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Eduardo Nunes; Marcos Antônio; Juliana Barbosa; Janailson Macêdo Luiz

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: (RE)DISCUTINDO O USO DE CONCEITOS NO COTIDIANO DOS ESTUDANTES
Eduardo Nunes da Silva
Marcos Antônio Silva dos Santos
Juliana Barbosa Sindeaux
UNIFESSPA
Mr.  Janailson Macêdo Luiz
UFCG

Problematizações
A escola se constituiu como um dos mais importantes ambientes de socialização a que temos contato em nossa formação sociocultural. Através das interações que possibilita por intermédio do que é proposto explicitamente em sua organização curricular ou durante a efetivação do chamado currículo oculto (SILVA, 2001), ela influencia diretamente as negociações travadas pelos sujeitos e pelos grupos no que concerne à formação de suas identidades pessoais e coletivas.
Essas negociações identitárias em torno das fronteiras interétnicas (BARTH, 2000), no entanto, se estabelecem no cerne de uma estrutura social ainda marcada pela manutenção e reprodução do racismo; reprodução essa que ocorre mesmo em espaços caracterizados pela diversidade étnica de sua população, a exemplo das escolas situadas em bairros periféricos das cidades de médio e grande porte da Região Amazônica.
Sobre esse tema, um estudo recente realizado junto a estudantes de escolas públicas do bairro do Guamá, periferia de Belém-PA, concluiu que:
O preconceito racial basicamente ainda existe no cotidiano escolar, e sobrevive sob as rédeas de justificativas às quais os próprios estudantes apontaram: a chacota, os apelidos, o bullying, a violência simbólica, envoltos em uma atmosfera refletora de um espaço externo, que é a sociedade na qual vivemos e tentamos estabelecer relações de sociabilidades que reflitam nossa esperança de formar cidadãos menos preconceituosos e mais tolerantes (COELHO et al., 2015, p. 357).
Partindo do contato com realidades – e esperanças – não muito distintas das apresentadas acima por Coelho et al., propusemos a realização de atividades junto a uma escolas pública que atende a alunos de bairros periféricos do município de Marabá-PA. O artigo trata, nesse sentido, de experiências relacionadas a oficinas sobre a questão étnico-racial realizadas junto a estudantes das séries finais do Ensino Fundamental (2015) e do terceiro ano do Ensino Médio (2016) da Escola Municipal Pequeno Príncipe, situado no Bairro Nova Marabá, em Marabá-PA.
As duas versões das oficinas estiveram centradas em conceitos como de Raça, Etnia, Racismo, Estereótipo, entre outros; discutidos com base nos conhecimentos prévios dos estudantes e no diálogo com as compreensões e realidades vivenciadas por eles nos espaços internos e externos à escola. Na segunda versão, foram ainda trabalhadas questões do Exame Nacional do Ensino Médio, pertinentes a temática, de modo a dialogar com as expectativas dos estudantes com relação ao tratamento do tema no “vestibular”, sem prejuízo para a busca de uma abordagem crítica sobre o tema abordado.
As oficinas foram realizadas a partir de ações de extensão mais amplas desenvolvidas desde o final do ano de 2015 na referida escola, em especial junto as disciplinas História e Ensino Religioso, pelo  Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações Étnico-Raciais, Movimentos Sociais e Educação – N’UMBUNTU (PROEXT/MEC) e articuladas com o projeto Educação das relações Étnico-raciais: A História da África e a História e Cultura Afro-Brasileira em sala de aula, desenvolvido junto ao edital 2016 do Programa – PAPIM/UNIFESSPA.

