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Cleverton Barros

ENSINO DE HISTÓRIA E A TEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS 
Cleverton Barros de Lima
FANESE/IFS-SE

Apresentação 
A Declaração dos Direitos do Homem, no fim do século XVIII, foi um marco decisivo na história. Significava que dorovante o Homem, e não o comando de Deus nem os costumes da história, seria a fonte da Lei. [Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, p.395.]  
Acredito que o interesse de historiadores em ensinar os fundamentos dos Direitos Humanos vem desconstruí as falsificações e incompreensões a respeito desta temática, tão imprescindível para formação de um ideal de cidadania. Inclusive por pensar de um país que traz em sua bagagem, violações concretas dos direitos humanos relacionadas a falta de escolas com condições de funcionamento ou da ausência de esgotamento sanitário nas periferias das cidades brasileiras; também neste cenário, a ampliação exponencial do número de detentos sem o devido processo legal amplia em demasia os incontestes problemas da aplicação dos debates a respeito dos Direitos Humanos. Enquanto professores de história, estamos imersos neste contexto e devemos levantar as questões relativas aos períodos históricos em que houve deliberadamente rupturas institucionais (Estado Novo; Ditadura civil e militar de 1964) e, assim, suas respectivas violações contra os direitos humanos. E, ainda mais importante, fazer a inquirição do que resta da ditadura para entendermos os limites dos problemas que precisamos enfrentar enquanto embate político.
O objetivo deste texto é refletir numa agenda teórica e prática para ofício do historiador no ensino básico ao tratar das questões relativas aos Direitos Humanos. Inclusive, refletindo em primeiro plano, em perfazer historicamente o nascimento deste conceito, numa perspectiva instruída por Reinhart Koselleck, pois os conceitos têm História. Essa perspectiva tem o caráter de sairmos do problema apontado por François Hartog, o presentismo, ou seja, a predominância na história da humanidade, em que, o presente se sobrepõe ao passado ou o futuro. Então, não é pouco comum ouvir a máxima de que direitos humanos no Brasil relacionam-se aos direitos dos bandidos; uma instrução de um lado, dos amplos setores conservadores que dominam a imprensa; de outro, algumas vozes que falam em nome dos direitos humanos que se restringem a difundir a ideia dos direitos humanos num parâmetro estritamente punitivo. 
Num segundo plano, chamo a atenção do atarefado leitor, para as questões vinculadas a prática docente, ao qual, será possível pensar as ferramentas para promover debates ou fomentar trabalhos de pesquisas que ampliam as ideias sobre os Direitos Humanos. Faça nota ao uso de diversas linguagens e saberes com intuito de ampliar o olhar dos alunos quantos as questões referentes aos direitos humanos. 

Direitos Humanos: um debate necessário
Lynn Hunt argumentou em seu livro A invenção dos Direitos Humanos: uma história (2009), sobre outros pontos de contatos da temática dos Direitos Humanos. Penso que seja esse uma das perspectivas mais inovadoras, pois além de analisar os célebres documentos da Revolução Americana e da Revolução Françesa, Hunt toma outros tipos de documentos para diagnosticar quais elementos estaríam envoltos numa construção  de Direito do Homem. A historiadora anuncia logo na introdução da obra qual seria o seu argumento central no uso de fontes e documentos vinculados a essa temática:
Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tortura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política. Os novos tipos de leitura (e de visão e audição) criaram novas experiências individuais (empatia), que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos (os direitos humanos). 
(HUNT, Lynn. 2009, p.32.)

