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Beatriz Francisca; Janailson Macedo; Naurinete Fernandes

O ENSINO DE HISTÓRIA E AS INTERFACES NACIONAL/LOCAL: SOCIALIZANDO SABERES SOBRE A CASA AZUL
Mr. Janailson Macêdo Luiz
UFCG
Beatriz Francisca de Lima
Dnt. Naurinete Fernandes Inácio Reis
Dnt. Geografia Humana - USP/UNIFESSPA


Introdução
Como está registrado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a Casa Azul, atual sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), localizada em Marabá-PA:
(...) foi um centro de prisão clandestino utilizado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como um Centro de Informações e Triagem (CIT). No local, estima-se que morreram, em decorrência de tortura ou por execução, mais de 30 guerrilheiros que faziam oposição ao regime militar e que atuavam na Guerrilha do Araguaia. Os principais alvos eram militantes do PCdoB e moradores locais acusados de apoiar a Guerrilha (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 793).
Este trabalho está vinculado ao Projeto de extensão Guerrilha do Araguaia e direito à Memória: Socialização de fontes históricas e informações sobre a Casa Azul, desenvolvido no âmbito da UNIFEESPA, e que procura produzir conhecimentos relacionados à Guerrilha do Araguaia e, principalmente, sobre a Casa Azul, para contribuir com a socialização das memórias relacionadas aos acontecimentos ocorridos durante a Ditadura Civil-Militar na Região do Araguaia-Tocantins: Norte de Goiás, Sudoeste do Maranhão e Sul e Sudeste do Pará.
Visa trabalhar o ensino de História local em suas conexões com a história nacional. Percebemos que em Marabá-PA, num contexto que não difere da realidade educacional de outros espaços da acima citada região do Araguaia-Tocantins, há uma grande lacuna nos temas relacionados com a historia local, especialmente quando tratam de questões que perpassam o tema da ditadura, tendo em vista os silenciamentos e as relações com o esquecimento que tal tema ainda provoca na região.
Consideramos, porém, que o silêncio e o esquecimento sobre o passado pode ser um suporte para outras discussões: o que os grupos sociais hegemônicos, como ocorreu com os militares entre 1964-1985, buscam apagar ou inserir da escrita da história? Quais as condições de possibilidade preparam o terreno para que certas questões sejam mantidas submersas, repassada apenas entre sussurros e interditos, ou possam ser trazidas à tona e colocadas abertamente sob análise da sociedade? Quem tem interesse quanto ao apagamento dos rastros sobre determinadas memórias?
Essas perguntas se tornam bastante pertinentes no que se refere a abordagem da Casa Azul no ensino de História no âmbito da educação básica, e de outras disciplinas como a Sociologia e a Geografia. Nesse sentido, o artigo visa discutir acerca de possibilidades de abordagem sobre a Casa Azul no Ensino de História, buscando constituir junto aos alunos uma visão mais ampla de seu lugar na sociedade, bem como, sua importância enquanto agente de sua própria História.

