CONSIDERAÇÕES AO ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS
Fernando Roque Fernandes
Dnt. História – UFPA
Problemáticas
O ensino de História Indígena têm se destacado como problemática importante às reflexões de diferentes autores que analisam o desenvolvimento de metodologias educacionais que consideram a diversidade cultural de nossa sociedade. Os estudos recentes têm sido motivados por diferentes situações que dizem respeito aos processos educacionais relacionados à diversidade étnica. Historiadores, antropólogos e pedagogos têm refletido sobre metodologias de ensino que concorrem para a evidenciação da pluralidade étnica na sociedade a partir do ambiente escolar. O resultado dessas análises tem refletido em diferentes situações que incluem a criação de legislações como as leis 10.639 e 11.645 que operam na inclusão do tema diversidade.
Se na educação escolar da comunidade envolvente observamos dificuldades na revisão do lugar dos povos indígenas na História, nas escolas indígenas tais questões operam em outra lógica. Cada vez mais, os sujeitos indígenas têm apresentado propostas diferenciadas ao ensino de História em suas aldeias. Torna-se, também, legítimo e útil evidenciar como esses processos vêm ocorrendo e qual o sentido das propostas diferenciadas dos sujeitos indígenas para a educação escolar.
O ensino de História Indígena nas escolas da comunidade envolvente
Há um debate sempre atual sobre a inclusão da temática da história indígena nos currículos escolares. Muito se tem debatido sobre a aplicação da lei Nº 11.645 e demais indicações presentes nos Parâmetros Curriculares. Aracy Lopes já apontava, na década de 1980, para a necessidade de se desenvolver uma proposta que melhor considerasse a representação dos povos indígenas nos livros didáticos (Silva, 1987). Frei Betto argumentava que “quase toda a historiografia oficial, da qual os livros didáticos são meros resumos de divulgação, é a história contada pela ótica do branco opressor [...] se os índios tivessem escrito livros de história, saberíamos o que aconteceu pela ótica do oprimido” (Betto, 1987).
Críticas e propostas surgiram em larga escala e muito se refletiu sobre metodologias e narrativas históricas que relegassem um lugar melhor aos povos indígenas na narrativa escolar. Um ponto que deve ser observado com atenção é que os povos indígenas sempre estiveram presentes na História Oficial e apareceram juntamente com negros e brancos nos livros didáticos. Portanto, os índios nunca estiveram ausentes das narrativas veiculadas em sala de aula. O problema evidente está na forma como esses índios foram e ainda são representados nesses livros. Luis Donizete Benzi Grupioni observou que tais representações perpetuam concepções equivocadas sobre o papel das sociedades indígenas na História do Brasil (Grupioni, 2012). Apesar de todos os esforços e críticas lançadas, discursos e práticas continuam a produzir uma visão pejorativa sobre as populações indígenas.
Historiadores, antropólogos e pedagogos, identificaram representações preconceituosas que refletem a clara desinformação de muitos autores acerca da temática indígena. Dentre essas visões, destacou, pelo menos oito, a saber:
1. Índios e negros são quase sempre enfocados no passado e de forma secundária: o índio aparece em função do colonizador;
2. A história é estanque, marcada por eventos significativos de uma historiografia basicamente europeia;
3. Os livros didáticos ignoram o processo histórico que teve curso no continente;
4. Os povos indígenas são apresentados pela negação de traços culturais significativos (falta de escrita, falta de governo; falta de tecnologia para lidar com metais etc.);
5. Omissão, redução e simplificação do papel indígena na história;
6. Operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu entre esses povos;
7. Generalizam traços culturais próprios de um povo para todos os povos indígenas;
8. Trabalham com a dicotomia índios puros, vivendo na Amazônia versus índios já contaminados pela civilização, onde a aculturação é um caminho sem volta (Grupioni, 2012).
A partir destas considerações, podemos inferir que os livros didáticos disponibilizados às escolas não indígenas ainda precisam passar por importantes reformulações em seus conteúdos. Uma necessidade urgente é a atualização desses livros com pesquisas recentes que tratam do que John Manoel Monteiro denominou de Novo Indigenismo (Monteiro, 1995). Uma revisão sobre tais representações é importante porque o processo de transformação da forma pela qual a sociedade envolvente lida e representa os povos indígenas passa, necessariamente, pelo processo educacional que veicula suas representações. Lidar com a temática da diversidade é essencial ao desenvolvimento de uma sociedade consciente de seu processo histórico.