Debatendo os conceitos em sala de aula
Brandão (2006), apresenta que algumas questões são indispensáveis no trabalho em sala de aula, sobretudo no diz respeito à educação das relações étnico-raciais, que deve estar centrada na busca por uma educação escolar mais plural e que valorize a diversidade étnica e cultural do Brasil. Para esse autor, o professor deve ir além do senso comum, sempre problematizando as piadas ou comentários que surgirem durante a aula e não deve assumir uma postura intransigente, buscando, inversamente, saber ouvir os estudantes, fator importante para uma discussão saudável e que valorize a multiplicidade de opiniões, sem silenciar nenhum grupo ou sujeito.
No mesmo sentido, a partir da leitura de autores/as como Gomes (2005) e Sant’ana (1999) compreendemos que aprofundar o debate em torno dos conceitos é de suma importância para melhor compreensão das relações étnico-raciais no Brasil. Para tanto, é imprescindível levar em consideração a origem, a pluralidade de significados e a historicidade de certas palavras.
Com base em conceitos como Discriminação, Preconceito, Estereótipo, Racismo, Injúria racial e Raça, debatidos pelos autores acima citados, construímos durante as oficinas a discussão em torno dos saberes e história de vida dos estudantes, em sua boa parte afrodescendentes, centrando a discussão em casos de racismo ou outras formas de discriminação vivenciados por eles.
Em cada oficina pudemos realizar ações dialógicas voltadas para as compressões apresentadas pelos estudantes em seu cotidiano. É mister pontuar que durante todo o ano foram realizadas outras atividades junto as turmas e a escola, também voltadas para a desconstrução sistemática dos estereótipos e construção de olhares positivos para a história e cultura afro-brasileira. Esse trabalho sistemático mostrou-se fundamental, dada a ampliação das possibilidades de diálogo com os saberes já debatidos em sala pelos estudantes.
É importante frisar que o objetivo das oficinas não era taxar os alunos ou sujeitos por eles aludidos como racistas ou realizar uma “caça às bruxas” em relação aos atos racistas narrados, mas possibilitar a compreensão de como o racismo se reproduz no cotidiano dos estudantes, muitas vezes veiculado através da reprodução acrítica de certas visões do senso comum. Foi buscado fomentar problematizações acerca da necessidade de criar outras práticas e representações (CHARTIER, 1988) que lhes possibilitassem quebrar os estereótipos e agir de modo consciente no seu dia-a-dia contra a reprodução do racismo e das mais variadas formas de discriminação.
Os conceitos foram introduzidos como forma de contraposição ao Mito da Democracia racial, que apregoa a inexistência de situações conflitivas no que tange às relações raciais no Brasil. A princípio, perguntamos a compreensão tida pelos alunos acerca de cada conceito, possibilitando dialogar com suas visões de mundo e experiências.
A partir dos exemplos apresentados por eles, buscamos chamar a atenção para a necessidade de desnaturalização de certas compreensões, como, por exemplo, as que fundamentam algumas expressões rememoradas durante o debate, a saber: “preto é feio”; “preto correndo é ladrão e parado é suspeito”. Buscamos apresentar como, através de preconceitos manifestados de forma sutil através de piadas e comentários, as crianças negras são levadas desde a infância a rejeitarem seu próprio corpo: alvo e principal motivo dos ataques. E as crianças brancas acabam sendo, no mesmo sentido, ensinadas a virem a si próprias como superiores, possibilitando a manutenção do status quo das hierarquias raciais, herança que ainda guardamos do período escravista.
Por consequência, como pudemos constatar no diálogo junto aos estudantes, esses estereótipos contribuem para que os afrodescendentes passem muitas vezes a rejeitar a identidade negra e assumir uma outra identidade, mais próxima do padrão que elege como sujeito o homem branco, heterossexual e de classe média. A escola deve, portanto, construir espaços onde possam ser fomentados debates sobre como os estereótipos se reproduzem, levando em consideração as visões apresentadas pelos estudantes, de modo a poder de fato dialogar com as suas visões de mundo e possibilitar mudanças efetivas na realidade que eles vivenciam e ajudam a constituir.
           
Considerações finais
Por fim, é importante ressaltar que o fazer pedagógico deve valorizar o conhecimento que cada aluno já traz consigo, reconhecendo deste modo as vivencias, traumas e memorias de cada um, se atendo aos momentos em que os alunos revivem suas memorias fortes ou traumáticas. O mesmo vale para opiniões divergentes das do professor. O cuidado para tratar com a situação sem que haja desrespeito é essencial, procurando saber buscar elementos que tornem possível a desmistificação de temas enraizados nos indivíduos e que surjam em aula sem causar atritos ou desconfortos.

