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Gabriela Balestero

A DOMINAÇÃO APRENDIDA EM BOURDIEU
Gabriela Soares Balestero
Dnt. História Social pela UFU

Bourdieu defende a ideia de que o homem aprende a lógica da dominação masculina e a mulher absorve essa relação inconscientemente. A repetição então é entendida como inerente ao ser humano. Aprendemos através de exemplos. Assim, muitas vezes, nós repetimos sem perceber. Nesse sentido, a sociedade, naturalizando comportamentos, legitima essa concepção através das repetições. Bourdieu define o poder simbólico como este poder invisível no qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (Bourdieu 1989: 6-16). Nessa linha, a violência simbólica, segundo o autor se traduz como uma violência suave, insensível pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento ou reconhecimento. (Bourdieu 2003)
Segundo o autor, na lógica da dominação o dominado reconhece o poder exercido pelo dominante. As instituições tais como Estado, família e escola colaboram como agentes de perpetuação dessa relação de dominação, pois elaboram e impõe princípios de dominação que são exercidos no campo mais fértil que pode haver em uma sociedade: a vida privada. Essas instituições determinam comportamentos, impõe regras, valores que são absorvidos pelas instituições familiares, de forma que através da comunicação é aprendido instintivamente por meio de esquemas inconscientes da ordem masculina.
A dominação masculina é munida de todos os instrumentos necessários para seu funcionamento. O termo simbólico, no caso da dominação masculina, procura demonstrar que esta é tanto ofensiva e perigosa quanto a violência física, pois é tão forte que não necessita de justificação ou coação, ela já se encontra inserida como uma predisposição natural do indivíduo. O poder simbólico é construído, por isso não existe culpabilização da vítima, já que devido a essa construção estrutural a mulher acaba se comportando de forma que ratifica sua submissão, ainda que seja não intencional a partir de concepções aprendidas do que é amável, admirável, ela se sensibiliza com essas manifestações e procura se enquadrar nesse perfil. (Bourdieu 2003)
Se houve um trabalho de historicização de eternizar conceitos, para sair desse elemento opressor, seria necessário um trabalho de reconstrução da história ou a recriação da história e das estruturas que mantém a dominação masculina. O Estado a igreja e a escola foram e são as instituições mais importantes responsáveis pela construção dos papéis desempenhados pelos gêneros. A família é o berço da representação da dominação masculina, onde se inicia a primeira noção de divisão de tarefas baseadas no gênero. A igreja, sendo historicamente antifeminista perpetua através de séculos a noção moralista patriarcal de inferioridade feminina, condenando qualquer tipo de prática considerada subversiva aos costumes, como roupas ou determinados comportamentos. (Bourdieu 2003) Assim, a escola contribuiu transmitindo ideias arcaicas de modelos pré-concebidos tipicamente masculinos e femininos, de profissões e comportamentos. O Estado adquire uma figura paternalista em alguns países, onde faz da família patriarcal o núcleo duro da sociedade, atribuindo excesso de importância ao homem em detrimento da mulher.
Há fatores que podem contribuir para uma mudança e questionamento da dominação masculina, são os fatores de mudança descritos pelo autor. O movimento feminista contribuiu em algumas áreas para desmistificação de certos comportamentos, rompendo-os. Podemos citar a área que abrange o acesso da mulher ao mercado de trabalho e seu papel, houve nesse sentido distanciamento das tarefas domésticas. O mais importante está relacionado ao âmbito escolar, onde o acesso feminino garantiu mais independência feminina econômica no seio familiar, além de contribuir para mudar a estrutura familiar, aumentando o número de divórcios. (Bourdieu 2003)
O aumento da escolaridade e o acesso feminino as profissões intelectuais e nos meios de difusão de vendas de serviços simbólicos merecem destaque, pois são posições que anteriormente não eram ocupadas por mulheres. Infelizmente isso não significa que as posições ocupadas sejam posições de destaque, pois embora as condições tenham melhorado contribuindo para maior ascensão e independência da mulher, os postos onde se detém muito poder está quase que exclusivamente restrito aos homens, salvo raras exceções. (Bourdieu 2003).
Assim, a violência de gênero se expressa e se reproduz culturalmente através de comportamentos irrefletidos, aprendidos histórica e socialmente. Em resumo, Bourdieu defende a ideia de que a dominação masculina é aprendida pelo homem e absorvida pela mulher inconscientemente e como tal podemos concluir e entender que a violência é um problema social e como tal deve ser atacado não somente nos resultados.

