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Geanice Pinheiro; Terlen Lana; Wilverson Rodrigo

AS DIFICULDADES EM TRABALHAR A EDUCAÇÃO ÉTNICO- RACIAL NO AMBIENTE ESCOLAR
Geanice Pinheiro dos Santos
Terlen Lana Vasconcelos de Sena
Wilverson Rodrigo Silva de Melo
UFOPA

Introdução
Em um país onde as leis nem sempre são cumpridas faz-se necessário uma breve análise bibliográfica sobre como é trabalhada a questão da discriminação e preconceito racial no contexto escolar.
O objetivo do presente estudo é perceber os obstáculos encontrados pelas instituições de ensino na execução da Lei nº 10.639/2003, e como essa lei após treze anos de sua implantação, ainda se encontra pouco conhecida e divulgada nos ambientes escolares, em seguida faremos um esbouço sobre as consequências e efeitos causados pela discriminação racial e o mal que isso acarreta na vida da criança discriminada, como o professor pode interferir e intervir nos casos de discriminação e preconceito racial.
A metodologia adotada neste estudo foi um levantamento bibliográfico, com leituras de livros e artigos, fichamentos de textos que abordam o assunto em destaque, com intuito de melhor analisarmos as dificuldades que o docente enfrenta em trabalhar a discriminação racial e o preconceito no cotidiano das escolas.
Portanto, este trabalho pretende refletir sobre os possíveis motivos que inviabilizam o processo de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes Curriculares e ainda mostrar que, apesar de existirem dificuldades na execução da Lei, há também sutis avanços no sentido de haver uma visão mais sensível para a diversidade de etnias raciais encontradas no ambiente escolar.

Reflexões acerca da educação étnico-racial e suas consequências
O olhar atento quanto a questão de discussões sobre a temática da diversidade étnico-racial nas escolas e quanto a sua prática no dia a dia em sala de aula, ainda é pouco percebido, e os agentes envolvidos no processo ensino-aprendizagem enfrentam certos empecilhos em contribuir para o alcance dos objetivos da referida discussão.
No que concerne aos efeitos da discriminação e preconceito racial no ambiente escolar, são muitas sequelas deixadas por esse ato, a criança que sofre esse tipo de violência se sente desvalorizada, humilhada e em uma posição de inferioridade, isso pode acarretar diversos transtornos em sua vida escolar, social e na própria família. Tais consequências deixam a criança em desvantagens em seu desenvolvimento cognitivo, dificulta o aprendizado e sua relação com os demais colegas “ditos” brancos.
Apesar da grande parcela da população ser de origem negra, cuja eficácia não se pode negar no contexto histórico de nosso país, não é raro encontrarmos cada vez mais pessoa de cor sendo vítimas do preconceito racial, além das agressões, usam frases que ridicularizam os negros conhecidas por ditos populares. Entre as diversas piadas que circulam em nosso meio, pode-se dizer que a grande maioria recupera determinados valores em torno do negro que envolve os seguintes aspectos: submissão, sujeira, limitação intelectual, feiúra, animal, inútil, safado, mal, entre outros. As frases como “negão” e piadas de “preto”, fazem parte do nosso cotidiano e são vistas como algo “comum” nas expressões do coletivo brasileiro, são elas: “Só pode ser negro”, “negro de alma branca”, “negro é a sujeira do mundo”. (NASCIMENTO, 2010, p. 4).
Esse ato de preconceito e discriminação nem sempre se encontra explícito na escola, ou seja, ele pode estar camuflado em palavras carinhosas, mas que exprimem um sentimento de inferioridade em relação ao outro, coloca o “branco" em uma situação de superioridade.
Por ser a fase onde a criança está em processo de busca e descoberta de sua identidade, muitas vezes ela nega sua própria origem, para que seja aceita e colocada em igualdade em relação aos demais colegas.
Neste sentido, cabe ao professor ter um olhar mais sensível e ser conhecedor da história e das lutas dos negros, para com isso perceber não só as diferenças étnico-raciais existentes na escola, mas também como lidar e como transmitir esses valores às crianças, pois é conhecendo as diferenças que se aprende a respeitar o outro com suas peculiaridades. Segundo Gomes (2012, p. 29):
Isso requer mudança nos discursos, nos raciocínios, nas lógicas, nos gestos, nas posturas, no modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e sua cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira.
Portanto, é importante que os professores capacitados trabalharem essa situação desnaturalizando o discurso preconceituoso enraizado em nossas mentes e promover o respeito à diversidade étnico-racial e cultural da sociedade brasileira.
Porém, a escola não está devidamente preparada para atender ao que é posto na legislação, apesar de o ambiente escolar ser o responsável pela construção do conhecimento sistematizado, pela socialização dos estudantes, talvez a implementação da Lei 10.639/03 seja de certa forma prejudicada, pois a escola, nesse contexto, faz vistas grossas às ocorrências de atitudes racistas.
Sendo a maior parte da população brasileira composta por negros, os quais na maioria das vezes sofrem discriminação racial, por serem de “cor”, e por terem poucas oportunidades, acabam sendo vítimas de atitudes discriminatórias e consequentemente sua capacidade é levada à inferiorização. Do mesmo modo acontece na escola, a criança recebe um apelido “carinhoso”, mas esta muitas vezes está sofrendo uma prática racista.  
Diversos estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas públicas quanto em particulares, a temática racial tende a parecer como um elemento para a inferiorização daquele/a aluno/a identificado/a como negro/a. Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhosos ou jocosos, que identificam alunos(as) negros(as), sinalizam que, também na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo de práticas racistas e discriminatórias. (CAVALLEIRO, 2006, p. 22)

