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Eliana Pereira; Maria Aparecida

RESGATANDO MEMÓRIAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Eliana Pereira da Silva
Maria Aparecida Pereira

Introdução
Narrar ou contar histórias é uma arte milenar. Antigamente era o contador de histórias o detentor da experiência, do conhecimento e da sabedoria. No passado, esse rito familiar criava um clima intimista entre as gerações nas sessões de “contação” de histórias. A das crianças, jovens e adultos. Atualmente, com a supremacia da imagem, da televisão, figura do avô ou da avó era ícone do faz-de-conta, agente de introspecção imaginativa do computador e da informação, as histórias contadas ou narradas por um interlocutor, oferecem, apenas, um divertimento que está implícito em cada um, com seus valores subjetivos.
Ao longo de nossa trajetória com a aplicação do projeto, colecionamos diversas histórias que nos foram contadas, vivenciamos intensos momentos que guardamos como relíquias de nosso passado e presenciamos acontecimentos que produzem marcas para além do tempo. Todo esse material se constitui, juntamente com outros elementos, em matéria-prima para a subjetividade.
Para possibilitar aos idosos a prevenção ou alivio da depressão que a idade pode acarretar, usamos da expressão e do ritmo com atividade que resgatou suas memórias, bem como a interação entre eles.
A Oficina Resgatando Memórias é um método de intervenção baseado nas teorias de grupo e no contexto sociocultural. O objetivo do trabalho foi contribuir para a estimulação da memória e assim poder aumentar a autoestima e valorização dos idosos.