Bibliografia
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. A experiência vivida. Trad. de Sérgio Milliet. 1.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. de Maria Helena Kühner. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Coleção Memória e sociedade. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BUONICORE, Augusto César. Engels e as origens da opressão da mulher. Revista Espaço Acadêmico. Março. n. 70. Março. Ano IV, 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klaus. 2.ed. São Paulo: Centauro, 2004.
BONACCHI, Gabriella. (Org.) O Dilema da cidadania. Direitos e deveres das mulheres. São Paulo: Unesp, 1995.
HASSAN, Rasha Mohammad. Clouds in Egypt’s Sky. Sexual Harassment: from verbal Harassment to Rape. (A Sociological Study). The Egyptian Center for Women’s Rights. 2010. Disponível em: < http://egypt.unfpa. org/Images/Publication/2010_03/6eeeb05a-3040-42d2-9e1c-2bd2e1ac- 8cac.pdf>. Acesso em 10 de out. de 2014.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2001.
MATOS, Marlise; CORTÊS, Iáris Ramalho. Mais Mulheres no Poder: Contribuição à Formação Política das Mulheres. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.
PAUTASSI, Laura C. Há igualdade na desigualdade? Abrangência e limites das ações afirmativas. Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 4, n. 6, 2007.

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

17 comentários:

  1. QUAL O PAPEL QUE A INSTRUÇÃO EXERCE NO MEIO SOCIAL E CULTURAL, E SEUS BENEFÍCIOS PARA A SOCIEDADE?

    JÁYSON FELLYPE RIBEIRO PRADO

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    1. A sociedade brasileira, desde a sua formação, é constituída por uma diversidade
      étnica e cultural, a qual deve ser contemplada no espaço escolar, para que se
      reconheça a pluralidade das vivências dos diferentes grupos sociais da comunidade
      onde a escola está inserida.
      Sendo assim é indispensável a educação para a formação da cidadania, para formar conhecimento, derrubar preconceitos e quebrar paradigmas.
      Comunicadora: Gabriela Soares Balestero

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    2. GABRIELA SOARES BALESTERO6 de abril de 2017 às 09:56

      A sociedade brasileira, desde a sua formação, é constituída por uma diversidade
      étnica e cultural, a qual deve ser contemplada no espaço escolar, para que se
      reconheça a pluralidade das vivências dos diferentes grupos sociais da comunidade
      onde a escola está inserida.
      Sendo assim é indispensável a educação para a formação da cidadania, para formar conhecimento, derrubar preconceitos e quebrar paradigmas.
      Comunicadora: Gabriela Soares Balestero

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá. Gostei muito de seu texto e gostaria de saber um pouco da da sua visão sobre tema abordado, especialmente acerca da colocação no último parágrafo. Quais seriam suas sugestões para uma educação capaz de combater as causas do problema levantado?
    Atenciosamente;
    Zilfran Varela Fontenele

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    1. A tendência da política social durante as duas últimas décadas foi a de fomentar a integração e a participação, e de lutar contra a exclusão. A integração, a igualdade, a não discriminação e a participação são essenciais à dignidade humana e do gozo e exercício dos direitos humanos tanto na esfera pública quanto privada. No campo da educação, isto se reflete no desenvolvimento de estratégias que possibilitem uma autêntica igualdade de oportunidades. Como estratégia trago como exemplo as rodas de debates proporcionadas pelo projeto Emancipa, um projeto social junto à escolas públicas que visa educar e incluir e trazer melhores oportunidades de acesso aos alunos às faculdades. Nessas rodas de conversas são debatidos diversos temas incluindo o feminismo e seus teóricos. Então estratégias como essa podem incentivar e tentar combater tais problemas.

      COMUNICADOR: GABRIELA SOARES BALESTERO

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  4. Gostei bastante do texto. Qual o papel das instituições no estruturação subjetiva do indivíduo? E como o indivíduo pode tornar-se agente remodelando estruturas estruturantes desviando-se dessa lógica de reprodução e dominação? Seria possível um modelo educação alternativa que superasse essas dicotomias e possibilitasse a não reprodução de desigualdades?

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    1. GABRIELA SOARES BALESTERO6 de abril de 2017 às 09:35

      Como dizia Foucault os discursos determinam os objetos dos discursos. Os objetos existem como objetivações que se são por meio de práticas e discursos que posicionam esses objetos como objetos de discursos . As coisas são objetivadas deste ou daquele modo , segundo tal prática ou discurso. Assim, podemos dizer que as práticas e os discursos constroem, discursivamente, por meio de relações de saber e poder, os seus objetos de discurso. E esses discursos muitas vezes dotados de preconceitos são transmitidos por gerações, são ensinados por gerações. Assim, as práticas devem ser o foco da mudança. Sendo assim, lutar contra a violência que sofrem as mulheres significa, a meu ver, não apenas enfrentar situações palpáveis como o estupro, a violência doméstica, a inferiorização, a humilhação e a exclusão física das mulheres, mas enfrentá-las também no plano simbólico e do imaginário social, tendo a educação papel de extrema relevância, transformando as formas misóginas e sexistas de pensar que hierarquizam o mundo e produzem regimes de verdade autoritários e excludentes.