Então, a proposta desta historiadora é compreender em que sentido os livros insuflaram novos sentimentos e, por certo, novas ideias sobre os direitos. Todavia, ela adverte que no ofício da História, o uso de argumentos psicológicos é relatado de forma desdenhosa; seria, portanto, uma questão crítica a esta arbordagem, o denominado "reducionismo psicológico". Lynn Hunt rebate as críticas à sua opçaão, ao sugerir que os historiadores não admitem com a mesma veemência o "reducionismo sociológico ou cultural”.
Por isso, retornar ao que acontece nas mentes dos indivíduos, direciona a história para os novos sentimentos emergidos da leitura e das interações sociais. Ao ler romances epistolares como Júlia ou A nova Heloísa (1761) de Rousseau, os leitores reagiram apaixonadamente a narrativa. Essa seria uma das estratégias que Lynn Hunt sugere ao trabalhar a temática dos Direitos Humanos no período do século XVIII. Por isso, pensar na chave da sensibilidade estética que as obras literárias e ficcionais podem gerar na percepção dos alunos é um importante instrumento didático e de formação crítica. Utilizar obras literárias com intuito metodologico para pensar as bases dos Direitos Humanos, podem fundamentar uma prática de ensino de história interdisciplinar e suscetível a relevância da leitura minuciosa de romances, contos, poesias, memórias e crônicas.
Durante a década de 1930, período do romance social, o país obteve uma lavra de ótimas obras literárias importantes para compreensão histórica da ideia de Direitos Humanos. Amando Fontes, autor do premiado Os Corumbas em 1933, figurou as implicações da vida na cidade fabril nas primeiras décadas do século XX (LIMA, 2010). Fontes descortina imagens fortes e sensíveis da vida das populações pobres, fugidas das secas e dos trabalhos extenuantes nas usinas, agora rumo à cidade dominada pelo capital e de uma frenética modernização. Neste espaço, o conceito de direitos humanos é tratado de forma emblemática, pois sugerem as condições sociais de pobreza reianante no país na Primeira República; além disso, o romancista questiona as condições ideiais para o trabalho nas fábricas, pois era amplamente divulgado os problemas de saúde das mulheres que apresentavam doenças respiratórias resultante da falta de equipamento de proteção e, por certo, de treinamento adequado. Narrativas como essa, são instrumentos importantes para trabalhar a temática dos direitos humanos e de certo pensar as implicações na política; também abre espaço para compreensão de como entender o uso histórico de uma narrativa ficcional.
Daí a importância do ensino de história articular o uso da obra de arte como elemento de estudo. Mesmo no ensino básico, as possilidades se abrem ao trabalhar temáticas como a condição dos moradores de comunidades pobres, como o livro Cabeça de porco (2005), dos autores Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares. Ou mesmo, abordar documentários sobre problemas sociais e que tragam questões relativas as violações dos direitos humanos.

Considerações finais
O interesse no ensino de História pela temática dos direitos humanos parte da necessidade de formação para cidadania. Compreendo que fazer a leitura de obras literárias com o aporte metodológico da História e das demais disciplinas sejam um instrumento imprescindível para maior compreensão dos Direitos Humanos.

Referências bibliográficas
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 
LIMA, Cleverton Barros de. Imagens do povo: Política e literatura na obra de Amando Fontes. Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Unicamp/FAPESP, 2010.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Tradução de Andréa S. de Menezes, Bruna Breffart, Camila R. Moraes, Maria Cristina de A. Silva e Maria Helena Martins. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 


24 comentários:

  1. Oi professor Cleverton, quais livros ou artigos apropriados sobre a temática de Direitos Humanos recomendaria para que pudesse trabalhar com alunos de ensino fundamental de escola pública?
    Tomé Soares da Costa Neto

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    1. Acredito que uma das estratégias, seria utilizar questões estéticas em livros como Vidas secas, de Graciliano Ramos. Aí você exploraria um acervo de figurações da condição humana e das questões referentes a ausência do mínimo da aplicação dos Direitos Humanos em contraste aos textos clássicos. Seria interessante pensar nas adaptações ou quadrinhos para o ensino fundamental. Sucesso.

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  3. Boa tarde Cleverton, muito bom o texto, acho um debate extremamente necessário na atualidade. Gostaria de saber se você teria algum texto ou proposta didáticae metodológica para se trabalhar a temática na sala de aula do Ensino Médio.

    Ramon Bezerra de Souza.

