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Erivaldo Cavalcanti

ENCENANDO O PASSADO: A TRAGÉDIA GREGA NA SALA DE AULA
Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr
UPE

Com o progressivo aperfeiçoamento do teatro, e o crescimento dos Festivais Dionisíacos, as interpretações aliadas aos enredos cada vez mais complexos ganharam maior relevância, visto que, os dramaturgos buscavam explorar os elementos políticos e pedagógicos existentes no teatro. Dessa forma, o teatro grego converteu-se num complexo enfrentamento de ideologias, que até dias atuais desperta interesse nos profissionais de História.
De fato, tanto na tragédia como em especial na Comédia Antiga, isto é, na comédia ateniense do século V a.C, tem sido assinalada a presença de intenção e reflexos políticos. O dramaturgo equacionava nas suas peças os problemas fundamentais da polis, procurando oferecer possibilidades de solução e, dessa maneira, atuar pedagogicamente sobre os cidadãos reunidos no teatro. Esta ambição de intervir civicamente, isto é, de educar o povo, apoia-se, como já referi, na tradição que atribui à poesia uma função pedagógica. Ora, mesmo nessa perspectiva restrita, a formação do cidadão era uma atividade de carácter eminentemente político, não só por razões de moralidade como até por motivos epistemológicos. (OLIVEIRA, 1993, p. 71).
Ainda que o fascínio pelo teatro grego fosse existente por parte dos historiadores e o desejo de portar estes elementos pedagógicos do teatro para a educação fosse existente, uma relutância à introdução de novas metodologias no currículo escolar do ensino de História se fazia maioria. A herança ainda pulsante dos acadêmicos, principalmente os do século XIX, o que tornava inviável a utilização das artes como fonte (WHITE, 1994, p.40-41).
No século XX, com a difusão das novas correntes de pensamento, sobretudo as ideias propagadas pelos historiadores franceses, foi possível vislumbrar um enfrentamento aos antigos paradigmas existentes na produção historiográfica. Estas correntes de pensamento surgem com o objetivo de repensar o ofício do profissional da História e principalmente de problematizar o passado. Posteriormente estes debates foram amplificados e levados para o âmbito educacional.
"É bem possível que a tarefa mais difícil que a atual geração de historiadores é chamada a realizar seja expor o caráter historicamente condicionado da disciplina histórica, presidir a dissolução da reinvindicação de autonomia que a história mantém com respeito às demais disciplinas e promover a assimilação da história a um tipo superior de investigação intelectual que, por estar fundada numa percepção mais das semelhanças entre a arte e a ciência que das suas diferenças, não pode ser adequadamente assinada nem por uma nem por outra". (WHITE, 1994, p. 41)
No Brasil, a influência da Escola Nova gerou constantes críticas à metodologia de ensino vigente. O que levou alguns educadores durante os anos 60 a defenderem uma renovação no ensino, levando a uma revisão na metodologia. Inicialmente, “prevalecia à concepção de que o conteúdo das disciplinas escolares era apenas um meio de para atingir determinado tipo de aprendizado” (BITTENCOURT, 2008, p. 225). Os avanços na maneira de repensar a metodologia de ensino continuaram durante a próxima década.
 Conduzidos pelos avanços tecnológicos, os educadores, principalmente das ciências humanas, passaram a introduzir os audiovisuais nas salas de aula. As transparências contendo mapas, relevos, planícies ofereciam maior imersão, mesmo que mínimo, um avanço. Apesar dos constantes debates, ainda não era possível visualizar a inclusão do teatro como metodologia de ensino para a História, visto que os chamados “métodos tradicionais” correspondiam à ampla maioria nas escolas. Cenário este que viria a ser modificado na a partir dos anos 80.
“Os anos 80 foram momentos de intensos debates sobre a renovação do ensino de História, nos quais igualmente ocorreram as questões acerca de seu método de ensino, em razão de sua caracterização como disciplina que exige do aluno apenas ‘saber de cor’ nomes e datas de fatos e personagens ilustres. Nesta época de debates muito intensos, como foi assinalado anteriormente, aprofundou-se o problema do método tradicional e foi então possível compreender melhor o significado das relações entre método e conteúdo” (BITTENCOURT, 2008, p. 227).
Ainda nesta mesma década, houve um acirramento no debate sobre a renovação dos métodos de ensino. De um lado estavam aqueles que defendiam a plena renovação dos métodos de ensino de História, alegando que a “História tradicional” já não correspondia aos novos questionamentos dos estudantes e que a grade curricular e seus extensos e abrangentes conteúdos não envelheceram bem. Por outro lado, os “tradicionais” afirmavam que grande parte destas experiências já haviam sido testadas e em poucas ocasiões obtiveram resultados relevantes.
