As escolas judaicas q aqui se formaram estao relacionadas ao judeis que voeram pra ca especialmente depois ou durandurante a 2 grande guerra. Estes eram judeus e nao cristãos novos. Mais uma.coisa: os judeus de Portugal ou que estavam em Portugal não continuaram duas atividades normalmente após nem mesmo apos conversao. Nem.mesmo era assim quando judeus. A sit uacao dos judeus em.portugal oscilava muito de acordo co.a tolerância ou nao dos reinos. Espero ter esclarecido.

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  3. Oi Helena , muito boa a sua pesquisa. Com as discussões suscitadas pela Base Nacional Comum e pela observação do livro didático uma questão surgiu, que História temos ensinado às nossas crianças e adolescentes, num pais formado a partir de diferentes sujeitos a impressão que tenho é que os livros didáticos tem sido negligentes com africanos , indígenas, asiáticos e com os diferentes grupos de europeus que formaram o povo Brasileiro, o que você pensa sobre essa questão?

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Olá. Bem os livros didáticos sao certamente uma parte muito importa te ainda da cultura material escolar. Penso que esses saberes -escolar e aquilo q se produz na academia- estão mais próximos e cd vez menos tímidos no que se refere à escrita dos mesmos nos manuais. Penso também q é complexo pensar em livros didáticos uma vez que atendem uma série de demandas. Dominique Julia (2001), Forquin, Munakata nos ajudam bem a pensar sobre s questões. Abracos

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  4. Bom dia, A chegada dos cristãos novos ao Brasil, certamente contribuiu para a formação do povo brasileiro, culturalmente principalmente no estado de Minas Gerais algumas características como o comportamento mais acanhado, perfeccionista, sem pressa de terminar determinado trabalho devido a preocupação com qualidade do trabalho que esta sendo exercido, alem da questão da tradicional família, foram contribuições tragas pelo cristão novos. E no linguajar, no vocabulário o que foi trago e acrescentado ou que ao longo do tempo devido a dita clandestinidade religiosa foi “amineirada” ou modificada pelos cristãos novos de mais relevante, poderia falar um pouco sobre isto e citar trabalhos e livros alem das referências e fontes citadas no texto, gostaria da sugestão de alguns mais específicos sobre o assunto citando Minas Gerais. Uma pena que nos livros didáticos seja um assunto deixado de lado, pois é sem duvida um assunto muito rico principalmente para a criação da identidade do povo mineiro. Parabéns pelo texto, desde já agradeço.
    Att.
    Alexandre Santos Sturt Costa

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    1. Sim som mas aproximacoes entre esses saberes já estão sendo feitas novos sujeitos e tal. Os manuais didáticos atendem demandas é bastante complexo. Para além do que vc citou os legados podem ser vistos em nosso comportamento no dia a dia e até mesmo Em algumas expressões que fazemos uso

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  5. Olá Helena,

    Interessante temática. Parabéns pela pesquisa.

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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  6. Olá. Bem os livros didáticos sao certamente uma parte muito importa te ainda da cultura material escolar. Penso que esses saberes -escolar e aquilo q se produz na academia- estão mais próximos e cd vez menos tímidos no que se refere à escrita dos mesmos nos manuais. Penso também q é complexo pensar em livros didáticos uma vez que atendem uma série de demandas. Dominique Julia (2001), Forquin, Munakata nos ajudam bem a pensar sobre s questões. Abracos

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