(Novos) recursos para o ensino da história local
Como destaca Barbosa (2006), abordar temas da História Local torna-se um importante meio de contribuir com a ampliação da consciência histórica por parte dos estudantes, contribuindo para a ampliação de sua inserção crítica junto aos espaços, agentes sociais e instituições a que está relacionado. Abordagem essa da História local que não se restringe apenas, a nosso ver, ao conhecimento histórico, podendo ser apropriada de forma interdisciplinar por intermédio de outras disciplinas relacionadas às Ciências Humanas, a outros saberes que formam o currículo escolar da educação básica e a espaços de educação não formal, como aos organizados pelas associações e movimentos sociais.
Para efetuar tais abordagens, como destaca Martins, os docentes devem assumir posicionamentos distintos da visão que coloca o livro didático como a única fonte de conhecimento e assumir-se enquanto professores/pesquisadores:
Os professores de História, para levar às salas de aula a História Regional e Local, terão que virar pesquisadores. Ensino e pesquisa, teoria e prática terão que ser definitivamente associados, respeitando-se, é claro, as situações concretas vividas pelos profissionais de História (MARTINS, 2009, 146).
A partir dessas compreensões propomos a apropriação, nas aulas de história (podendo ser abordado igualmente em disciplinas como Estudos Amazônicos e Geografia) a nível fundamental e nas disciplinas que compõe o campo das Ciências Humanas a nível do Ensino Médio, de fontes que tratam da Casa Azul, que podem ser utilizadas como recursos didático-pedagógico, em especial: publicações veiculadas pela mídia local ou nacional; relatórios, como o já citado relatório da CNV; trabalhos de campo; produções literárias; fotografias; e relatos orais de memória.
Cada recurso deve, evidentemente, ser trabalhado explicando-se as suas características como um gênero textual e como textos passíveis de serem apropriados como fontes históricas por parte dos historiadores e outros pesquisadores que se debruçarem sobre o tema. As especificidades próprias a produção de um artigo jornalístico ou a um relato oral de memória devem ser explicitados, contribuindo também com a ampliação da compreensão por parte dos estudantes quanto as atividades de pesquisa e quanto ao ofício de historiador.
Um dos textos sugeridos, a título de exemplo, trata de uma reportagem de 06 de julho de 1996, onde o jornal O Globo publicava que um Militar que participou da repressão às atividades dos militantes do PCdoB rompe o silêncio:
Em abril deste ano, Manuel Leal Lima, o Vanu, que trabalhou como guia e coveiro do Exército, e mais seis moradores da região localizaram para O GLOBO oito cemitérios clandestinos onde estariam enterrados os corpos de pelo menos 41 guerrilheiros que participaram dos combates em as Forças Armadas entre 1972 e 1975.
No quintal do DNER de Marabá [espaço da Casa Azul], por exemplo, estariam as ossadas de Demeval da Silva Pereira e Divino Ferreira de Souza; na Fazenda Bacabas, em São João do Araguaia, Lúcia Maria de Souza; na Fazenda Brasil Espanha, em São Domingos, Antônio de Pádua, Luis René da Silva e Maria Célia Correia; na Fazenda Vaca Preta, André Grabois (...).
Entre as inúmeras possibilidades de abordagem da referida reportagem está a conexão entre os vários locais utilizados à época para ocultação dos corpos dos guerrilheiros e a principal fonte de informação para chegar até eles, num contexto em que até o momento não foram abertos os arquivos dos militares, a saber, os relatos de memória dos sobreviventes da Guerrilha, entre camponeses, guerrilheiros e militares. Algumas dessas memórias são expressas no relatório da CNV, como a do camponês Abel Honorato expressa abaixo, e podem ser trabalhadas junto a uma atividade de pesquisa onde os estudantes entrevistem os seus pais e avós sobre o tema, buscando suas compreensões e memórias a respeito dele:
Disseram pra mim: ‘Você vai agora voltar e vai ter que dar conta dos seus companheiros’. Fui obrigado a trabalhar de guia até depois da guerra, sob os olhos de Curió [o Sebastião Alves (sic) [Rodrigues] de Moura. Até em Serra Pelada [garimpo dirigido por Curió na década de 1980], fiz missões para ele. Tem 40 anos dessa guerra, mas pra mim é um desgosto. Fui muito judiado, fui muito acabado. Até hoje eu não sou ninguém. [...] Eu tive de contar até o que não sabia para escapar. Eu tive que dizer, forçado, que fui um amigo do Oswaldão, mas hoje eu posso dizer, de verdade, que fui amigo dele, pois ele foi amigo da região, ajudou muita gente.
Também podem ser trabalhadas as conexões entre a Guerrilha e outros temas, como o garimpo em Serra Pelada, aludido acima pelo senhor Abel, e outros conflitos ocorridos na região do Araguaia Tocantins após o fim da Guerrilha. Um breve sobrevoo sobre o tema, porém, mesmo marcado pelo limite de extensão deste artigo, já apresenta como são possíveis inúmeras conexões entre o tema da casa Azul e outros relacionados a história local, amplamente conectados com a história nacional, a exemplo da relação entre a Guerrilha e Ditadura Civil-Militar.

Referências
BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História local: redescobrindo sentidos. Saeculum, [15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. p. 57-85.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Memória e história local. In: Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.
BRASIL. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Casa Azul. In: Relatório: Volume I. Brasília: CNV, 2014.
CORRÊA, Carlos Hugo Studart. A lei da selva: estratégias, imaginário e discurso dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Geração editorial, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leilão. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
MARTINS, Marcos Lobato. História Regional. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009.
MACÊDO, Janailson. Crônicas do Araguaia. Marabá: Edição do autor, 2015.
MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória. Revista do Núcleo de Estudos de Currículo do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ, 2012.
O GLOBO. 06 de junho de 1996, Matutina, O país, p. 10. Acervo digital do jornal O Globo.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista de estudos Históricos. Vol. 5, n. 10. Rio de Janeiro, 1992.

REIS, Naurinete Fernandes Inácio. Memória social e Guerrilha do Araguaia. 2013. 172 f. (Dissertação Mestrado em Sociologia)  — Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

3 comentários:

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  2. Primeiramente, parabéns às autoras pela proposta. Principalmente por tocar num ponto que a mim, enquanto professor de História nas séries finais do Ensino Fundamental, sempre causa certa preocupação. A partir disso, gostaria de perguntar às autoras como elas pensam a articulação de questões mais locais (como a Casa Azul) com temas mais amplos, que geralmente constam nos currículos escolares? Utilizaria-se a História local para articular quais temas do currículo? Em suma, como poderíamos potencializar os recursos locais para deixar nossa prática mais "próxima" e significativa aos nossos alunos?

    Lucimar Alberti

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    1. Olá Lucimar Alberti. Entre as possibilidades encontra-se a articulação com conteúdos mais próximos dos recortes temporais aludidos a nível local (por exemplo, no caso da Casa Azul relacionados a Ditadura, ou a Guerra Fria, por exemplo) ou de certos temas mais amplos (O apagamento de rastros por parte dos militares em relação as informações e corpos dos guerrilheiros e a construção de centros de tortura podem dialogar, com aproximações e distanciamentos, por exemplo, em discussões relativas a Segunda Guerra Mundial, aos campos de concentração, a "Solução final" etc). Também podem ser pensado o usos das fontes a nível local em abordagens interdisciplinares (uma discussão sobre direitos humanos, por exemplo) ou ainda em relação ao trabalho do historiador, apresentando como é constituído o trabalho com as fontes históricas. Enfim, as possibilidades são múltiplas. Um ponto a enfatizar em diversos casos poderá ser a relação local-nacional-global.

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