O ensino de História nas escolas das comunidades indígenas
De acordo com Bittencourt (1994), apresentar o problema do ensino de História nas escolas indígenas é um desafio de grandes proporções. Nestas, as metodologias de ensino devem operar em outros termos, fundamentalmente em termos indígenas. É importante observar que, nos últimos anos, as escolas indígenas têm se beneficiado de recursos humanos de origem indígena. Os movimentos de professores indígenas espalhados por todo o país têm dado saltos significativos na luta por uma educação diferenciada que considere as especificidades de cada povo (Grupioni, 2008). No entanto, ainda há escolas em que o ensino é feito por professores não indígenas alocados para desempenhar tal função nas escolas indígenas. Infelizmente, muitos não estão preparados para lidar com as especificidades dessas populações indígenas e acabam por reproduzir a versão histórica veiculada nos livros didáticos das escolas não indígenas (Melo & Melo, 2016). Assim, surge-nos uma questão: como amenizar tal problema?
A instituição escolar têm sido apropriada pelos sujeitos indígenas como uma estratégia importante na ampliação das formas de comunicação desses povos com a comunidade envolvente. A escola indígena atua, também, como possibilidade de valorização do universo cultural e político dos povos indígenas, servindo como ferramenta importante nos processos de protagonismo e resistência.
A princípio, deve-se considerar que as propostas educacionais para essas escolas, devem evidenciar as diferenças culturais e históricas de cada povo. Nesse sentido, a base inicial de um diálogo deve ocorrer a partir de uma troca de conhecimentos mútuos. As metodologias pedagógicas da comunidade envolvente são importantes ao desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem. No entanto, os conhecimentos a serem apresentados nessas escolas devem ter significado para os sujeitos indígenas. Se a educação escolar têm a finalidade de fortalecer e valorizar os aspectos identitários dessas populações, os conteúdos educacionais devem operar no sentido de possibilitar a manutenção social, cultural e étnica desses povos.
Bittencourt (1994) observou que os Professores Indígenas da etnia Krahô, ao questionarem sobre o ensino de História nas escolas indígenas, afirmaram que “a escola deve ensinar a historia dos brancos para que a aldeia possa estar mais informada sobre o mundo da cidade e possa estabelecer trocas em todos os níveis, em uma situação de maior igualdade”. Os mesmos professores salientaram a importância de temas como história da escrita, história do dinheiro, história das doenças etc. A finalidade de tais temas seria, em certo sentido, conhecer a história da comunidade envolvente relativa a problemas vivenciados pelo grupo e como possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre a comunidade envolvente. Já os Munduruku, estabelecidos no Pará, observaram que seria importante que se incluísse a história dos diferentes grupos indígenas nos currículos escolares, assim como a possibilidade de os próprios índios escreverem sua história se utilizando de documentos feitos pela comunidade envolvente. A proposta seria “destacar as representações do mundo civilizado sobre eles, mas ainda utilizar, como fonte básica para esta reconstrução, os seus mitos”. Assim, poderiam construir uma narrativa histórica (com a utilização de fontes não indígenas) que pudesse ser capaz de levá-los ao conhecimento de suas origens e das transformações sofridas por esse povo a partir do contato com os europeus.
Parece-nos importante observar que a construção de propostas de ensino de História Indígenas nessas escolas devem considerar, pelo menos, quatro aspectos, a saber: 1. a história local do grupo; 2. a história do conjunto dos grupos indígenas; 3. a história da comunidade envolvente; 4. a história do contato e das relações desenvolvidas entre índios e brancos, sejam elas pacíficas ou conflituosas. Aliados ao fundamento básico de constituição dos currículos escolares indígenas a partir do diálogo entre os professores indígenas e não indígenas, e considerando as noções de tempo, espaço, identidade e diferença, esses aspectos têm grandes chances de alcançar pontos positivos (Bittencourt, 1994). Cabe a observação de que longe de simplificar o ensino de História nas escolas indígenas, o que queremos demonstrar, ao contrário, é o grande desafio de desenvolver tais conteúdos em ambientes plurais.
Outra observação importante é que, nos últimos anos, muito material tem sido produzido por sujeitos indígenas. Até agora, reflexões sobre o significado dessas produções têm sido parcamente debatidas. O reconhecimento daquilo que podemos denominar de uma “versão indígena da história indígena” resulta dessas produções. Para tanto, é fundamental que se reconheça que as produções indígenas são legítimas demonstrações do protagonismo desses povos e que, atualmente, o número de produções científicas e de publicações tem crescido substancialmente.