      COMUNICADOR: GABRIELA SOARES BALESTERO

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  5. Interessante como nossa sociedade está repleta de situações e pensamentos arraigados e que em certos casos nem sabemos o motivo de mantê-los em voga.
    Minha pergunta se refere ao ponto religioso. Muitas pessoas, inclusive mulheres, têm a ideia de que o fato da mulher estar sujeita ao homem é uma questão bíblica, tendo como uma justificativa a crença da mulher vir da costela do homem e existir apenas para lhe fazer companhia. Em sua visão, como é possível amenizar algo tão profundo e milenar que até hoje perdura em religiosos mais fervorosos?
    Alexandre Antonio Cavalcante de Souza

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    1. GABRIELA SOARES BALESTERO6 de abril de 2017 às 09:54

      Esse é um ponto inclusive debatido até mesmo no meio cristão. Sempre fui uma pessoa de dialogar muito com católicos, protestantes, espíritas. Nesses diálogos pude conhecer que há interpretações divergentes no trato da questão. Alguns consideram que a vinda de Jesus Cristo derrubou paradigmas então vigorantes e proporcionou um entendimento e um prática inclusiva, inclusive em relação ao próprio papel da mulher na sociedade (Jesus mandava respeitar as mulheres, amar as mulheres e não o contrário). Outros apresentam uma visão mais retrógrada, utilizando o Antigo Testamento mesmo. Então o que vislumbro que são os fundamentalistas religiosos, que se dizem seguidores de Cristo ("falsos cristãos"), utilizando a máquina pública para continuar mantendo uma estrutura patriarcal de dominação e até mesmo de violência. Para mudar essa estrutura somente exercitando o amor, o respeito, o direito e a solidariedade (Axel Honneth)

      Comunicadora: Gabriela Soares Balestero

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    2. Concordo plenamente Gabriela, sem o respeito à todas as pessoas, independente de sexo, religião, tom de pele, é impossível termos uma sociedade melhor.

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  6. Jorge Luís Mazzeo Mariano6 de abril de 2017 às 12:02

    Olá Gabriela,

    Afora as críticas tecidas a respeito da obra "A Dominação Masculina" (2011 - 10a ed.), em função da ignorância (ou pouca consideração, nas palavras de Michelle Perrot) de Bourdieu em relação à teoria feminista que já estava avançada no momento em que o autor francês escreveu a referida obra, acredito que ela apresenta pontos importantes para a discussão.
    De acordo com Bourdieu (2011), a sociedade investe muito tempo no processo de “masculinização do corpo masculino” e “feminização do corpo feminino” com o objetivo de naturalizar o processo histórico que leva à dominação masculina. Segundo o autor, é por meio deste adestramento dos corpos que os indivíduos entram nos jogos sociais de desenvolvimento da virilidade, tais como a política, a ciência, e muitos outros.
    Bourdieu (2011, p. 71) apresenta a influência da educação nesse processo:
    "A educação primária estimula desigualmente meninos e meninas a se engajaram nesses jogos e favorece mais nos meninos as diferentes formas da libido dominandi, que pode encontrar expressões sublimadas nas formas mais “puras” da libido social, como a libido sciendi. Deveríamos mencionar aqui todas as observações que atestam que, desde a mais tenra infância, as crianças são objeto de expectativas coletivas muito diferentes segundo seu sexo e que, em situação escolar, os meninos são objeto de um tratamento privilegiado (sabe-se que os professores lhes dedicam mais tempo, que são mais seguidamente arguidos, mais raramente interrompidos e participam mais nas discussões gerais)".
    Neste sentido, acredito que as propostas de Bourdieu podem contribuir para o debate de relações de gênero.

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    1. GABRIELA SOARES BALESTERO6 de abril de 2017 às 14:23

      A escola é um espaço de reprodução de estruturas sociais e nela o legado econômico da família transforma-se em capital cultural. E este, segundo Bourdieu está diretamente relacionado ao desempenho dos alunos na sala de aula. Eles tendem a ser julgados pela quantidade e pela qualidade do conhecimento que já trazem de casa, além de várias “heranças” trazidas do âmbito privado. Na escola, é comum alunos serem discriminados por causa de sua aparência e seus hábitos, sua sexualidade. E Bourdieu previa a possibilidade de superar essa situação se as escolas deixassem de supor a bagagem cultural que os alunos trazem de casa e partissem do zero.

      Comunicadora: Gabriela Soares Balestero

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  7. Olá, Gabriela. Gostaria de saber se Bourdieu ou outros autores da sua bibliografia abordam o papel imposto sobre os homens (o dever do sustento, da proteção, etc) pelo meio social. Parabéns pelo texto!

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  8. GABRIELA SOARES BALESTERO7 de abril de 2017 às 09:02

    É um papel perpetuado e reproduzido infelizmente em nossa sociedade. Distribuir tarefas de acordo com os sexos é algo culturalmente reproduzido dentro deste sistema patriarcal. Antigamente, por exemplo, enquanto o homem pescava e caçava a mulher permanecia no lar. Nessa conjuntura o sistema patriarcal é alimentado e a dominação masculina encontra respaldo para o seu exercício se fundamentando na divisão sexual do trabalho também. E Bourdieu ressalta que infelizmente essa assimetria é objetivamente aceita, ratificando a suposta inferioridade feminina (BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 103).

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