Apesar dos constantes combates de ideias, por fim, existiu-se o consenso entre as partes. Os “tradicionais” tornaram compreensíveis seus argumentos aos “inovadores” de que é inviável por muitas vezes desfazer-se dos métodos que fazem o ambiente escolar ser o ambiente escolar. Por sua vez, os inovadores também se fizeram compreender aos tradicionais a necessidade de modificar os métodos de ensino as diferentes formas de aprendizado e as diferentes condições culturais e sociais dos estudantes. Com esse consentimento de ambas as partes, tornou-se possível, enfim, ao teatro ocupar o devido espaço como um método para o ensino de História.
“O desejo de mudanças para melhor desempenhar o trabalho com os alunos tem estado presente na história da prática docente, mas é preciso entender que métodos e conteúdos se constroem historicamente e fazem parte de uma produção escolar sedimentada e incorporada pela sociedade. As mudanças de métodos e conteúdos precisam ser entendidas a luz de uma ‘tradição escolar’, sendo necessário perceber, por intermédio desse conceito, dois aspectos fundamentais. [...] Outro aspecto a ser levado em conta no processo de renovação é o entendimento de que muito do ‘tradicional’ deve ser mantido, porque a prática escolar já comprovou que muitos dos seus conteúdos e métodos escolares tradicionais são importantes para a formação dos alunos e não convém serem abolidos ou descartados em nome do ‘novo’”. (BITTENCOURT, 2008, p. 229).
A alternativa de inserir o teatro como método de ensino de História, possibilitou aos docentes uma seleção de temáticas para provocar os estudantes a se aprofundarem em temas outrora irrelevantes a sua existência. A atuação viria a aproximar os alunos do período histórico o qual se propõe a estudar, fazendo-lhes compreender que as problemáticas debatidas em tempos passados continuam sendo questionadas no tempo presente.
O teatro grego então se apresenta como uma ferramenta valiosa para a criação de pontes conectando o passado que aparentemente está isolado e intocável com a nossa realidade. Esta característica de comparar a Antiguidade e o tempo presente é maior aproveitada se o docente apresenta conhecimento prévio das obras utilizadas e, quando o mesmo se propõe a adaptar o enredo das peças, reduzindo e mesmo simplificando alguns diálogos e suavizando algumas temáticas de maior densidade. Estas práticas que parecem claras a aqueles que pretendem utilizar o teatro como método de aprendizagem ou mesmo como fonte, porém, no ambiente escolar, a realização destas pequenas atividades de maneira prévia tende a poupar o tempo hábil para executar tais projetos.
As tragédias gregas tem maior utilização em ambientes escolares, pois, trás como característica personagens de grande personalidade, envolvidas em intrínsecos dramas pessoais com grande carga emocional. O enredo, o destaque maior do espetáculo trágico, era utilizado pelos tragediógrafos como um espelho perverso da sociedade ateniense, e questionava poderes políticos e sociais.
Importante salientar também a característica fundamental da tragédia, a identificação com as adversidades vividas pelos personagens. Este fator de atração carrega o espectador para o drama, e este por fim, identifica-se com o protagonista, levando ao que Aristóteles em A Poética chamou de Catarse (Kathársis). Este processo de identificação, segundo Aristóteles era responsável por purificar a alma utilizando-se da descarga emocional provocada da passagem do personagem principal da felicidade para a infelicidade (ARISTÓTELES, 2003, p. 36).
A Catarse será um dos elementos da tragédia que justificam sua utilização em sala de aula, não a purificação da alma, mas a identificação com a problemática apresentada e ao identificá-la trazer estas questões para o nossos tempos, tomadas as devidas proporções, baseado nas experiências transmitidas pelos heróis trágicos e as lições retiradas das peças de teatro.
Pode-se, por exemplo, citar Antígona, tragédia pertencente a Sófocles, que narra a persistência de uma mulher, que na antiga Grécia tinha suas atuações limitadas ao ambiente doméstico, em desafiar as imposições tiranas de Creonte, rei de Tebas seu tio. Antígona rebela-se contra suas limitações políticas e domésticas, travando um combate pelo seu espaço na sociedade, tal qual as mulheres que nos dias atuais ainda buscam posições de maior destaque na sociedade. Ou mesmo os dramas vividos por Hécuba em As Troianas de Eurípides, que mostra o lado inglório dos vencedores de um combate e o drama dos derrotados, o mesmo drama que assistimos diariamente nos meios de comunicação.

Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2003.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
CASTIAJO, Isabel. O Teatro Grego em Contexto de Representação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
CHEVITARESE, A. L; CORNELLI, G.; SILVA, M. A de O. (Org). Tradição Clássica e o Brasil. Brasília: Archai/UNB/Fortium, 2008.
GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: Danças, Piruetas e Mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
OLIVEIRA, Francisco de. Teatro e Poder na Grécia. Humanitas, Coimbra, v. 45, p. 69-94, 1993.

WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. São Paulo: EdUsp. 1994.

11 comentários:

  1. Olá amigo. Parabéns pelo trabalho, gostaria de saber mais sobre a aceitação da linguagem teatral na sala de aula. Houve alunos que nao participaram? Quais os tipos de problemas encontrados pelo sr?

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    1. Olá Laerte Pedroso,
      Primeiramente, é necessário deixar claro aos estudantes a importância da atividade e o qual é o objetivo deles com a prática. Esclarecer esses pontos faz com que o engajamento seja maior da parte dos estudantes. As não participações se deram muitas vezes por questões como timidez ou mesmo problemas de relacionamento com outros grupos, mas isto pode ser resolvido designando os estudantes, para que eles mesmos dividam os papéis e funções entre si. Aqueles que não querem atuar por conta da timidez, por exemplo, podem ficar no apoio, ou cuidar dos cenários e dos adereços, ou mesmo trabalhar com os diálogos.O importante é que todos estejam incluídos na atividade e aprendam com o teatro.

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  2. Olá, boa noite
    Acho bem interessante o uso do teatro como forma de ensino, principalmente no ensino de história, mas gostaria de saber como o professor deve trabalhar com seus alunos a respeito disso, ele deveria ter um mínimo de conhecimento sobre o teatro, e como deveria ser dirigido esse tipo de encenação para que o aluno também se sentisse confortável com aquilo?
    Forte abraço
    Sarah Aquino de Oliveira Silva

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    1. Olá Sarah Aquino,
      Respondendo a sua primeira indagação, acredito que não somente na utilização do teatro como forma de ensino devemos ter o domínio daquilo que pretendemos a utilizar em sala. Qualquer método escolhido para promover a aprendizagem deve anteriormente ser compreendido pelo docente. Conhecer seu objeto lhe dá a vantagem de melhor organizar o tempo, escasso, disponível para tais projetos.
      No caso do teatro especificadamente, é interessante que o professor conheça bem as obras que serão disponibilizadas aos estudantes com o objetivo de, se necessário for, adaptar os diálogos e a linguagem para facilitar o entendimento do enredo.
      Quanto a encenação, costuma-se deixar a cargo dos estudantes, para que eles mesmos dividam os papéis e funções entre si, desta forma evitando o sentimento de obrigação tornando a aprendizagem prazerosa.

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  3. Bom dia! Você costuma trabalhar com teatro na disciplina de história exclusivamente? Ou faz uma abordagem interdisciplinar ? já que é possível trabalhar, por exemplo, a questão da linguagem oral e a expressão corporal, articulando com o português.
    Abraço

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    1. Olá Silvana Bollis,
      A prática interdisciplinar é sim recomendada, pois, proporciona um maior aproveitamento do objeto em questão, além de outros benefícios como o melhor aproveitamento do tempo proposto a prática teatral. As possibilidades de comunicação com outras disciplinas são grandes, não incluindo somente a Língua Portuguesa, mas também disciplinas como a Filosofia e a Sociologia, por exemplo.

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  4. Seria provável fazer uma aula interdisciplinar utilizando o Teatro Grego como base?

    Allef de Lima L. F. Matos

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    1. Olá Allef Fraemann,
      Sim, como respondi acima a Silvana Bollis, as possibilidades de interdisciplinaridade são grandes. Citando por exemplo a Sociologia, podemos analisar o contexto da sociedade analisada (no caso proposto pelo artigo a sociedade grega durante o período clássico) e traçar alguns questionamentos sobre funções que julgávamos pre estabelecidas socialmente, ou as relações entre as diferentes posições da sociedade e suas distorções e até mesmo análises sobre política são possíveis no teatro.
      Espero ter esclarecido seu questionamento.

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  5. Olá Erivaldo. Seu trabalho está excelente.

    Como você encherga as dificuldades de trabalhar com o teatro em escolas suburbanas, pois nessas temos dificuldades na infraestrutura e má vontade dos gestores (Não todos, claro) em permitir formas diferencidas de ensino. Também temos a problemática do Teatro não ser bem aceito (inicialmente) por subestimarem essa incrível forma de falar do passado. Como atravessar essas barreiras?

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    1. Olá César Filipe, muito obrigado pelo elogio.
      De fato, trabalhar o Teatro em áreas suburbanas ou periféricas tem dificuldades extras. Acredito que seja de fundamental importância primeiramente explicar aos alunos o motivo de eles estarem fazendo o que está sendo proposto. Compreender a prática faz com que os alunos tenham maior engajamento.
      No caso da falta de infraestrutura ou mesmo falta de conhecimento dos gestores, o Teatro demonstra-se dinâmico. O Teatro pode ser aplicado como uma contação de história ou mesmo uma leitura dramatizada com os estudantes. Essas alternativas podem ser de grande ajuda principalmente na questão de economia do tempo.
      Espero ter esclarecido seu questionamento.

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  6. Erivaldo, como o tempo cada vez mais curto para trabalhar os assuntos, e a ênfase cada vez maior no ENEM, como conseguir não só convencer a escola, mas os próprios alunos da importância da encenação teatral?

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