Etnias indígenas de diferentes estados do país têm desenvolvido livros didáticos e paradidáticos no sentido de atender as demandas das escolas indígenas com material que lhes possibilite trabalhar os conhecimentos científicos baseando-se em suas próprias versões do que seja a história indígena. Tais produções representam as iniciativas indígenas no sentido de tomar o controle sobre o que se tem produzido sobre seus processos históricos. Verifica-se, nesse sentido, que os povos indígenas estão cada vez mais inclinados a rejeitar narrativas que pouco ou em nada se relacionam com suas trajetórias históricas. Mas, sobre os livros didáticos indígenas e o ensino de História, ficará para uma próxima ocasião...
Referências Bibliográficas
BETTO, F. Tanta mentira que parece verdade. In: A. L. Silva, A questão indígena na sala de aula (pp. 7-10). São Paulo: Brasiliense, 1987.
BITTENCOURT, C. M. O ensino de História para populações indígenas. In: I. N. INEP, Em aberto - Educação Escolar Indígena (pp. 105-116). Brasília/DF: MEC, 1994.
GRUPIONI, L. D.. Olhar longe, porque o futuro é longe: Cultura, escola e professores indígenas no Brasil. São Paulo/SP: Universidade de São Paulo, 2008.
GRUPIONI, L. D.. Estudos para a regulamentação da Lei 11.645.Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2012.
MELO, D. S., & Melo, E. S.. Formação Continuada para Professores não indígenas para uma educação escolar intercultural em escolas indígenas. Belém/PA, 2016.
MONTEIRO, J. M.. O desafio da História Indígena no Brasil. In: A. L. Silva, & L. B. Grupioni, A temática Indígena na escola (pp. 221-228). Brasília: Unesco, 1995.
SILVA, A. L.. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Concordo bastante com sua visão, principalmente quanto a questão: “E se o oprimido fosse contar sua história?”
ResponderExcluirDiante dessa premissa e de todo o artigo, e considerando que estudamos toda a história europeia, desde a antiguidade até os dias atuais, por assim dizer. Você considera importante que fossem criados livros didáticos que narrassem também toda a história indígena brasileira para as crianças de todo o país? Seria importante ainda que retirassem do currículo das escolas indígenas alguns conteúdos da história da humanidade em geral?
Alexandre Antonio Cavalcante de Souza
Caro Alexandre Cavalcante,
ResponderExcluirPrimeiramente, agradeço pelas considerações.
Por conseguinte, observo que os enredos que conformam as narrativas, quanto ao processo histórico, tendem a propor uma perspectiva que evidencie a versão da história na perspectiva dos “vencedores”. Espaços privilegiados concorrem para a possibilidade de se narrar os acontecimentos históricos, partindo de premissas que legitimem o poder estabelecido em detrimento de outras possibilidades de narrativa histórica. Isto significa dizer que, no caso do Brasil, o modelo quadripartide (Pré-História, História Antiga, História Medieval e História Moderna) constitui uma proposta que detém o papel de legitimar as ações empreendidas pelas nações europeias. Outro ponto é a conformação de uma narrativa histórica na qual esteja subentendido que a América e a África passam a ter significado histórico apenas a partir do momento no qual se tornam necessárias a construção da narrativa da história europeia. Assim, a narrativa financia um discurso histórico a partir do qual deve-se reconhecer que todas as atrocidades que possam ter sido cometidas contra negros e indígenas, resultaram da necessária caminhada da humanidade na implementação do processo civilizatório, o qual se inicia na Europa. Obviamente, tais discursos não são claramente apresentados nas narrativas que são veiculadas nas escolas, a partir dos livros didáticos. Tal discurso é feito de forma sutil e, muitas vezes, encantadora.
O ponto é que, ao negligenciar o papel desempenhado por indígenas e negros na conformação do processo histórico do país, tal narrativa acaba por negligenciar o protagonismo de diferentes povos e homogeneizar a construção de nossa nacionalidade. Legitima, assim, a ideia de que negros e indígenas pouco ou nada contribuíram na construção deste Estado. A própria ideia de "Nação", veiculada nos livros didáticos, financia a noção de que somos um Estado com características homogêneas quando, na verdade, somos um Estado Plurinacional com diversidade de povos, costumes e tradições que precisam ser evidenciadas e reconhecidas.
Considerando tais premissas, acredito que seja necessário um processo de revisão dos livros didáticos já publicados e a criação de outros livros didáticos e paradidáticos que considerem o papel do negro e do indígena no processo histórico de conformação de nossa identidade. Para tanto, os autores desses trabalhos devem atualizar suas pesquisas considerando trabalhos atuais que tratam do tema da diversidade. Em síntese, os autores precisam encurtar a distância existente entre os conhecimentos construídos nas universidades e os discursos veiculados em sala de aula. É preciso haver uma sincronia entre essas instituições.
