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SENTIDOS DO ENSINO E APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA PARA ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Flávio Batista dos Santos
Dnt. em Educação – UEL

Compreendemos a História como resultado da experiência humana ao longo do tempo e suas relações com o presente através do entendimento das múltiplas formas em que os seres humanos viveram e pensaram suas vidas em sociedade nos mais diferentes espaços e tempos.  Ao ensino de História comumente é destinado a formação de cidadãos onde uma das premissas está a possibilidade da compreensão da história do mundo, do seu país e do local onde se relaciona. Numa nova perspectiva do ensino de História, compreende-se que o processo de aprendizagem é resultante de diferentes memórias, as quais são provenientes das múltiplas experiências humanas, por esse procedimento, a memória deixa de ser única e passa a ter várias vozes.
O estabelecimento de uma relação entre a memória e as experiências ao longo do tempo reforça a necessidade do conhecimento histórico incorporado pelos estudantes ao longo de sua vivência.
Buscando identificar o pensamento que os estudantes têm sobre a História e o seu ensino na escola, questionamos os sujeitos desta investigação a responder sobre a história ensinada em sala de aula.
Nos questionamentos realizados com os estudantes, propusemos uma reflexão sobre a relação entre a História ensinada em sala de aula e a História vivida. Compreendemos a História ensinada como os saberes produzidos pelos sujeitos ao longo da História, representados por aquilo que a escola oferece de maneira formal aos seus estudantes. Por outro lado, a História vivida diz respeito às experiências que professores e alunos vivenciam na sua trajetória, apropriando-se dela e formando uma identidade desses sujeitos. Entendemos que este é um tema relevante no sentido de observar que papel a História representa para os estudantes. Cainelli (2010) ao tratar do sentido dos conteúdos para os estudantes faz as seguintes colocações:
A pergunta que podemos fazer é como tendo ideia do sentido de história podemos ensinar história para crianças? Pensando que antes de qualquer coisa esta história precisa levar em consideração que a criança é capaz de aprender história e pensar historicamente. Ensinar a pensar historicamente significa desenvolver a capacidade de transitar de um modo de argumentar para outro, de relacionar a experiência humana com a vida prática de cada um. Este pensar se concretiza a partir da constituição da narrativa quando o individuo interpreta o passando seguindo os princípios e regras da ciência da história (CAINELLI, 2010, p. 19).
Seguindo a linha de pensamento da autora, entendemos que os conteúdos de história fazem sentido para os estudantes à medida que conseguem estabelecer uma relação com sua vida prática. Para isso, precisam desenvolver a capacidade de observar a forma como a história se desenvolve no continum do tempo. A tabela abaixo demonstra que essa relação entre a História ensinada na escola, ou seja, aquela presente nos livros tem pouca relação com as suas experiências.
Relação entre a História ensinada e a vivida.

Escola Pública
Escola Particular
Total
6º ano
9º ano
6º ano
9º ano
Há relação
14%
25%
60%
73%
39%
Não há relação
83%
75%
40%
27%
60%
Não respondeu
3%



1%
Total
100%
100%
100%
100%
100%
Fonte – autor, 2013
Dos questionários respondidos pelos estudantes 60% apontaram que não há relação entre as duas situações. Índice que é maior entre os estudantes da escola pública, ao passo que na escola particular inverteram-se as respostas.
Ressalta-se que mesmo os estudantes apontando para um distanciamento entre a História ensinada e a História vivida, alguns justificam tal situação mostrando aspectos de mudança, o que seguindo a ideia de que a História se faz com a observação das mudanças e permanências, estes alunos conseguem fazer essa distinção, apesar de não considerar isso como uma relação entre o ensinado e o vivido.
No passado a história é bem diferente do que nos dias atuais, pois não tinha tecnologia como tem agora, o povo era governado de outra forma, poucos tinham acesso a estudo e nos dias de hoje temos mais oportunidades de aprendizado.
Entre os estudantes que apontaram que há uma relação entre a História ensinada e História vivida, percebemos que as considerações feitas vão em direção ao comparativo entre o tempo presente e o tempo passado.
Vejo, pois se a gente não soubesse sobre a história de décadas atrás, a gente não estaria vivendo como hoje. Imagina se existisse até hoje aquela escravatura. Antes as pessoas não tinham o direito de falar como nós temos hoje.
Em relação aos estudantes do 6º ano suas respostas foram muito objetivas no sentido do “não” ou “sim” para a questão proposta. Nestas respostas, especificamente, verificou-se uma busca pela justificativa do sentido ou não da História para os estudantes do 9º ano, ao passo que para os estudantes do 6º ano isso não foi uma preocupação.
Ao selecionar como sujeitos da pesquisa estudantes de dois estabelecimentos de ensino e de turmas com anos de estudos diferentes (turmas de 6º ano e 9º do Ensino Fundamental), nosso objetivo foi observar as possíveis diferenças ou não no que diz respeito ao pensamento desenvolvido pelos estudantes.
Associamos ao pensamento de Peter Lee (2006) quando trata da possibilidade da progressão da compreensão em história pelos estudantes. Segundo esse autor:
A progressão é distinta de uma noção de agregação de informação substantiva e pode ser facilmente seguida em termos de conceitos de segunda ordem. As crianças revelam ideias tácitas acerca desses conceitos históricos, mesmo se nada de explícito lhes é ensinado acerca deles. Estes conceitos tácitos de segunda ordem afetam profundamente o seu raciocínio substantivo e é possível identificar níveis de progressão: os níveis de progressão são constituídos por ideias interligadas, aumentando progressivamente de poder de nível para nível. (LEE, 2006 p. 30).
Nos grupos pesquisados as diferenças existentes entre eles não foram tão significativas quando analisamos no conjunto das respostas os estudantes com o mesmo ano de escolaridade, ou seja, os apontamentos feitos pelos estudantes do 6º ano da Escola Pública foram relativamente próximos dos estudantes do 6º ano da Escola Particular. Entre os estudantes do 9º ano também não foram tão significativas as diferenças entre as respostas dadas pelos estudantes. Percebemos diferenças quando comparamos os estudantes do 6º ano com os estudantes do 9º ano. Nos últimos notam-se algumas explicações mais bem elaboradas, com um poder de análise sobre as questões abordadas maiores do que nos primeiros.

