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Edilene Pereira

HISTÓRIA INDÍGENA E ENSINO: UM DIÁLOGO A SER ESTREITADO (2008-2016)
Edilene Pereira Vale
Mnt. PPGHEN/UEMA

Este trabalho trata da História indígena e o ensino nas escolas públicas de São Luís do Maranhão, entre os anos de 2008 a 2016. Para tanto, propõe-se a observar como o índio é representado nos livros didáticos utilizados nas principais escolas estaduais da cidade de São Luís, a partir de conceitos e sob quais condições as abordagens presentes nestes manuais lhes conferem um lugar histórico. O recorte temporal refere-se às edições dos livros analisados no trabalho, publicados após a regulamentação da lei 11.645/2008, que dá obrigatoriedade ao ensino da história dos povos indígenas no ensino básico.
No currículo escolar de História a abordagem dada às populações indígenas geralmente é restrita basicamente à “Colonização da América pelos portugueses”, especificamente quando se trata do escambo com os portugueses, catequização e escravidão. Na maioria dos casos, não se dá ênfase aos movimentos de resistência protagonizados pelos índios, nem as alianças que faziam com os europeus, as atividades desenvolvidas por eles nos serviços públicos e particulares, sem falar nos aspectos da formação cultural.
A história no âmbito acadêmico e escolar ainda precisa ser explorada, analisada e difundida. O silêncio e a falta de problematização sobre o tema nas escolas do Maranhão, promovida seja pela escassez de pesquisas ou mesmo pela ausência de uma formação continuada dos professores resultam num “permanente estado de desconhecimento, na manutenção de preconceitos, equívocos, desinformações, estereótipos e intolerância generalizadas em relação aos índios, inclusive entre os educadores” (SILVA, 2012, p. 5).
Um novo olhar sobre o indígena é de suma importância para um ensino qualitativo, seja no meio acadêmico ou escolar, não só pela promoção de uma atualização acerca dos debates que norteiam o tema no âmbito dos estudos especializados, mas também porque potencializa os discentes da universidade e rede escolar a perceber o indígena como sujeito protagonista de sua História e da formação sociocultural e territorial do Brasil.
Esses dois saberes, história acadêmica e história escolar, apesar de suas especificidades buscam promover uma visão de mundo crítica. Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capazes de favorecer o sentimento de identidade e, ao mesmo tempo, a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situá-las no tempo (ROCHA, MAGALHÃES; GONTIJO, 2009, p. 16).