Observe que a proposta não é criar livros didáticos específicos que tratem da temática africana ou indígena. Se fizermos desta forma, não estaremos fazendo diferentes do que já se está sendo feito. Neste caso, apenas estaremos invertendo a lógica da narrativa e passaremos a ofuscar o papel da cultura europeia na conformação de nossa sociedade.
ExcluirAssim, a proposta é veicular narrativas históricas que evidencie tanto o lugar social, os conflitos, as contribuições e as omissões cometidas por esses grupos. É preciso criar discursos que possibilitem evidenciar, a heterogeneidade de nosso processo histórico e possibilitar as estudantes a possibilidade de verificar a diversidade de culturas, povos e sociedades que, não somente constituíram, mas que ainda hoje constituem a sociedade brasileira.
No caso dos conteúdos veiculados nos livros didáticos das escolas indígenas , o critério a ser seguido é semelhante ao que se está propondo aqui. Devemos observar que os Projetos Pedagógicos das escolas indígenas operam a partir de uma lógica distinta daquela constituída nas escolas não indígenas. A premissa é de que nas escolas indígenas, por conta de sua heterogeneidade não somente em consideração à comunidade não indígenas, senão também, frente à outras etnias que compõem a diversidade de povos indígenas no Brasil, cada currículo, e mesmo livro didático, deve seguir critérios estabelecidos por cada etnia ou comunidade indígena. Nesse caso e, conforme apresentado no texto, a questão não é tirar os conteúdos que constituem a "História da Humanidade", más desenvolver propostas que tenham significado para os próprios indígenas. Assim, se eles quiserem que em seus livros didáticos sejam veiculadas narrativas que apresentem a história das comunidades não indígenas, assim deverá ser feito.
Nesses termos, deve-se considerar que o problemas não está somente nos conteúdos que compõe os currículos escolas e/ou os livros didáticos, mas a omissão de elementos importantes na compreensão do processo históricos. No caso das escolas indígenas, e também, das escolas não indígenas. É preciso veicular narrativas que considerem o papel de diferentes atores históricos (negros, indígenas e brancos). Do contrário, nossas escolas continuarão a se constituir em uma Instituição que legitima as práticas colonialistas empreendidas em nosso imaginário a partir do livro didático.
Assina: Fernando Roque Fernandes
ExcluirOlá meu caro Fernando Roque Fernandez,
ResponderExcluirPenso que o texto que você produziu sobre a temática do ensino de História Indígena nas escolas seja muito pertinente para nosso momento atual de inclusão das populações indígenas marginalizadas durante séculos pela conquista e colonização lusa. Penso que um aspecto fundamental da raiz deste problema e que talvez possa ser o objeto de reforma do próprio ensino primário e secundário para o ensino da história indígena seja a Academia. As universidades brasileiras, apesar de toda a presença indígena secular, não privilegiam em seus cursos, principalmente de História, disciplinas obrigatórias voltadas para a História Indígena. Muitos podem questionar que História da América e História do Brasil são campos em que a História Indígena seria o objeto em si do estudo acadêmico. Entretanto, penso que, com raras exceções, não existe uma preocupação com essa história.
Sei que você já meio que entrou na questão que eu vou te perguntar que era para ter sido publicada ontem, mas o sistema foi contra a minha pessoa. Enfim, queria saber se existe um debate sobre a questão da Academia e a incorporação dessa história indígena como uma das formas de começar as reformas do ensino de uma maneira mais abrangente e com o objetivo de transformar esse conhecimento em algo mais amplo. Por fim, gostaria de parabenizar a escolha de um tema tão pertinente para o contexto deste evento.
Assina: Lucas Montalvão Rabelo (lucas.montalvao@usp.br)
Caro Lucas Montalvão Rabelo,
ExcluirAgradeço por seus generosos elogios ao texto. Assim como pela questão pontual que colocas em seguida.