Implementação da lei 10.639/2003
Muito se fala em leis, porém pouco se cumpri ou se executa na íntegra, às vezes pelas dificuldades de aplicação e as diferentes percepções, acabam prejudicando o seu cumprimento. Não seria diferente com a Lei nº 10.639/2003, que obriga às instituições de ensino de todos os níveis à implementarem nas Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Atualmente observa-se o que antes era invisível pela falta de informação ou de conhecimento, hoje apesar de ainda ser tratada com menos ênfase, está sendo mais divulgada e trabalhada, em busca de promover o respeito e a igualdade entre todas as etnias raciais e/ou classes sociais, pois o objetivo principal do Plano Nacional é garantir esses direitos:
O presente Plano Nacional tem como objetivo central colaborar para que todos os sistemas de ensino cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar as diferentes formas de preconceito racial, racismo e discriminação racial para garantir o direito de aprender a equidade educacional a fim de promover uma sociedade justa e solidária. (SECADI, 2013, p. 19)
No entanto, para Gomes (2012, p. 24),
Todos esses dispositivos legais entram em confronto direto com o imaginário e as práticas de racismo e com o mito da democracia racial extremamente arraigados no bojo do processo de escolarização e no imaginário de profissionais da educação em todos os níveis da educação brasileira.

Porém, não podemos deixar de observar os avanços e melhorias que a Lei 10.639/2003 trouxe para o interior das escolas e na sociedade em geral. O que antes era totalmente despercebido, hoje já se pode notar projetos que destacam essa temática, mesmo que ocorram esporadicamente e somente em datas específicas como, por exemplo, o dia 20 de novembro, onde se comemora “o dia da consciência negra”.
Nesse contexto, torna-se muito oportuna a inclusão da temática no Projeto Político Pedagógico das escolas, visto que a ação para a elaboração do projeto é realizada através de construção coletiva o que viabilizaria para a implementação da Lei 10.639/03, pois esta estaria mais próxima da realidade, podendo ser inserida no cotidiano escolar. De acordo com Gomes (2012, p. 27):
Refere-se à capacidade de o trabalho desenvolvido na escola na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e das suas Diretrizes Curriculares Nacionais se tornar parte do cotidiano escolar, ou seja, da organização, da estrutura, do Projeto Político-Pedagógico, dos projetos interdisciplinares, da formação continuada e em serviço dos profissionais, independentemente da atuação específica de um(a) professor(a) ou de algum membro da gestão e coordenação pedagógica. Trata-se de a educação das relações étnico-raciais se tornar um dos eixos norteadores da proposta político-pedagógica desenvolvida pelo coletivo dos profissionais da educação que atuam na instituição escolar.

