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Caroline Tecchio

FOTOGRAFIAS EM LIVROS DIDÁTICOS: OS 18 DO FORTE DE COPACABANA
Caroline Tecchio
Dnt. História pela UNIOESTE

Ao abrimos um livro didático, antes mesmo de decodificar o texto, entramos em contato com a leitura de imagens. Fotografias, paisagens, desenhos, símbolos e pinturas são formas de apresentar o conteúdo por meio da linguagem visual. O estudo aqui proposto, embora se utilize de reflexões acerca de imagens como um todo, pensa  particularmente o uso de fotografias em livros didáticos para retratar a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, de 1922.  O processo de criação de símbolos permite que tenhamos uma carga de conhecimentos suficiente para assimilar, por exemplo, que uma fotografia de soldados em um campo de batalha estará associada a um texto escrito sobre enfrentamentos armados, sendo que o ângulo selecionado pelo fotógrafo produz significados.
Pensando na interação entre imagem e texto escrito, buscamos avaliar a utilização de imagens vinculadas ao ensino de história. Como recorte temáticooptamos por tratar de fotografias que acompanham o conteúdo da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana em dois livros didáticos: “Descobrindo a História: Brasil Independente”, de Sônia Maria Mozer e Vera Lúcia Pereira Telles Nunes e “História para o ensino médio: história geral e do Brasil”, de Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. Sobre esse material procedemos a analise do lugar da imagem no conteúdo – relação texto/imagem –, avaliando os elementos comuns e as diferenças entre o tratamento dado à imagem pelos autores.
Os livros didáticos acima mencionados permitem observar a maneira pela qual os autores dos textos utilizam a imagem enquanto recurso de ensino. A reflexão sobre esse tema se faz presente tendo em vista que é comum encontrar imagens apenas ilustrativas, ou enquanto um mero complemento do conteúdo escrito. Acreditamos ser necessário um olhar mais atento para o conteúdo do qual a própria imagem é carregada. A informação da imagem e do texto devem interagir, sem que o conteúdo de uma dessas linguagens se sobreponha ao outro, mas sim auxilie. Para Meneses (2004), as imagens não podem ser utilizadas apenas como recurso de “ilustração” de um texto, pois são um tipo específico de linguagem, que requer uma metodologia adequada de tratamento.
As discussões atuais sobre ensino permitem superar a idéia de imagem ilustração, aquela que apenas enfeita o texto ou se apresenta como um apêndice. A utilização de imagens como ilustração é um problema do trabalho historiográfico, e que se apresenta tanto em textos acadêmicos quanto em textos didáticos. Para superar essa dificuldade, quando trabalhamos com imagens na história temos que nos aproximar de outros campos, como a história da arte ou as artes plásticas, pois a história ainda não constituiu um campo epistemológico para o estudo da imagem. No entanto,  as imagens devem ser entendidas em sua materialidade, nesta esteira as imagens são objetos e não apenas significações ou representações.
Como a inserção mais efetiva de imagens como objeto de estudo é relativamente recente, observamos a  preocupação teórica em aprimorar o uso de imagens. No que diz respeito ao ensino, o importante é tomar a fotografia como fonte. Isso pode ser feito juntamente com o trabalho dos textos dos livros nos quais elas estão inseridas. Nesse sentido, temos as discussões de Saliba (2006), que mostra que é necessário uma gama de elementos, informações, textos para que se compreendam melhor a relação entre o texto e a imagem. Visto que "As imagens são estratégias para o conhecimento da realidade, mas não constituem sucedâneos para nenhum suporte escrito. Ao contrário do que se diz frequentemente a imagem não fala" (SALIBA, 2006, p. 123).
As imagens não são vistas e compreendidas da mesma maneira com que se procede a leitura de um texto. A operação mental que se executa para a compreensão leva em consideração outros aspectos. Ao professor cabe orientar os estudantes em direção à uma leitura dessas imagens, mas o texto precisa servir como um elemento cooperativo nessa leitura e análise. Do mesmo modo como se indagam as fontes ou documentos escritos, as imagens devem ser olhadas a partir de problemas e desconfiança.
A primeira fotografia a ser analisada encontra-se no livro “História para o ensino médio: história geral e do Brasil” de Vicentino e Dorigo, na página 491, e é seguida do comentário reproduzido no quadro abaixo:

A Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, foi a primeira das rebeliões tenentistas a abalar o domínio oligárquico. Na foto, marcha dos tenentes na avenida à beira-mar no Rio de Janeiro, à qual juntou-se um civil (centro).
Quanto à interação entre texto e imagem, Vicentino e Dorigo situam adequadamente essa fotografia. A imagem vem precedida do seguinte trecho: “Essa seria a primeira grande rebelião tenentista, que, mesmo fracassada, teve grande importância, pois tornou público o movimento, e alguns de seus líderes seriam transformados em verdadeiros heróis. (VICENTINO; DORIGO, 2001, p.491).” A fotografia está em harmonia com o tema tratado no texto escrito, no entanto, se observarmos detalhadamente, nos perguntamos quem é o civil que esta em um plano privilegiado da imagem? Seria a intenção do fotógrafo centralizar a imagem do civil? Qual a importância de sua adesão ao movimento? Em que meios a fotografia foi divulgada?
O civil que acompanhava a marcha dos 18 do Forte era Otávio Corrêa. Comentando essa mesma fotografia, Cápua (2001, p. 78) descreve que o tenente Siqueira Campos estava mais à frente do grupo e por isso não aparece. Observando os escritos de Cápua, conseguimos complementar algumas informações, bem como identificar quem eram os líderes posteriormente transformados em “verdadeiros heróis”. Podemos perceber que o livro didático não oferece subsídios suficientes para que se chegue à uma interpretação satisfatória das fontes. 
Do livro “Descobrindo a história: Brasil independente” observamos duas fotografias. A exemplo do texto produzido por Vicentino e Dorigo, as autoras Nunes e Mozer também inserem um texto condizente com a imagem. É interessante perceber que Nunes e Mozer primeiro inserem uma fotografia formal do Exército, possibilitando a leitura do meio em que saem os futuros tenentes. Apesar de parecer uma informação óbvia, consideramos importante trazer presente nos livros didáticos e oferecer recursos para que os alunos visualizem que as Revoltas Tenentistas partem do Exército, e que a partir do envolvimento dos tenentes em questões políticas, o Exército se divide entre legalistas e revolucionários, e paralelo a isso a população se envolve nos confrontos.
Abaixo temos uma imagem retratando a formalidade do Exército, e em seguida a outra fotografia do Levante do Forte.