As discussões sobre a inclusão da História Indígena,ou melhor, da revisão das representações sobre os povos indígenas que são veiculadas em sala de aula, através dos livros didáticos, se constitui com pauta importante de discussões desde a década de 1980. Aracy Lopes, por exemplo, mas não somente, atuou de forma constante nas discussões relacionadas a esse tema e que deram suporte à criação de leis educacionais que considerassem os sujeitos indígenas. A LDB, a partir de 1996, já apontava para a necessidade de se incluir a temática da diversidade nas metodologias educacionais. As leis 10.639 e 11.645 foram instituídas no intuito de fomentar uma renovação no Currículo Escolar que considerasse o tema da diversidade. Há outros Parâmetros e Diretrizes que também apontam para tal processo. Desta forma, compreende-se que o problema não se constitui na Legislação referente ao tema da diversidade, mas na aplicabilidade dessa legislação. Assim, cabe a nós, como historiadores, pedagogos, antropólogos e professores que estão em sala de aula, empreender um processo de implementação e regulamentação da legislação relacionada à discussão do tema da diversidade.
Sobre o papel da universidade na "incorporação dessa história indígena", pode-se dizer que a mesma já avançou muito no que concerne aos debates sobre o reconhecimento da diversidade, não somente do indígena, senão também, do negro. Ademais, existe um debate sobre a incorporação na universidade não somente de uma história indígena, mas de sujeitos indígenas e de seus conhecimentos (Vide: REPETTO, Maxim Paolo Repeto; BELTRÃO, Jane Felipe; GRUPIONI, Luiz Donizete Benzi; COELHO, Mauro Cezar; CANEN, Ana etc.).
Todos os anos, a partir da década de 1990, milhares de indígenas têm acessados as universidades e delas se utilizado na defesa de suas pautas de luta, relacionadas à questão da terra, da saúde e da educação. Na pauta da educação se inclui não somente a reivindicação pelo acesso ao ensino superior, mas pelo fortalecimento e desenvolvimento das escolas indígenas. Assim, o acesso a universidade se constitui como fator importante nos processos que conformam a questão identitária desses povos e a defesa da cidadania.
Diversos cursos em Nível Superior já foram criados para atender especificamente as demandas indígenas. Ultimamente tenho trabalhado na análise sobre os Projetos Pedagógicos que fundamentam esses cursos em Nível superior, na Região Norte.
Tudo isso, não resulta da boa vontade do Estado, mas da luta de sujeitos e comunidades e povos indígenas que, ao empreenderem processos de emergências sociais e étnicas, desenvolveram suas próprias etnogêneses e evidenciaram sua força e atualidade a partir de seus protagonismos...
Assina: Fernando Roque Fernandes.
Por outro lado, ainda há muito a ser feito. Nos últimos anos, foram empreendidas diversas "Ações Afirmativas" a partir da ideologia da inclusão social. No entanto, não basta desenvolver políticas de inclusão social. Se faz necessário que as universidades estejas preparadas para receber essa demanda diferenciadas de sujeitos indígenas e quilombolas. Muito se tem falado em Interculturalidade e Multiculturalismo, mas pouco se tem feito para desenvolver a Trasculturalidade, onde os conhecimentos indigenas e quilombolas poderiam ser considerados no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem desenvolvido nas universidades.
ExcluirConforme apontou Repetto, não basta apenas incluir um contingente indígena nas universidade. É preciso aproveitar os conhecimentos que esses sujeitos tragam consigo. Conforme observei em outra ocasião, provavelmente tenhamos muito mais a aprender com os sujeitos indígenas, em termos de educação, sociabilidade e relação com o meio ambiente do que eles têm para aprender conosco.
Assina: Fernando Roque Fernandes.
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ResponderExcluirOlá Fernando, parabéns pelo texto, pois ele nos trás boas reflexões. Gostaria de saber, na sua opinião, quais os possíveis caminhos para tentar solucionar à questão da inserção educacional da temática indígena de maneira plena nas escolas? Assina: Eduardo Gomes.
ResponderExcluirCaro Eduardo Gomes,
ResponderExcluirEssa, me parece uma questão complexa onde, considerar as especificidades de cada situação, assim como os processos históricos que os conformam, torna-se fundamental.
Ademais, conforme apontado no texto, um dos problemas que enfrentamos, na implementação de propostas educacionais voltadas para a inserção da temática indígena, esta na forma como essa temáticas é apresentada nos livros didáticos. Assim, um dos desafios nessa direção está nas ferramentas utilizadas no ambiente escolar. Mas, desta questão, decorre uma outra, também urgente.
A formação docente, nas diferentes áreas das Ciências Humanas foi, durante muito tempo, negligenciada. Somente nos últimos anos as universidades têm atentado para a necessidade da reformulação de seus Projetos Pedagógicos, a partir da qual se deverá incluir a temática da diversidade, especialmente nos cursos de Licenciatura. Assim, observa-se que tal problema se inicia na formação dos Professores e que tanto a confecção de livros didáticos quanto o ofuscamento da temática da diversidade em sala de aula, decorre dessa deficiência.