Considerações finais
Após verificação dos dados observados, chegou-se ao entendimento de que é extremamente necessário que haja um esforço coletivo para que leis como a 10.639/03 surta o efeito objetivado com sua implantação. É importante salientar que a responsabilidade na execução da lei, precisa ter uma participação não somente do poder público, mas também devem unir forças a estes, as instituições de ensino, as entidades não governamentais, comunidade escolar e a família.
Portanto, a escola como um elo de ligação entre as instâncias governamentais e a comunidade a qual está inserida, deve propiciar essa aproximação e o envolvimento, através de palestras, oficinas, discussões para que todos tanto os funcionários da própria escola quanto a família atentem para a questão da discriminação e preconceito presentes no cotidiano escolar e valorizem a importância que se reveste a Educação Étnica-Racial e a Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Referências
CAVALLEIRO, Eliane. Valores Civilizatórios dimensões históricas para uma educação anti-racista. In: Ministério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico Raciais. Brasília: SECAD, 2006. 262 pg.
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. / Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, SECADI, 2013. p. 104.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03 / Nilma Lino Gomes (org.). 1. ed. -- Brasília : MEC ; Unesco, 2012. 421 p.

20 comentários:

  1. Ótimo trabalho pessoal! Muito bom ver discussões sobre o caratér educacional no Brasil que mesmo com leis definidas ainda persiste nesse abismo de preconceito e ignorância. Torço por um país mais justo e com intelectuais que valorizem o ensino como vocês. No mais, só tenho um breve questionamento sobre quais autores devo buscar para embasar meus planos e atividades no ensino fundamental. Aguardo a resposta, obrigado!

    Att.
    Luan Moraes
    Mestrando do PPGH-UFAL

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    1. Saudações Luan!

      Bom, a bibliografia é muita extensa. Sugiro textos das Profas Petronilha Beatriz, Nilma Lino Gomes, Lilia Schwartz, Wilma Celho, Iolanda de Oliveira, textos de Profs como Kabengele Munanga, Eurípedes Funes, jOsé Henrique Rollo Gonçalves, etc.

      No entanto, cabe ressaltar que dependendo do público alvo das aulas não se deve fazer uma transposição didática, pelo contrário, se faz necessário realizar mediação didática, adaptando as discussões dos textos a linguagem dos alunos.

      Cordialmente, Wilverson Rodrigo.

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  2. Ótimo trabalho pessoal! Muito bom ver discussões sobre o caratér educacional no Brasil que mesmo com leis definidas ainda persiste nesse abismo de preconceito e ignorância. Torço por um país mais justo e com intelectuais que valorizem o ensino como vocês. No mais, só tenho um breve questionamento sobre quais autores devo buscar para embasar meus planos e atividades no ensino fundamental. Aguardo a resposta, obrigado!

    Att.
    Luan Moraes
    Mestrando do PPGH-UFAL

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  3. Olá, gostaria de saber a opinião de vocês a respeito da capacitação.Será que é suficiente para suprir as necessidades dos educandos que sofrem qualquer tipo de atos preconceituosos?

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  4. Olá, gostaria de saber a opinião de vocês a respeito da capacitação.Será que é suficiente para suprir as necessidades dos educandos que sofrem qualquer tipo de atos preconceituosos?

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    1. sabemos que so a capacitação não é suficiente, pois é necessário que todos os envolvidos seja comprometido com a causa, principalmente os professores que se deparam mais de perto com essa situação de preconceito e discriminação.

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  5. Olá, adorei essa discussão, o Brasil precisa abordar mais isso. Mas minha pergunta é: quais instrumentos pedagógicos que podemos usar para amenizar tal situação de preconceito na sala de aula? E como podemos trabalhá-los com os alunos?

