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Flávia Cristina

AS MÚLTIPLAS TRAJETÓRIAS DE UM COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS EDUCATIVOS E TESSITURAS EM REDES DE SOCIABILIDADE EM BELO HORIZONTE
Flávia Cristina Lages Vasconcelos
Mnt. Educação - UFOP

A proposta deste projeto emergiu de nossas inquietações pessoais e acadêmicas como professora de história e pesquisadora sobre as culturas de rua e juventude. Essas inquietações surgiram com um convite de alunos para conhecermos o espaço onde acontecem, todas as semanas, os duelos de MCs – debaixo do viaduto Santa Teresa. Logo, esse contato resultou em novos saberes, repertórios culturais, políticos e sociais que emergem no campo da juventude.
Desde o primeiro encontro com os jovens nesse espaço, surgiram questões que estiveram presentes nos debates em sala de aula. Na realização dessa etapa, outros questionamentos emergiram.
Esse coletivo surge, em um primeiro momento, na organização dos duelos de MCs no viaduto de Santa Teresa, depois sua atuação expande-se para outras atividades ligadas à cultura de rua. Ele sempre esteve demarcado em suas concepções pela cultura de rua. Com isso, foi natural sua agregação a outros movimentos sociais, a outras demandas coletivas e à ampliação de sua atuação dentro da cidade.
Com essa frase – “se ninguém faz, nós pega e faz” –, esse coletivo tem atuado nas áreas culturais, sociais e políticas da cidade e em outras localidades. Todos seus integrantes salientam a força e a união como articuladoras de um projeto de inserção na cultura de rua e da juventude na cidade, carente de espaços de lazer, cultura e conhecimento.
A apropriação das ruas e espaços públicos está além dos direitos sociais, é o locus de representações e interações sociais, em que coabitam sociabilidades, identidades e concepções de pertencimento.
O embate entre o projeto político-social de uma cidade planejada em uma perspectiva positivista, em que vigiar e punir são parâmetros de tentativas de convivência entre as classes sociais, a periferia constrói outras configurações de lazer, sociabilidade, coletividade e cultura.
Ao pensarmos na categoria juventude, cultura de rua e redes sociais tem-se um panorama geral das construções sociais que se articulam nas grandes metrópoles do país, avançando em especial nas periferias, aglomerados e subúrbios.
Sendo assim, periferia, favela, morro, subúrbio, vila, aglomerado, comunidade, gueto, classes populares, pobres, miseráveis, favelados, manos, minas, jovens, adolescentes, trabalhadores, estudantes... Tratando-se de nomeações nativas ou de categorias de análise, todas essas palavras identificam lugares e sujeitos que é alvo de pesquisas em diferentes campos de conhecimento, principalmente nas áreas da Educação e Ciências Sociais, bem como foco de ações públicas e políticas. Essa pluralidade de nomes e conceitos indica uma multiplicidade de maneiras de apreensão da dinâmica das cidades focalizada nos espaços, nas práticas, nas sociabilidades, nas vivências e nas representações de seus moradores.
Esses jovens tornam-se protagonistas dentro da cidade, em uma efervescência cultural que abrange todos os grupos sociais da periferia, situando e apontando, pela ação coletiva, um diálogo de produção de intervenções socioculturais. Essa produção abarca todos os campos da informação e da comunicação, como rádios comunitárias, internet, fanzines, grafite, vídeos, shows, saraus literários e outros. Desse modo, podemos dizer que esses jovens são produtores de ideias, culturas, concepções de pertencimento, vivências, sociabilidade e memórias.
Conforme Carrano (2001, p. 17), a sociabilidade praticada no lugar é, contudo, única, sendo vivida pessoal e coletivamente no contexto das muitas configurações que se estabelecem entre os diferentes grupos juvenis.
Essas tessituras de sociabilidade que são produzidas pelos jovens do coletivo e pelos participantes nos mais variados eventos socioculturais podem possibilitar o fortalecimento das experiências e vivências de cada um deles, como também os vínculos com um conhecimento prévio dos espaços subterrâneos da cidade, isto é, o reconhecimento das inúmeras dificuldades de quem vive e mora nas periferias e interage com os espaços públicos no centro da cidade, tornando-se protagonistas e sujeitos de seu tempo.
Toda cidade tem seus espaços de múltiplas identidades e habilidades, em consonância com as novas demandas sociais que instituem ações que podem direcionar instâncias educativas.
Assim posto, as reflexões educativas sobre esses territórios espaciais dentro da cidade apontam direcionamentos que articulam as tessituras entre saberes, conhecimento, vivências, experiências, capacitação, convivências, que são identificados como aprendizagem não formal que dialoga, em várias instâncias, com uma aprendizagem formal.
A concepção de cultura de rua está intimamente ligada à centralidade de vivências e experiências de seus atores sociais, pois as práticas culturais desenvolvidas por esse coletivo juvenil ou por seus participantes individualmente estão ligadas às suas histórias e trajetórias de vida, que estão ancoradas às demandas sociais nos espaços periféricos da cidade.