Resultado
As aulas oficinas foram desenvolvidas na Associação das Senhoras da Caridade de Caetité- ASCC, no período de 11 a 25 de abril de 2016, com a duração de 3 horas- aula cada, no turno vespertino. Antes, porém, fizemos uma visita a Casa de Caridade, para escolher o público – alvo (10 idosos) e o espaço físico, o pátio e uma sala disponibilizada pela diretoria.
Foi importante proporcionar aos idosos um ambiente de interação, se sintam à vontade e dessa forma sermos contemplados com as suas memórias. Pensando nisso, criamos um espaço de memória, expondo na sala, onde foram aplicadas as oficinas objetos que eles utilizou e que concomitante relembram o seu passado.
As oficinas foram trabalhadas de forma articulada e adaptada às necessidades e a as condições dos participantes, num constante processo de construção de conhecimento, baseado em aspectos significativos da realidade vivenciada por eles. Numa visão esquemática, as oficinas assim se constituíram, em termos de conteúdos de aprendizagem e da metodologia empregada:
Oficina 1: Com o objetivo de preservar e divulgar a herança cultural de gerações passadas, e com base nas ideias de  Durval de Albuquerque (1994, p.44), “O ato de lembrar, é sobretudo o trabalho de localizar lembranças no tempo e no      espaço (...)”, foi trabalhado a exposição de fotos e objetos antigos. Onde eles puderam visitar o cenário, e reviver seus costumes de infância e pré- adolescência.
Oficina 2:  Pensando em aumentar a autoestima e estimular suas memórias e trazer de volta suas emoções, lembranças e sentimentos foi passado músicas regional da época: Luiz Gonzaga, “Asa Branca”, Raul Sampaio, “Quem eu quero não me quer”, Cantiga popular, “Meu limão, meu limoeiro”, Sérgio Reis, “O menino da porteira”, Padre Alessandro Campos, “O Que é Que Eu Sou Sem Jesus?”. De forma surpreendente, ao término da cantiga popular, meu limão, meu limoeiro os idosos começaram a jogar versos, como fazia nas festas.
A memória pode atuar em diversas esferas sociais, sejam elas econômicas, políticas ou culturais, na legitimação de um determinado poder, tradição ou identidade. (LE GOFF, 1984).
Oficina 3: Com o intuito de preservar as funções intelectuais promover intervenções terapêuticas através da estimulação da memória, organização do pensamento e concentração, foram realizadas atividades tais como: Palavra Cruzada, 7 erros e colagens (grãos). Neste dia da oficina dona Helena, uma das participantes, ao apresentarmos a atividade de colagem dos grãos disse: “é hoje que não saio daqui, não vou conseguir’, no entanto minutos antes do término nos apresentou a tarefa pronta”.
Outro momento de grande aprendizagem para nós mediadores da oficina foi quando dona Ormezinda, ao final da oficina nos disse: “vocês usaram frutos de nossos trabalhos da roça”, porém não havíamos pensado nisso. 
Esse acolhimento oferecido ao idoso, no sentido de conceder um serviço humanizado. Houve uma aproximação e valorização do ser humano através deste momento único que é o ensinar, o dividir seus conhecimentos com o objetivo de tornar a vida do próximo melhor.
Oficina 4: Afim de incrementar a socialização dos idosos, cujos vínculos sociais encontram-se fragilizados, melhorar sua autoestima e contribuir para o aumento da sua capacidade cognitiva, trabalhamos com fotografias propondo a comparação entre as fotos antigas e atuais de Caetité. Em seguida, fizemos um diálogo sobre as mesmas e a realização de pinturas em papel A 4. Mais uma vez fomos surpreendidas por eles, suas agilidades e desempenhos.
Oficina 5: Pensando está trabalhando com um grupo com potencial forte para questão oral, de posse de muitas experiências, criamos um cordel retratando suas vivências acerca de suas falas nas oficinas anteriores, após serem lidos questionamos se gostaram e se os descrevemos da forma correta como haviam relatado. Nessa perspectiva de trocas de saberes compartilhamos a fala de Gonh (2006), “a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas”.
Oficina 6: A exibição do filme, Vida Mariamostrou o quão é prejudicial a naturalização da vida no sertão, quanto a alfabetização nesse período, principalmente das mulheres. Após o final do filme e com o relato da idosa Ormenzinda “(...) eu não estudei porque meu pai não deixava, e para não ter a fama de mal “pagadeira” teria que ir para roça trabalhar”.  Realizamos a atividade de cobrir o nome.
Nesse sentido de que o estudo não era tão importante, quanto o trabalho, Rago (2007) ressaltou que: para as meninas, o bom aprendizado das chamadas “prendas domesticas” era considerado (...), mais importante do que o das letras, pois constituía um condição sine qua non para um bom arranjo matrimonial, segundo a mentalidade dominante e a divisão sexual dos “papeis sociais”. (Rago,2007, p.57)
Oficina 7: Neste último dia, fizemos a socializado do trabalho, avaliamos o queaprendemos durante os dias de oficina, e a nossa contribuição para com eles. Finalizamos com o bingo.

Avaliação
Por meio do desenvolvimento do projeto “Resgatando Memórias”, abordamos a temática do envelhecimento humano com o objetivo de relatar memórias dos idosos, possibilitando evidenciar a importância da valorização das narrativas de pessoas idosas na rememoração do seu passado.
Portanto, apresenta- se a discussão desenvolvida sobre a importância da apropriação das lembranças e narrativas de pessoas idosas por parte dos profissionais que atuam com essa população, em especial, a visão das acadêmicas de História.
Em nossa experiência de atuação junto ao grupo de idosos, percebemos que o passado, seja ele advindo de uma história de vida ou mesmo de acontecimentos do cotidiano, é muitas vezes privado de expressão no meio social. Muitas de suas histórias chamadas “do arco da velha” permanecem guardadas num museu peculiar: seu próprio corpo. E nós futuros historiadores devemos intervir, como afirma Rusen (2001, p.57), “é a consciência histórica que une passado, presente e futuro. A História é uma condição humana e um nexo dessa tripartição temporal” (...). Deste modo, a consciência histórica exerce a função de orientação para o presente e para isto é fundamental a competência narrativa, que é a capacidade de se apropriar do passado e desvendar nas entrelinhas de tal maneira que a realidade presente se torne algo compreensível, tornando possível estabelecer orientação para uma intervenção do indivíduo nesta realidade.
Foi percebida a disposição com que os idosos iam para os encontros, fazia com que eles adotassem decisões próprias assim percebendo como é importante a participação nesse grupo, ao realizarem atividades físicas eles tornaram mais ativos, dispostos sem contar como faz bem para a saúde mental, pois ao participarem das atividades de lazer as quais requerem esforços faz com que eles se envolvem cada vez mais.