Um outro problema está na formulação dos Projetos Pedagógicos, mais conhecidos como PPP's. Nestes, conforme indicação pelas Leis Nº 9.394, 10639 e 11.645 a temática da diversidade deve estar presente, considerando a temática indígenas e povos afro-brasileiros. A Resolução Nº 01/2015 CNE/CP que trata das Diretrizes para as Licenciaturas Indígenas e a Nº 02/2015 CNE/CP que trata das Diretrizes para os Cursos de Pegagocia e Licenciaturas, têm apontado os caminhos para amenizar esses problemas. Observa-se que, mais uma vez, não há ausência de legislação sobre a temática. O problema está na implementação das diretrizes e resoluções vigentes.
Para resolver tais problemas as universidade têm investido em Cursos de Formação Continuada, especialmente àqueles em nível de especialização. Por exemplo, a Universidade Federal do Pará - UFPA, através do Núcleo GERA, pelo Curso de Especialização em relações Étnico-Racias formou, em fins de 2016, próximo de 200 Professores da rede pública de Ensino na temática relacionada ao tema da diversidade. Muitos desses professores que não tiveram contato com essas discussões quando na graduação, agora têm retornado à universidade para atualizar seus conhecimentos e metodologias.
Outros seguimentos educacionais também estão sendo acessados para potencializar essas formações deficientes. Os Cursos EAD, por exemplo, estão sendo criados em larga escala, no meio digital. Para dar outro exemplo de destaque. O senhor mesmo, Professor Eduardo Gomes, foi responsável pela criação e coordenação de dois cursos de especialização importantes nesse sentido. O Curso de História da Amazônia e o Curso de História da África, ambos em nível de especialização, ofertados através da Faculdade Boas Novas, em Manaus, se constituem como mecanismos importantes de aperfeiçoamento docente, principalmente quando o Estado têm negligenciado suas responsabilidades.
Para além desses caminhos (material didático, formação docente, projetos pedagógicos) existem muitos outros caminhos que nos permitem enveredar com êxito em direção à resolução dos entraves à discussão da temática da diversidade em sala de aula. Isto é um grande desafio e seus resultados irão aparecer de forma lenta e gradual.
Mas, como disse Lao-Tisé: "o primeiro passo, na direção certa, já é a metade do caminho..."
Assina: Fernando Roque Fernandes.
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ExcluirA caminhada é longa Fernando, durante vários anos, muitos colegas estão se debruçando neste desafio, tentando materializar através de múltiplos esforços a luta pelo ensino da temática indígena em sala de aula, trago como lembrança alguns desses guerreiros: Neymar Machado de Souza - UFGD, Edson Hely Silva - UFPE, Mauro Cézar Coelho - UFPA, Gersem Baniwa - UFAM, entre outros. Por enquanto, eu não me coloco ainda neste patamar, mas continuo tentando contribuir na medida das minhas possibilidades. Assina: Eduardo Gomes.
ResponderExcluirinteressante demais o seu texto.
ResponderExcluirMas como podemos ter acesso a essa produção indígena da história indígena do Brasil para levarmos para a educação básica?
atenciosamente,
Rafaela Albergaria Mello
Cara Professora Rafaela,
ExcluirSua pergunta sugere uma resposta que ainda não foi devidamente apresentada por aqueles que se debruçam sobre a temática. No entanto, podemos refletir sobre tais considerações.
O primeiro ponto a se observar é que, conforme apontado no texto e, considerando apenas as escolas indígenas e aquelas da comunidade envolvente (escolas não indígena) sem problematizar as especificidades existentes em cada uma destas categorias, podemos inferir que existe uma diferenciação sobre os mecanismos que conformam os processos educacionais a serem utilizados no processo de ensino-aprendizagem de cada ambiente. Dito de outra forma, as metodologias pedagógicas e as ferramentas a serem utilizadas, nas quais se incluem os materiais didáticos, necessitam ser observados a partir das especificidades de cada ambiente.
No caso das escolas indígenas, especialmente aquelas onde há um quadro docente formado especificamente por Professores Indígenas e, mais especificamente naquelas onde esses Professores Indígenas têm Formação em Nível Superior Intercultural, como no caso de muitas escolas da Região Norte do Brasil, a produção indígena é feita mediante a própria formação desses Professores quando na graduação.