A participação em inúmeros movimentos sociais populares dos jovens organizadores desse coletivo juvenil possibilita e potencializa novas mediações pedagógicas da realidade social da cidade. Dessa forma, esses jovens dialogam com diferentes aspectos socioculturais que estão no debate político no contexto atual, tais como questões de gênero, diversidade cultural e social, violência doméstica e policial nas periferias e no centro da cidade, mobilização nas ocupações em prol de moradia e espaço de acolhimento a mulheres e crianças.
Sendo assim, a realidade (re)construída e (re)vivida pelos membros desse coletivo juvenil pode também mediar diálogos em que as narrativas de vida são sempre postas como questão social.
Assim é possível percebermos e apontarmos possíveis interconexões entre conceitos e teorizações sobre a socialização no contexto das redes sociais, levando-nos a pensar e refletir sobre as experiências e vivências dos jovens no universo on-line.
Pode se dizer que os ambientes virtuais se configuram como locais em que diferentes sujeitos, a maioria jovens, constroem representações de si mesmos. Composições que combinam a participação em uma variedade de comunidades que auxiliam na identificação dos gostos dos usuários e publicam atributos, vontades, desejos pessoais e minimamente os compartilham com outros. Nesse sentido, interessa, portanto compreender a “construção de sociabilidade” desses jovens que na construção de um perfil se amparam por novos elementos definidores de si, apresenta formas de ser e estar no mundo através das redes digitais de comunicação.
Nesse sentido, vale à pena indagar: Existe uma dimensão educativa nesse coletivo juvenil e suas ações? Quais as características desse coletivo juvenil em suas ações no campo objetivo e subjetivo, e na dimensão político-pedagógica? Como podemos perceber se existe uma diversidade dentro desse coletivo juvenil e em suas variadas interações? Como categorias usuais da cultura, tecnologia e da educação podem dialogar com a constituição do universo on-line nesse coletivo juvenil? Qual é a dimensão espacial, isto é, lugares e não lugares de atuação do coletivo em processos educativos? Como se dá a construção, a disseminação e a participação desse coletivo juvenil em outros movimentos dentro da cartografia da cidade e sua relação com o poder instituído?
Diante de um modelo que configura uma maneira de ser visto e compartilhando suas idéias é através das redes sociais, que hoje tem imenso alcance universo dos jovens que compartilham maneiras de ser, estar e participar da cartografia da cidade.
Segundo Sposito (2008), apesar da significativa produção sobre a temática da juventude em diferentes áreas do conhecimento, ainda são necessárias novas pesquisas sobre o tema. Mas o que entendemos por juventude? Compreendemos a juventude como
[...] uma categoria socialmente construída, que ganha contornos próprios em contextos históricos, sociais e culturais distintos, marcada pela diversidade nas condições sociais (origem de classe, por exemplo), culturais (etnias, identidades religiosas, valores, etc.), de gênero, e até mesmo geográficas, dentre outros aspectos. Além de ser marcada pela diversidade, a juventude é uma categoria dinâmica, que se transforma na medida das mutações sociais que vêm ocorrendo ao longo da história. Na realidade, não há tanto uma juventude, e sim jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e sentem de acordo com um determinado contexto sociocultural em que se inserem (DAYRELL, 2006, p. 5).
Compreendendo juventude a partir de uma categoria socialmente construída, não podemos nos esquecer de que esses jovens a serem pesquisados têm em comum o fato de serem pobres e de vivenciarem experiências e vivências em um contexto de desigualdade social, que implica no esgotamento das possibilidades de mobilidade social para a maioria da população, principalmente para o segmento juvenil. (DAYRELL; LEÃO; REIS, 2007, p. 56). Além disso, não podemos nos esquecer de que esses jovens são sujeitos que estão incorporados a uma dinâmica sociocultural, afetiva, econômica e política dentro de um contexto de condições e projetos de vida.
Sendo assim, partimos do princípio de que um dos pressupostos é que esses jovens estão construindo mediações com todos os movimentos sociais e que suas estratégias de atuação compõem redes de sociabilidade por meio da produção de saberes.

Referências
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Jovens na cidade. Trabalho e Sociedade, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.12-34, 2001.
DAYRELL, Juarez. A escola “faz” juventudes?Reflexões em torno da socialização juvenil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL “CUITAT.EDU: NUEVOS RETOS, NUEVOS COMPROMISSOS”. Barcelona, out. 2006.

DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana Batista. Juventude, pobreza e ações educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marília Pontes. Espaços públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82.

Um comentário:

  1. Olá Flávia Cristina,

    Você percebeu em sua pesquisa uma relação entre os coletivos juvenis, os territórios educativos e os espaços escolares nas perspectivas dos jovens?

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