Militares da Guarnição do Forte de Copacabana, Rio de Janeiro, 1922. Nesse ano, ocorreu a primeira revolta tenentista. Entre os oficiais sentados na primeira fila, o sexto da direita para a esquerda é o tenente Siqueira Campos, um dos líderes da revolta.



Os Tenentes rebeldes do Forte de Copacabana caminham pela Avenida Atlântica em direção ao centro da cidade. No caminho, junta-se a eles o engenheiro Otávio Correia, de chapéu e trajes civis no lado esquerdo da foto. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1922.

Novamente a presença do civil Otávio Corrêa é destacada. Notamos que a fotografia registra a mesma cena trazida no livro didático de Vicentino e Dorigo, mas captada de ângulos diferentes. Na primeira imagem o fotógrafo se encontrava de frente para “revoltosos”, ampliando o plano da imagem e dando a entender que talvez a marcha tivesse sido até mais grandiosa do que realmente foi (apenas 18 homens). Por sua vez, a segunda imagem é captada na lateral direita da marcha, dando justamente uma ideia contraria da primeira fotografia: poucos homens marchando acompanhados de um civil. Nesse jogo de posições, a mesma cena captada de duas maneiras distintas pode sugerir aos estudantes duas ideias diferenciadas do acontecimento aprisionado pela câmera fotográfica.
 Mas, se não temos um padrão para a leitura de imagens como para a leitura de textos escritos, necessitamos que o texto ultrapasse os limites da descrição e instigue os alunos a pensarem no que ela significa, tendo para si clareza de que a imagem é “construída”, tem sua intencionalidade e que trata-se também de “representação”, conforme evidencia Barbosa (2009, p. 107) "Somos tentados a tomar como verdade fatos e pessoas que se apresentam fotografados”.
Ao entrar em contato com fotografias, corremos o risco de tomar como verdade, e interpretarmos que as imagens analisadas acima, por exemplo, registram fielmente os acontecimentos que se passaram no Rio de Janeiro em 1922. No entanto, estamos visualizando apenas uma parte do que foi aquele movimento, bem como estamos tendo contato com uma representação a partir daquilo que o fotógrafo julgou melhor registrar, do ângulo por ele escolhido e da maneira como este achou melhor fazê-lo. As imagens, sejam fotografias ou pinturas, não tem o poder de nos revelar o passado, ou então de resgatá-lo, não podem nos mostrar como as coisas aconteceram. Elas nos ajudam a ter acesso a uma parcela desse passado, registrada a partir da intencionalidade de um terceiro. Cabe a nós, a partir da pesquisa, saber tratá-las como documentos que nos aproximam do passado, documentos que podem nos ajudar, e aos alunos, a construir nossa compreensão sobre a história.

Referências bibliográficas:
AGUIAR, Edinalva Padre; FONSECA, Selva Guimarães. Livro didático e ensino de história: aproximações e distanciamentos com o currículo oficial. In: FONSECA, Selva Guimarães. Currículo e ensino de história: entre o prescrito e o vivido. Vitória da conquista/BA, Brasil (1993/2000). Disponível em: <HTTP://www.bdtd.ufu.br>. Acesso em: 01 fev. de 2011.
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. História, historiadores e imagem: algumas notas introdutórias. In.: SEBRIAN, Raphael Nunes Nicoletti (Org). Leituras do Passado. Campinas, SP: Pontes Editores, 2009.
CÁPUA, Cláudio de. Revolução de 1924 e seus desdobramentos até 1930. São Paulo: Editor Ação, 2001.
KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n. 10, 1992, p.237-250.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Rumo a uma história visual. Texto inédito, 2004.
SALIBA, Elias Thomé. Experiências e representações sociais: reflexões sobre o uso e o consumo das imagens. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006.

Lista de fontes:
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História para ensino médio: história geral e do Brasil. Volume único. São Paulo: Scipione, 2001.

MOZER, Sônia Maria; NUNES, Vera L. P. T. Descobrindo a História: Brasil Independente. 1ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2002.

2 comentários:

  1. Olá Caroline,
    Muito interessante seu trabalho, especialmente no que tange à interpretação da imagem no livro didático. Achei bastante pertinente o diálogo que você estabeleceu entre as duas imagens, a frontal e a lateral, que contam duas histórias relativamente diversas uma da outra. Procurei na sua bibliografia os trabalhos de Boris Kossoy, você o conhece? Vou deixar alguns títulos com os quais eu trabalho.
    Fotografia e história (ISBN 8574806838)
    Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo (ISBN 857480682X).
    Com esse eu não trabalho, mas creio que possa ser útil à sua pesquisa:
    Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro (ISBN 8586707074).

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  2. Boa noite, Caroline
    Parabéns pelo texto, gosto bastante dessas discussões que trazem as imagens para o centro do debate historiográfico. A minha questão é: De que forma vc prosseguiu com a metodologia de análise da imagens? Baseada na iconografia/iconologia?

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