Por muito tempo, na historiografia clássica, o indígena foi apresentado como sujeito de cultura “pura”, com características “originais” que, a partir do contato com o europeu, passou por um processo de assimilação cultural com a progressiva perda de seus costumes. Nessa história, os nativos foram apresentados como vítimas, passivos ou até mesmo irrelevantes no processo de colonização, sem quaisquer sinais de resistência.
Entretanto, a partir do final do século XX, essa visão historiográfica sofreu profundas mudanças. O indígena passou a ser visto como agente histórico, adquirindo uma participação ativa no processo de colonização. Essa nova interpretação se deu graças aos autores revisionistas da historiografia indígena. Refiro-me, especialmente, a John Monteiro (1994), Maria Regina Celestino de Almeida (2000) e Almir Diniz de Carvalho Júnior (2005).
Ao invés de vítimas passivas de um processo de perdas culturais sucessivas que os conduzia inevitavelmente à extinção étnica e cultural, os índios inseridos no império colonial português e, mais tarde, no império brasileiro, podem ser vistos como agentes sociais ativos neste processo (ALMEIDA, 2017).
Deste modo, a forma de olhar o indígena passou por profundas mudanças, graças ao interesse de alguns autores em investigar, revisionar, problematizar e elaborar uma nova história sobre a atuação histórica desses sujeitos. Se antes eram vistos como figurantes, agora são compreendidos como atores e agentes históricos. Todavia, cabe questionar se este conhecimento acadêmico chega ao ensino básico, seja nos materiais utilizados ou através dos professores. De fato, “o ensino seria melhor na medida em que mais semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica contemporânea” (MONTEIRO, 2003, p. 10).
Por muito tempo a história indígena não recebeu um grande destaque na sala de aula, porém nos últimos anos, graças à luta por mais espaços em todos os âmbitos da sociedade de vários grupos sociais e pela necessidade de estudar a contribuição de vários povos para nossa história, houve a precisão de se buscar formas para discutir e valorizar a história cultura dos mesmos. E um dos espaços elencados para ter esse maior conhecimento são as escolas.
Com isso os currículos escolares tiveram algumas mudanças através, sobretudo, da Lei 11.645 de março de 2008, que tornou obrigatório a inclusão da história e cultura indígena.  A referida lei:
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, na qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. (BRASIL, 2008)
Como consequência da criação da lei, estes conteúdos devem aparecer nos livros didáticos, visto que ainda é um dos instrumentos mais utilizados por professores e alunos nas escolas. “O livro didático continua sendo material didático referencial dos professores, pois pais e alunos, apesar do preço, consideram-no referencial básico para estudo” (BITTENCOURT, 2002, p.71).
Nesse sentido, para investigar como esse assunto, a história e cultura dos povos indígenas, é passado nas escolas, será feita uma breve análise de três livros didáticos de história destinados ao 2º ano do ensino médio, cuja seleção baseou-se na escolha e utilização dos materiais pelas escolas estaduais de São Luís, são eles: Novo Olhar História da editora FTD (2010), Conexões com a História da editora Moderna (2013) e Ser Protagonista da editora SM (2010).
O primeiro livro Novo Olhar História trata dos índios no capítulo “Conquista e colonização portuguesa na América”, os nativos são citados somente em uma página durante a explicação sobre a exploração do pau-brasil através do escambo com os portugueses; nas relações entre europeus e índios; formas de resistência; e catequização dos índios.
O livro Conexões com a História da editora Moderna, apesar de ser o mais recente dos três, é o que menos aborda a participação do índio na história do Brasil. São destinados somente pequenos espaços quando se trata do “Império colonial português”, vale ressaltar que são espaços separados e sem nenhuma ligação com o corpo do texto, há um texto extra e dois boxes.
Dos três manuais didáticos, o que mais se destaca é o Ser Protagonista da Editora SM, nele é destinado um capítulo somente para falar dos povos indígenas do Brasil. Nesse capítulo é apresentada a grande diversidade de povos indígenas e as várias famílias linguísticas existentes no século XVI. Além disso, é abordado a família dos Tupis-Guarani e os vários aspectos da cultura indígena, como a espiritualidade, arte, adornos usados, utensílios do cotidiano, pintura corporal, entre outros.
Portanto, é perceptível que dos três livros o que mais contempla a história indígena é o terceiro livro, tanto do ponto de vista dos textos, imagens e atividades que são apresentadas e também pelo maior espaço que é dado, pois os mesmos ainda aparecem quando se trata da colonização da América portuguesa, apresentando as suas relações com os colonizadores, principalmente as formas de resistência e as dificuldades encontradas na catequização.
Em geral, a história dos povos indígenas aparece somente nos livros do segundo ano do ensino médio, que abordam a história do Brasil desde a colonização até o período imperial. E frequentemente os índios aparecem de forma breve somente no período colonial, após isso, não encontramos mais nada referente aos índios em outros momentos da nossa História. “O peso de conhecimentos que se tornaram obrigatórios por força da tradição escolar vem, dessa forma, anulando as possibilidades de inovação ao ensino de História” (ABUD, 2011, p 170), com isso, muitos temas vêm sendo deixados de lado, como é o caso da história indígena, o que dificulta uma renovação no ensino.

Referências
ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 42, p. 163- 171, out./ dez. 2011: Editora UFPR.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Disponível em: <http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=381&sid=51>. Acesso em 15 de janeiro de 2017.
ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. São Paulo: Moderna,2013.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didáticos entre textos e imagens. In: BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2002.
BRASIL. Lei n. 11.645, de 3 de maio de 10 de março de 2008.
CAPELLARI, Marcos Alexandre; NOGUEIRA, Fausto Henrique Gomes (orgs). Ser Protagonista. São Paulo: editora SM, 2010.
DIAS, Adrian Machado; GRINBERG, Keila; PELLEGRINE, Marco Cesar. Novo Olhar História. São Paulo: FTD, 2010.
MONTEIRO, Ana Maria F. C.. A história ensinada: algumas configurações do saber escolar. História & Ensino, Londrina, v.9, p. 37-62, out. 2003.
ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
SILVA, Edson. Povos indígenas: história, cultura e o ensino a partir da Lei 11.645. Revista Historien UPE/Petrolina, v. 7, 2012.
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12 comentários:

  1. Edilene, boa noite! É perceptível que grande parte dos livros didáticos ainda tratam os povos indígenas como agentes passivos diante do processo de colonização brasileira. Para além do livro didático - que você destacou muito bem em seu texto - qual (ou quais) seriam os outros recursos que poderiam ser utilizados pelos professores do ensino básico para fazer uma mediação didática entre o debate acadêmico existente em torno do protagonismo indígena e o saber escolar no ensino básico?