Conforma dados levantados sobre os Projetos Políticos pedagógicos dos Cursos de Licenciaturas interculturais Indígenas de Diferentes Universidades da Região Norte do Brasil, na Grade Curricular desses Cursos, podemos evidenciar que há, pelo menos duas disciplinas voltadas especificamente para a produção de material didático a serem utilizados nas escolas indígenas. Desta forma, podemos observar que, além da Formação para atuar nas escolas indígenas, os professores dessas comunidades apreendem habilidades para criar seu próprio material didático. Inclusive, um dos critérios avaliativos desses cursos é a confecção de material didático a serem utilizados nas Escolas indígenas. Tal produção, no entanto, não se constitui como narrativa parcial dos eventos que, no caso dos livros de História dessas escolas, conformam os processos históricos. Cada grupo étnico tem autonomia para escolher os conteúdos que integrarão o material didático e, antes de sua publicação, esse material passa pela avaliação da comunidade que pode aprová-lo ou pedir revisão do mesmo.
No entanto, outras observações devem ser feitas.
Assina: Fernando Roque Fernandes.
O processo mencionado anteriormente, não se reproduz em todas as escolas indígenas. Muitas delas passam por situações precárias no que concerne à Infraestrutura, Investimento Estatal para melhoria dessas escolas e especialmente a formação de Quadro Docente composto integralmente por Professores Indígenas. Assim, mais uma vez, temos o problema da formação docente que afeta não apenas as escolas não indígenas (onde muitos professores não estão habilitados para tratar da temática da diversidade, quer seja ela indígena, afro-brasileira ou outra). Rosani Fernandes, índia Kaingang que defendeu sua Tese de Doutorado recentemente na UFPA, observa que muitas escolas indígenas do Estado do Pará sofrem com a ausência de professores indígenas. Para suprir a demandas dessas comunidades por Educação Escolar Diferenciada, o Estado, na tentativa de empreender políticas compensatórias envia, muitas vezes, professores não indígenas que não são habilitados para lidar com as pedagogias específicas deste modelo de ambiente escolar. De acordo com Rosani Fernandes, o resultado deste processo se conforma pela manutenção de um processo educacional que se desenvolve a partir de práticas integracionistas e colonialistas que propõe, ao invés do reconhecimento da diversidade, uma proposta pedagógica que visa integrar os povos indígenas à comunidade não indígena, justamente pelo fato de não considerar os saberes desses sujeitos e enfatizar os conhecimentos da comunidade não indígena. Obviamente, tal processo não parece se conformar a partir de iniciativas conscientes nesta direção. No entanto, a
Excluirausência de discussões que considerem a diversidade indígena acabam por perpetuar um modelo educacional assimilacionista.
Os impactos desse processo educacional devem ser medidos em perspectivas étnicas, identitárias e culturais, nas quais resultam em descaracterização étnica, não considerando a conformação histórica desses povos, baseadas em cosmologias particulares. Empreendem, desta forma, um processo de desvalorização das características culturais desses povos, concorrendo para a manutenção do colapso cultural de muitos grupos étnicos.
O problema, assim, também se constitui como resultado de iniciativas por parte do Estado, principalmente quando este desconsidera as especificidades desses povos. Antes dele, deve-se reconhecer, também, a responsabilidade dos sujeitos, os quais se conformam como parte importante no exercício de pressões, sobre o Estado, para que este se posicione a favor de mudanças significativas na área educacional indígena.
Gersem José dos Santos Luciano, índio Baniwa da Região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas, em entrevista concedida ao Projeto Trilhas de Conhecimentos, em 2008, observou que a postura dos índios o preocupava, pois, "em relação à educação a tendência é que o movimento político indígena, de uma maneira geral [...] tem um apostura de inercia. Porque a educação para o movimento político indígena não é tão prioritária, tão emergencial, porque existem outras demandas muito mais graves para se ocupar do que a educação, como por exemplo, a questão fundiária, ainda, e a saúde".
Desta forma, observamos que ainda há muito a se discutir sobre o assunto. Especialmente no que concerne ao aspecto educacional dos movimentos indígenas...
Assina: Fernando Roque Fernandes.
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ExcluirFinalizando, gostaria de comentar sobre o outro processo que conforma a sua questão, quer seja, como se utilizar de uma versão indígena da história, em sala de aula, para dialogar com a temática da diversidade. No entanto, considerei importante enfatizar questões que concernem no destaque, necessário, a ser dado aos problemas e contrapontos da questão educacional dos povos indígenas.