Referências
BARCA, I. Concepções de adolescentes sobre múltiplas explicações em história. In: Perspectivas em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2001. p.29-43.
_______ O papel da educação histórica no desenvolvimento social. In.: Educação histórica: teoria e pesquisa. CAINELLI, M. SCHMIDT, M. A. (Orgs.) Ijui: Unijui, 2011.
BARCA, I. GAGO, M. Aprender a pensar em História: um estudo com alunos do 6º  ano de escolaridade. Revista Portuguesa de Educação, p. 239-261, 2001. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/563/1/14IsabelBarca.pdf. Acesso em 18/02/2014.
CAINELLI, M. R. Entre continuidades e rupturas: uma investigação sobre o ensino e aprendizagem da História na transição do quinto para o sexto ano do Ensino Fundamental. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 42, p. 127-139, out./dez. 2011. Editora UFPR.
________ O que se ensina e o que se aprende em História. In.: História: ensino fundamental. OLIVEIRA, M. M. D (Coord). Coleção explorando o ensino: História, vol. 21. Brasília: MEC/SEB, 2010.
LEE, P. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar em Revista: Número Especial. Curitiba, 2006. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/article/viewArticle/5543. Acesso em 20/12/2012.
_______ Progressão da compreensão dos alunos em história. In. BARCA, Isabel (Org). Perspectivas em educação histórica. Actas das Primeiras Jornadas Internacionais da Educação Histórica. Braga: Centro de Estudos em Educação e Psicologia – UMINHO, 2001.
RUSEN, J. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Trad. Historiches Lernen. Curitiba: WA Editores, 2012.
________ História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília, 2010.
 ________ Razão histórica: os fundamentos da ciência da história. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília, 2001.
________ Reconstrução do passado: teoria da história: os princípios da pesquisa histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília, 2007.
SCHMIDT, M. A. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Mª F. C. et alii. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas – Rio de Janeiro: Mauad X / FAPERJ, 2007.
_________ Perspectivas da consciência histórica e da aprendizagem em narrativas de jovens. Rev. Tempos Históricos, v. 12, 1º sem – 2008 – p. 81-96. Disponível em http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2778012. Acesso em 20/01/2013


3 comentários:

  1. Considerando os dados e informações apresentados pelo autor e também sua afirmação de que para parte substancial do alunado a História presente nos livros tem pouca relação com a história vivida, pode-se inferir que cabe ao professor adotar meios para que os alunos construam uma ligação entre a História ensinada e a sua própria história?
    Em sendo positiva a resposta, o autor considera factível que o professor assuma uma postura crítica em relação ao material didático fornecido pela escola?

    GUILHERME CYRINO CARVALHO

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  2. O professor pode ser o elemento de ligação entre a História ensinada e a história dos estudantes. Ao levar em consideração os conhecimentos prévios dos estudantes o professor mobiliza os mesmos a pensar de forma mais abrangente a partir do seu local de vivência. Desta maneira poderá efetuar-se a construção do pensamento histórico. O professor sempre pode ser crítico a qualquer material didático, principalmente em relação ao livro didático. Neste sentido, o papel do professor é essencial no que diz respeito a práticas, análises de fontes e propostas de trabalho que possibilite ao estudante ser protagonista de sua aprendizagem.

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  3. Obrigado pela resposta, Flavio.
    Apenas mais uma questão: você considera que é possível aos professores de História da rede privada assumirem uma postura crítica em relação ao material didático (comumente apostilas) fornecidos em escolas particulares?
    Digo isso pois parece-me que as relações de trabalho entre professores e instituições de ensino particulares são diferentes das relações entre professores e instituições públicas de ensino, tendo os professores da rede privada menos liberdade para adotar esse tipo de postura.

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