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  4. No ensino médio acredito que você poderia utilizar fontes literárias como expliquei. Mas existem um número interessante de documentários que nos aproximam de problemas centrais referente a aplicação dos Direitos Humanos no Brasil. Lembro-me do documentário Bagatela, em que os autores exploraram como funciona a justiça no Brasil. Ao mesmo tempo, penso que seja urgente alargar o conceito fora do campo penal. Pensando assim, o funcionamento de uma Escola cidadã, quais requisitos, etc. Além disso, seria uma oportunidade de desconstruir a ideia de Direitos Humanos vinculados a vida de presidiários, tão recorrentes no senso comum. Daí, acredito que seria uma aproximação além disso a feitura de documentários curtos pelos alunos sobre os temas centrais dos Direitos humanos.

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  5. Debate de extrema necessidade nesses dias obscuros... Adolescentes, principalmente, precisam entender que os direitos humanos também incluem eles. Muito interessante buscar na literatura ou em filmes as violações dos direitos. Eu trabalhei com jornais, distribui artigos da declaração dos direitos humanos para os alunos e pedi que pesquisassem em jornais as violações.

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    1. A questão é urgente, pois parte dos alunos não compreendem princípios básicos dos Direitos Humanos. Na prática, seria oportuno pensar na condição do imigrantes (haitianos, bolivianos, etc), dos sem pátrias que buscam o Brasil como uma possibilidade de reconstrução de vida. Pensar inclusive, na ideia de "bandido bom, bandido morto", numa atmosfera de aumento exponencial do linchamentos e execuções de jovens nas periferias das cidades.

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  6. Debate de extrema necessidade nesses dias obscuros... Adolescentes, principalmente, precisam entender que os direitos humanos também incluem eles. Muito interessante buscar na literatura ou em filmes as violações dos direitos. Eu trabalhei com jornais, distribui artigos da declaração dos direitos humanos para os alunos e pedi que pesquisassem em jornais as violações.
    Roseane Cristina Mazurechen

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    1. Roseane Mazurechen, muito pertinente as estratégias pedagógicas que você utilizou. Acredito que essa formação crítica caminha com um acervo mais diversificado a respeito dos Direitos Humanos. Tratar de forma diversificada de interdisciplinar põe o debate num nível mais profundo. Obrigado pelas sugestões.

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  7. Bom texto e temática bem atual. Parabéns pela escolha.

    Att

    Cleberson Veira de Araújo

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    1. Obrigado, professor Cleberson para saudação. Acredito que na condição de historiadores precisamos recorrer ao máximo de fontes e documentos que possam gerar sensibilizar o aluno. Inclusive em contraste as violações aos Direitos Humanos, num país que vive um genocídio trágico de nossos jovens.

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  8. Trazes propostas provocativas para refletir a temática de DH, especialmente no que se relaciona ao debate em sala a fim de trazer para esfera pública, sem correr o risco de tornar o processo ahistórico. Diante de documentos como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, qual seria o diagnóstico da efetivação dessas pautas dentro da realidade escolar brasileira no que tange à adesão e participação dos docentes para atender essas demandas?

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    1. Prezado Gabriel de Souza, acredito que essa temática deveria fazer parte da pauta pedagógica com nossos jovens. Até porque, uma das ideias chaves dos Direitos Humanos seria descolar da visão penal, bastante desenvolvida no Brasil. Nesse sentido, ampliaremos o debate se realmente a ideia de escola cidadã promovesse de forma sistemática o ensino de DH. No geral, a formação não é para gerar essa amplitude crítica. Por exemplo, precisamos romper com esse silêncio da produção historiográfica nos livros didáticos quando se trata do DH. Não fazemos uma ponte com a ideia de cidadania ou mesmo de Estado Democrático de Direito. Daí acredito que as demandas ainda são de uma formação dos discentes mais atrelado as provas de ingresso nas Universidades e de afastamento crítico na formação dos professores de histórias de questões como essas.

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  9. Cleverson, além das leituras acerca de relatos de tortura que produzem efeitos para uma melhor compreensão sobre a questão dos direitos humanos, como poderíamos criar novas formas de compreensão desses direitos atualmente, considerando o ódio que a sociedade tem sentido em relação ao outro ou "ao seu próximo"?