Conclusão
A oficina de memória teve como intuito primordial realmente representar um projeto de extensão no sentido mais amplo da palavra.
Os resultados de nossa experiência nos permite concluir que o fato de se ter um espaço para que as histórias de vida e a memória cultural venham à tona é densamente rico e essencial. Para a acadêmica Maria Aparecida que também é secretaria da ASC relata que: “Nunca participei de um momento tão importante com os idosos desde quando comecei a trabalhar aqui, há mais de 5 anos. A prática do projeto me fez aprender mais sobre os idosos mesmo com tanto tempo vivenciando o cotidiano com eles”. Para os idosos, é uma possibilidade de resgate das próprias histórias que muitas vezes ficaram esquecidas por eles mesmos. É a possibilidade de poderem ter um espaço com interlocutores dentro e fora do seu próprio grupo de pares, uma vez que essas histórias podem circular amplamente por meio de panfletos, revistas, cartas, cartazes e outras formas de comunicação.

Referência bibliográfica
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de.” Violar Memórias e Gestar a História: Abordagem a uma problemática fecunda que torna a tarefa do historiador um “parto difícil”. In: ______. (org). História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, São Paulo: Edusc, 2007
ANDRADE, Marcelo; LUCINDA, Maria da C. Oficinas pedagógicas em direitos humanos: uma aposta de formação política com grupos populares. In: CONGRESO INTERNACIONAL EDUCAR EN TIEMPOS DIFÍCILES, 2011, Santiago. Congresso Internacional de Educación, 2011. (mimeo.)
BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan/mar. 2006
LE GOFF, Jacques. Memória. In: Enciclopédia Einaudi vol. 1- Memória- História. Edição portuguesa, 1984.
MEDIANO, Zélia. A formação em serviço de professores através de oficinas pedagógicas. In: CANDAU, Vera M. (Org.) Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997. p.91-99.
GARRIDO, R.; MENEZES, P. R. O Brasil está envelhecendo: boas e más notícias por uma perspectiva epidemiológica.Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 24, n. Supl. I, p. 3-6, 2002.
MENDES, Márcia. R. S. S. Barbosa. et al. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 422-426, 2005.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica - Teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001


11 comentários:

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  2. Boa noite. Durante o projeto algum dos idosos se negou a participar ou a interagir? Se sim, como fizeram ele mudar de ideia?

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  3. Boa tarde,
    Na verdade durante a realização do projeto não tivemos nenhuma dificuldade com a participação dos idosos, eles fizeram questão em participar, o difícil foi selecionar o número de participantes porque
    todos queriam fazer parte e o espaço disponível era pequeno.
    Att,
    Elina Pereira e Maria Aparecida

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  7. Boa noite, achei seu trabalho muito interessante, esse resgate de memorias deve ter sido fascinante para eles, nem todas as pessoas lançam olhares para pessoas mais velhas e sua experiência de vida. Parabéns pelo trabalho!!!

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  8. Quais foram as principais dificuldades encontradas durante as entrevistas?

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    1. A única dificuldade que tivemos foi em organizar o momento de falas.Pois todos queriam abordar seus suas vivencias.
      Att,
      Eliana Pereira e Maria Aparecida

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  9. Olá Eliana e Maria, parabéns pelo trabalho! Gostaria de saber como a abordagem junto aos idosos? Como foi realizada a escolha deste local e qual era a temática mais falada por eles? Filhos, emprego, juventudes...?

    Obrigada!

    Talita

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  10. Obrigada.Escolhemos o local para darmos a eles momentos de entretenimento e sobretudo lazer além dos fornecidos pela instituição a qual pertence.Ao chegarmos à instituição e dizermos do interesse em desenvolver o projeto com eles, a disposição foi imediata. Quanto a temática mais falada era sobre a juventude e as suas dificuldades passadas.
    Att,
    Eliana Pereira e Maria Aparecida

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