ExcluirAssim, concluo apenas observando que uma das soluções para levar esses conhecimentos indígenas e sobre os povos indígenas para a sala de aula é romper com a dicotomia conhecimento escolar/conhecimento acadêmico-científico. Existem milhares de pesquisas com cabedal teórico consolidado na academia e que poderia, em larga escalar, suprir essa demanda por conteúdos relacionados à diversidade. No entanto, os conhecimentos produzidos no ambiente universitário não chegam imediatamente nas salas de aula da Educação Básica. Ainda temos muitos obstáculos à transformação desta realidade.
Assim, faz-se necessários que pedagogos, historiadores, antropólogos e outros profissionais (indígenas e não indígenas) passem a desenvolver uma quantidade cada vez maior de materiais que possam auxiliar nesse processos e publicá-los. O professor também deve se apropriar dessas pesquisas e adequá-las a linguagem escolar, possibilitando aos alunos que acessem os conhecimentos científicos mais atuais, relacionados à temáticas plurais.
Em síntese, o professor precisa atuar como tradutor da linguagem acadêmica para a linguagem escolar, possibilitando aos seus alunos a oportunidade de se inteirar com questões respeitantes aos processos heterogêneos que conformam nossa historicidade, assim como nossa realidade social.
Assina: Fernando Roque Fernandes.
Prezado Professor Fernando Roque,
ResponderExcluirMuito se tem discutido acerca da problemática do ensino de história indígena,seu texto apresenta dois tópicos a saber: o ensino de história indígena nas escolas da comunidade envolvente e o ensino de história nas escolas das comunidades indígenas. O que mais chamou minha atenção foi a indagação dos professores Indígenas da etnia Krdhô, os quais se mostraram interessados por manterem uma "troca em todos os níveis, em uma situação de igualdade" acredito que o caminho realmente deva ser esse mesmo.
minha pergunta.
Diante de sua grande experiência qual a "troca" de maior valor cultural poderia ser acrescentada nas culturas indígena e na ocidental?
assinatura JESSON DA SILVA SANTOS.
Olá caríssimo Fernando Fernandes!
ResponderExcluirPrimeiramente parabéns pela escolha da temática! É irrefutável dizer que deixa-nos muitas reflexões ao que diz respeito à História do Brasil, principalmente porque o índio sempre fora considerado coadjuvante quando na verdade sempre fora o protagonista. Houvera desde a colonização um preconceito muito grande quanto aos nativos, talvez esse fosse o motivo pelo qual nunca fora posto em perspectiva “a visão do oprimido”. A questão é que se tem outra perspectiva, por quais razões é difícil alcançá-la? E se é possível alcançar, como introduzi-la nas escolas não indígenas?
Atenciosamente,
Beatriz da Silva Mello.
Olá caríssimo Fernando Fernandes!
ResponderExcluir"Se na educação escolar da comunidade envolvente observamos dificuldades na revisão do lugar dos povos indígenas na História, nas escolas indígenas tais questões operam em outra lógica. Cada vez mais, os sujeitos indígenas têm apresentado propostas diferenciadas ao ensino de História em suas aldeias. Torna-se, também, legítimo e útil evidenciar como esses processos vêm ocorrendo e qual o sentido das propostas diferenciadas dos sujeitos indígenas para a educação escolar".
Concordo, Neste sentido, educação escolar indígena, deve ter na sua estrutura um quadro de professores indígena e que a comunidade também participe como suporte na formação desses alunos. A educação escolar indígena deve sim! Integrar um projeto intercultural diferenciado segundo o RCNEI/MEC, dessa forma, a escola indígena integra um projeto para uma educação de sua própria vivência, sociocultural, que também ajude a comunidade na manutenção e preservação de sua própria cultura.
IVANILSON MARTINS DOS SANTOS
Graduando 6º Período em História Licenciatura Plena UFAL, Campus do Sertão. Email: ivanilsonmart@hotmail.com
Caro Fernando,
ResponderExcluirProponho uma abordagem nao narrativa para o ensino de historia aos indigenas, que seria substituída por uma história mais crítica e reflexiva.
O principal seria utilizar a proposta de Paulo Freire e partir de uma história do grupo que está aprendendo. Valorizando o conhecimento local da história, a partir de práticas.
A segunda forma de abordagem, ainda fugindo da história narrativa e' uma história das relações inter-étnicas, e de como que a trajetoria daquele grupo especifico se insere e e' "arrastada" por processos históricos aos quais nao controla, mas que controla seus destinos.
As avaliações escritas como provas, testes e exames seriam substituídos por seminários e projetos de pesquisa.
Desta forma combateriamos a invisibilidade e marginalidade historica, questionando o próprio conceito de história (desculpem a falta de acentos, meu pc nao fala portugues).