Referências bibliográficas
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução de John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.
BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2).
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Trad. de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada e alfabetização e diversidade, 2005. P. 39 - 62.
SANT’ANA, A. O. de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados. In: Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p.: il.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

COELHO, Wilma Nazaré Baía et al. Sociabilidades adolescentes: cor e hierarquias no ambiente escolar – notas introdutórias. In: Educação, História e Relações Raciais: debates em perspectiva. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. p. 345-362.

6 comentários:

  1. Como é possível corrigir os alunos sobre piadas quando muitas vezes o exemplo vem de casa?

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    1. neste sentindo, buscávamos indagar o aluno sobre a origem da piada, a quem ela serve e o que ela faz, ou seja problematizamos as piadas e termos apresentados pelos aluno, o que levava o aluno a refletir mais sobre as palavras e conceitos, porém para uma desconstrução efetiva de destas piadas o corpo docente, pedagógico e administrativo deve atuar em conjunto, por uma atitude anti-racista, corrigindo e desconstruindo atitudes que vão na contra mão de uma educação anti racista, por tanto não basta desconstruir atitudes negativas nos alunos mas também nos educadores, para que não haja incoerência entre a teoria e pratica.

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  2. Boa noite.
    Parabéns pelo texto, pelo tema escolhido e a clareza na escrita. Sem dúvida é uma produção que será salva e utilizada em meus trabalhos futuros. Gostaria de saber a opinião de vocês acerca da relação do preconceito com a falta de identificação ou reconhecimento cultural, histórico e ancestral de discentes quanto elemento utilizado para depreciar ou discriminar o 'outro'?

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    1. Boa noite, Jessica. Um dos desafios é construir junto com os estudantes saberes que lhes permitam identificar a importância de diversos elementos culturais oriundos de culturas e grupos em geral esquecidos, silenciados ou estigmatizados no âmbito das representações que constituímos a nível de sociedade, incluindo aquelas veiculadas nos currículos escolares. Esse "desconhecimento"certamente colabora para a manutenção da reprodução de estereótipos e formas de discriminação em relação a determinados grupos e sujeitos, a exemplo dos povos africanos, afro-descendentes, indígenas e algumas categorias de migrantes. Por isso, a escola, enquanto lugar privilegiado de construção do conhecimento, é tão fundamental no sentido da desconstrução de visões desse tipo e sua substituição por outros modos de conhecer.

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  3. Parabenizo ao grupo pela ótima iniciativa de desenvolver um projeto tão inspirador.

    É de extrema importância que os debates expostos sejam levados em consideração dentro do ambiente escolar.
    Durante décadas, tentamos buscar soluções para minimizar ações discriminatórias, porém, ouvir os jovens e compreender suas perspectivas sobre os temas é ainda mais válido.
    Os jovens, como atuantes na construção de uma nova sociedade, retratam suas vivências e expõem suas opiniões quanto a possíveis soluções para as problematizações.
    No entanto, é necessário que possamos orientá-los e associar suas vivências ás contextualizações históricas objetivando instiga-los a uma interpretação conscientizada e ampla dos temas.

    Gostaria de saber um pouco mais sobre a reação e a participação dos alunos durante o projeto.

    Patrícia de Souza Santana.

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  4. Olá Patrícia. Durante o projeto, desenvolvido no decorrer do ano de 2016, os alunos tiveram uma importante participação, incluindo-se a realização de dois eventos na escola, como início e término das atividades, no começo e término do ano, respectivamente. É importante observar que o foco do projeto não eram os evento em si, mas durante a preparação para os eventos, em conexão com o que estava sendo trabalhado durante todo o ano em sala de aula, nas disciplinas de História e Ensino Religioso, sobretudo, os estudantes da escola puderam participar de modo mais amplo, sugerindo atividades, temas, bem como através do envolvimento com a construção em si dos eventos, que envolveram atividades que eles puderam realizar, tais como apresentações teatrais, oficinas de rimas vinculadas ao rap, produções de bonecas abayomi, entre outras atividades. Cumpre observar que um dos pontos altos do projeto foi justamente as atividades desenvolvidas juntos aos discentes, que puderam exercitar sua participação e formação cidadã. Tivemos menos dificuldades no trabalho com eles, por exemplo, que em relação as formações continuadas com os seus professores. Evidentemente, tais formações são também essenciais e devem ser buscadas melhores alternativas para que sejam efetivadas com êxito.

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