    Werbeth Belo.

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    1. Olá Werbeth Belo, obrigada pelo comentário. Na minha pesquisa, além de ter o objetivo de elaborar um livro paradidático que servirá de apoio aos alunos no ensino sobre a populações indígenas, sugiro o uso de documentos históricos na sala de aula referentes a participação do indígena na colonização Maranhão. Alguns autores, como Helenice Rocha, defendem o uso de diferentes linguagens na sala de aula, como forma de fazer com que os aluno as interpretem e construam seu próprio pontos vista, se tornando sujeitos ativos no processo de ensino e aprendizagem.

      Att,
      Edilene Vale.

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  2. Prezada Edilene,

    Meus parabéns pelo trabalho e obrigado por compartilhar conosco.
    Os livros didáticos que analisastes foram avaliados pelo Plano Nacional do Livro Didático? Se somente parte, há uma diferença perceptível quanto a abordagem da temática indígena? Se todos foram analisados, a que se deve a diferença de abordagem?
    Desde já agradeço pela resposta.

    Att.
    Rafael Rogério Nascimento dos Santos

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    1. Olá Rafael Santos, obrigada pelo comentário. Todos livros apresentados neste trabalho foram avaliados pelo PNLD e na minha pesquisa procuro analisar como estes livros mesmo passando por essa análise ainda trazem alguns problemas, como a abordagem da história indígena. Esta minha pesquisa ainda está em fase inicial, portanto analisarei a que se deve essas diferenças de abordagem nos livros utilizados.

      Att,

      Edilene Vale.

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    2. Olá Rafael Santos, obrigada pelo comentário. Todos livros apresentados neste trabalho foram avaliados pelo PNLD e na minha pesquisa procuro analisar como estes livros mesmo passando por essa análise ainda trazem alguns problemas, como a abordagem da história indígena. Esta minha pesquisa ainda está em fase inicial, portanto analisarei a que se deve essas diferenças de abordagem nos livros utilizados.

      Att,

      Edilene Vale.

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  3. Olá, Edilene! Parabéns pelo trabalho, importante discussão no cenário educacional. Você afirma que há uma escassez de pesquisas sobre a história dos povos indígenas no Maranhão. Além do material didático e do levantamento sobre ensino, você utiliza documentos que retratam a história indígena no Maranhão?

    Att,
    Jéssica Mayara Santos Sampaio

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    1. Obrigada Jéssica Sampaio pela sua contribuição. Utilizo em minha pesquisa além dos livros didáticos e a bibliografia sobre Ensino, documentos da Câmara de São Luís do século XVII e do Arquivo Histórico Ultramarino, estes me auxiliam no entendimento das relações dos indígenas com os colonizadores, ou seja, a partir deles consigo observar qual era a dinâmica de conquista da capitania do Maranhão e os papéis que os índios assumem nesse processo.

      Att,
      Edilene Pereira Vale.

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  4. Interessante a sua proposta Edilene Pereira, realmente esse diálogo precisa ser bem mais constante, parabéns! Assina: Eduardo Gomes.

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  5. Saudações Prezada Edilene Vale!

    Primeiramente parabéns pelo trabalho e temática...

    Gostaria de saber se em suas pesquisas e análises dos livros didáticos, é possível observar nos livros discussões sobre: reelaboração cultural indígena; cosmovisões e; relações interétnicas??

    Cordialmente, Wilverson Rodrigo.

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  6. Olá Edilene,
    Me chamo Joilson Sousa e compartilho com você que fiz uma análise em obras didáticas para o ensino fundamental em 3 coleções. Fico preocupado com a perspectiva com que tratam a temática indígena (embora tenha melhorado bastante), em algumas obras.

    O que você acha da perspectiva intercultural para aproximação do ensino de história com os saberes indígenas de uma comunidade em específico? De todo modo penso ser conflitante, mas seria essa uma possibilidade para uma valorização da cultura indígena e o protagonismo indígena de várias regiões do nosso país?

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