    Andrea Cristina Marques

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    1. Olá Andrea Marques, a violência enquanto temática evidenciada nos debates a respeito dos Direitos Humanos deveria surgir de uma compreensão primeiramente no não matarás. Acredito que a ideia de anistia gerou uma naturalização da guerra de todos contra todos, numa acepção de Thomas Hobbes. Por vezes, ouço alunos replicando a ideia da vingança ou da violência como única ferramenta. Penso que voltamos a questão de Hannah Arendt: o quanto a violência é uma arma muda. Assim, eu penso que os alunos deveriam ser estimulados a desenvolverem a capacidade de diálogo (empatia), até mesmo para redução da violência nos espaços escolares.

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  10. Bom dia!
    Interessante a ideia de despertar a sensibilidade estética ao trabalhar com a temática dos direitos humanos. Isso requer uma abordagem interdisciplinar? Penso que sim, o que torna a ideia ainda mais interessante.

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  12. A proposta de trabalhar os direitos humanos é bastante interessante pois além de ser um tema com grande importância atual ele também aparece sendo violado diversas vezes durante a história. Como sensibilizar os alunos, se eles não se sentem afetados ? E como tirar a ideia de alguns que os direitos humanos protege algumas pessoas que eles julgam não precisar ?
    Caroline Zanetti Schork

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    1. Obrigado pela questão. Acredito que uma ideia básica seria contrastar a vida nas periferias das cidades e alguns dos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (uma meio seria o rap ou até mesmo obras como Cabeça de porco). O jovem está sendo educado a pensar com a ideia de violência na máxima do bandido bom, bandido morto. Seria importante expor a questão do período desse tipo de prática a democracia e ao Estado de Direito que defendemos. Daí a maior quantidade de recursos para inteira-lo que temos que contribuir para aplicação dos Direitos Humanos a sociedade numa acepção não punitiva. Vale literatura, quadrinhos, teatro,filmes...

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  14. Ola, Cleverton.
    Parabens pelo texto. Tenho muito interesse na tematica abordada e gostei das sugestoes do trabalho com literatura. Voce indicaria algum trabalho para alunos, do ensino fundamental, com dificuldades de leitura? Talvez algum filme? Gosto tambem da ideia de historia em quadrinhos. Voce indica algum em especifico?

    obrigada
    Carla Surcin

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    1. Obrigado pela questão. Penso que seria um meio de sensibilizar os alunos utilizar um filme como o Dia em que meus pais saíram de férias. Os alunos certamente se identificariam com o protagonista. A poesia nas letras de músicas de Chico Buarque ou Geraldo Vandré seria uma entrada gratificante. Ótima ideia essa dos quadrinhos.

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  15. Luiza Hooper Moretti7 de abril de 2017 às 12:46

    Oi, Cleverton! Acho um debate super importante e profícuo, esse! Eu trabalho com seminaristas, e eu gostaria de saber como você indica trabalhar o tema dos direitos humanos e a temática religiosa, principalmente naqueles momentos históricos em que a Igreja Católica apoiou perseguições e regimes que violavam esse Direitos? Eu já faço esse trabalho, dentro do possível, mas é sempre bom novas interpretações e ideias, pois é bem complicado quando meu interlocutor é, literalmente, aqueles que representam aquela instituição. Além disso, temas como direito LGBT e algumas pautas feministas fazem parte dos direitos humanos hoje, do direito a ser diferente e ser respeitado e tudo mais... como trabalhar esses temas com esse grupo religioso que, por vezes, está rodeado de elementos que vão na contramão dessas pautas? claro, sempre respeitando a fé desses alunos, para que não se sintam atacados e tudo mais.
    Obrigada e parabéns!
    Luiza Hooper Moretti

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    1. Tratar de Direitos Humanos tem implicações políticas por parte do historiador. Certamente, acredito que seja sensível abordar a relação entre fé e direitos humanos. Eu penso que seria um ato pensar nos momentos que a Igreja também se tornou importante, por exemplo, contra a repressão e a tortura no projeto Brasil nunca mais. Ao mesmo tempo seria oportuno pensar as inferências nas músicas da referência cristã, como em Cálice de Chico Buarque. Existe um acervo muito extenso para articular o campo religioso ao campo político.Obrigado pela questão.

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