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    1. Olá, um dos instrumento pedagógico já existe, apenas precisa ser modificado, que é o livro didático, pois pouco se ver em suas páginas temas voltados a discriminação e preconceito racial, o que se ver são apenas menções em datas alusivas como o dia da consciência negra. Os professores não deveriam também se ater somente ao livro didático, poderiam inserir e estimular em suas aulas leituras periódicas e dinâmicas de literaturas que abordem a temática.
      Espero ter contribuído.
      Geanice Pinheiro dos Santos

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  6. Amanda M. Olegário3 de abril de 2017 às 18:08

    Olá, adorei essa discussão, o Brasil precisa abordar mais sobre isso. Mas minha pergunta é: quais tipos de metodologias podemos utilizar em sala de aula para trabalhar essa discussão?
    Atenciosamente, Amanda Martins Olegário

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    1. Olá, acredito que trabalhar essa temática num contexto escolar requer um esforço coletivo, ou seja, não somente o professor deverá fazê-lo, mas essa ação deve envolver também outros membros da escola. Penso que a utilização da ludicidade em atividades escolares seja uma boa metodologia para trabalhar com crianças do fundamental menor, além de realização de palestras na escola com a participação da comunidade. Importante também é que este assunto faça parte da construção do PPP da escola, garantindo que a temática não seja trabalhada de forma esporádica, mas que seja uma constante no cotidiano das atividades escolares.

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  7. Quais foram os pontos principais para esse tema abordado? Apesar que no mundo em que vivemos precisamos melhorar muito.

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    1. Um dos pontos principais foi A falta de conhecimento do teor da lei 10639/03, e até mesmo o nao cumprimento dessa lei. Pois a lei obriga a implementação que seja inserido nas Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação das Relações Étnico-raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Porém percebemos que a lei ja tem mais de 10 anos e até o momento pouco de deu a devida importância.

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    2. Um dos pontos abordado foi a falta de conhecimento do teor da Lei 10.639/03, e até mesmo o não cumprimento dessa lei. Pois a lei obriga a implementação que seja inserido nas Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação das Relações Étnico Raciais e o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Porém percebemos que já tem mais de 10 anos que a lei foi criada, no entanto ainda não foi dada à devida importância.

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  8. Um dos pontos principais foi A falta de conhecimento do teor da lei 10639/03, e até mesmo o nao cumprimento dessa lei. Pois a lei obriga a implementação que seja incerido nas Diretrizes Curriculares Nacionais a Educação das Relações Étnico-raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Porém percebemos que a lei ja tem mais de 10 anos e até o momento pouco de deu a devida importância.

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  9. Ótima abordagem, muitas leis são homologadas mas a prática delas são quase invisíveis.
    Só percebemos a visibilidade deste tema na semana que se comemora a Consciência Negra, as escolas preparam algumas apresentações.
    Vocês tem interesse de ampliar a pesquisa, indo a campo?
    Atenciosamente
    Lucivaine Melo da Silva

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  10. Olá, de início nossa intenção foi verificar o quanto esse tema estava sendo abordado nas escolas através de nossas pesquisas, não tivemos a oportunidade de ir a campo, fizemos um levantamento bibliográfico. Esse foi um trabalho realizado na universidade. Não pensamos ainda em estender ou ir mais a fundo no tema, mas quem sabe mais a frente nós nos aprofundamos no assunto, já que ele é importante, merece atenção e é tão pouco trabalhado nas escolas.

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    1. Obrigada, espero que vocês prossigam a pesquisa pois é um tema que precisa de sua abordagem desde as séries iniciais.
      Lucivaine Melo da Silva

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    2. Terlen Lana Vasconcelos de Sena7 de abril de 2017 às 16:36

      Obrigada pelo incentivo!

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  11. olá autores,
    gostaria de perguntar quais as concretas mudanças que podem ocorrer no espaço escolar no trato com a temática indígena? Estamos caminhando para 10 anos de promulgação da lei 11.645/2008 e ainda percebemos em muitas pesquisas traços de uma não valorização aos aspectos culturais.

    Grato.

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