Páginas

Avelino Gambim; Jelly Juliane

SER CRIANÇA E A INFÂNCIA NO PASSADO AMERÍNDIO: COMO APRENDER COM AS DIFERENÇAS CULTURAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Mr. Avelino Gambim Junior
Mnt. Jelly Juliane Souza de Lima
Arqueologia do Museu Nacional/ UFRJ

Introdução
O tema sobre as crianças foi inaugurado no Brasil com a publicação do livro História das crianças no Brasil de Mary Del Priore (1991). Ao beber da chamada Nova História da década de 1980, os historiadores passam a dar atenção as vozes silenciadas como as das mulheres e crianças vítimas de preconceitos. Afinal, como as diferentes culturas lidam com essa questão e como essas podem ser apresentadas aos alunos na sala de aula e fora destas? A proposta deste estudo é trazer à tona, um tema mais delicado. Onde estão as crianças nos sítios arqueológicos? Quais são os indicativos da presença das mesmas? Assim como na História e Antropologia a Arqueologia passou a lidar com essa temática ao absorver tais discussões.
A criança/infância na foz do rio amazonas
Uma das formas de compreender o tema das crianças é a partir do registro arqueológico através das práticas funerárias, pois é desta forma que vamos encontra-las e compreender as variações culturais ao longo. Na região amazônica da Foz do Rio Amazonas, desde o século XIX, uma grande variabilidade nas práticas têm sido descritas. Pesquisas recentes feitas na capital Macapá, mostram como alguns sítios arqueológicos pré-coloniais podem contribuir com a temática da criança e da infância, conforme indica a figura 01.

Figura 01: À direita, sepultamentos do sítio Curiaú Mirim I. O círculo na cor vermelha demarca as deposições de sepultamentos de crianças. Fonte: Acervo IEPA.

As diferentes ontologias
É importante frisar que relatos etnohistóricos dos últimos 500 anos, mostram outras concepções de mundo e diferentes ontologias dos quais decorrem tais práticas culturais das sociedades indígenas amazônicas (CHAUMEIL, 2007; PY-DANIEL, 2015; ROSTAIN, 2011), mostrando uma longa duração e permanência de em alguns elementos das práticas funerárias encontradas na etnografia ameríndia, o que pode ser utilizada como uma boa fonte de inspiração para interpretar o registro arqueológico, além de contribuir com os estudos de História das crianças no Brasil.
Na etnologia ameríndia é constatado que para estas sociedades, principalmente amazônicas, o corpo é submetido a transformações conscientes durante todas as etapas da vida, onde a pessoa é submetida a transformações constantes ao longo da vida, como por exemplo, em ritos de passagem, desde o concebimento pelos pais até o nascimento, na amamentação, nas restrições e prescrições corporais, reclusões e exibições, até chegar a maioridade e assumir distintos papeis sociais de acordo com o gênero, amadurecimento, envelhecimento e na morte (SEEGER, DA MATTA, VIVEIROS DE CASTRO, 1979).
Dentro de um olhar “amazonificado”, ao falarmos da plasticidade do corpo e de sua materialidade, conforme expomos acima, podemos explorar formas de interpretar os restos humanos contextualizados, onde o corpo, a vida e a morte são elementos tangíveis que podem ser “lidos” no registro arqueológico (SOFAER, 2006, GAMBIM JUNIOR, 2016).
Voltando-nos ao campo da arqueologia, a ideia da construção do corpo ao longo da vida, as técnicas corporais aprendidas que moldam o corpo (MAUSS, 2005), e o próprio rito de passagem da vida para a morte manifestada nas práticas/gestos funerários estão intimamente ligados ao modo pelos quais diversas sociedades ameríndias enxergam a corporalidade.
Nesse sentido, ao se pensar essas categorias a mesma deve ir na contra mão dos nossos padrões ocidentais do que é ser criança, que enfatiza o desenvolvimento biológico e físico dentro do ciclo de vida, o que os torna, dentro de uma abordagem mais interpretativa invisíveis na arqueologia ou considerados como menos importantes (BAXTER, 2008). Porém, indo de encontro com as referidas etnografias ameríndias e mesma a noção de corporalidade ameríndia, podemos discutir sobre a infância dentro deste olhar “amazonificado” (GAMBIM JUNIOR, 2016).
Afinal como eram as crianças ameríndias no passado? O que é ser criança? O que significa a infância e quando a mesma acaba?
Considera-se a relevância desta pesquisa devido à escassez de estudos voltados às práticas funerárias na região amazônica, especialmente aquelas com enfoque justamente nos aspectos funerários voltados ao estudo dos remanescentes esqueléticos humanos de crianças e dada a escassez ainda maior de estudos sobre a infância, seja na História, Antropologia e na Arqueologia como um todo, onde se busca ainda hoje quebrar paradigmas e na arqueologia amazônica é uma oportunidade de discutir a infância à luz da etnologia amazônica ameríndia.

Considerações finais
As concepções sobre a infância destas sociedades antigas da Amazônia eram diametralmente opostas ao que conhecemos hoje em dia pelo menos para a sociedade ocidental judaico cristã. Desta forma os esqueletos humanos lidos como um tipo especial de cultura material, em conjunto com as cerâmicas funerárias e devidamente contextualizados, mostram como os mortos eram em vida e como os mesmos foram simbolizados pelos vivos, mostrando como bebês e crianças foram representados e pensados dentro de uma lógica onde a corporalidade e sua construção era muito presente no cotidiano dessas pessoas.

Referências bibliográficas
BAXTER, Jane E. The archaeology of childhood. Annual Review of Anthropology, v. 37, p. 159-175, 2008.
CHAUMEIL, Jean P. Bones, flutes, and the dead: memory and funerary treatments in Amazonia. Time and memory in indigenous Amazonia: Anthropological perspectives, p. 243-283, 2007.        
DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. Editora Contexto, 2001.
GAMBIM JUNIOR, Avelino. Corpo, vida e morte na Foz do rio Amazonas: as estruturas funerárias do sítio Curiaú Mirim I/AP. Dissertação (Mestrado em Arqueologia). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ. Rio de Janeiro, 2016.        
MAUSS, Marcel.  As técnicas corporais. In: Marcel Mauss: sociologia e antropologia.  Trad. Paulo Neves. São Paulo:  Cosac & Naify, 2003.  
PY-DANIEL, Anne Rapp. Os contextos funerários na arqueologia da calha do rio Amazonas,Tese de doutorado, USP, São Paulo, 2015.   
ROSTAIN, Stephen. La mort amérindienne en Amazonie. In Les Indiens des Petites Antilles: Des premiers peuplements aux débuts de la colonisation européenne, editado por Bernard Grunberg, pp. 221- 254. Cahiers d’histoire d'amérique coloniel. Numéro 5. L’Harmattan, Paris, 2011.
SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo.  A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras.  In: Oliveira Filho, JP Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Marco Zero. 1979. 

SOFAER, Joanna R. The Body as Material Culture: A Theoretical Osteoarchaeology. Cambridge University Press, New York. 2006.

11 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Considero o tema história da infância no Brasil bastante instigante, assim como o diálogo entre ensino de história e arqueologia. Desta forma gostaria de saber qual a importância da arqueologia e do conceito de cultura material para o ensino de história na educação básica, atualmente?

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo texto! Considero o tema história da infância no Brasil bastante instigante, assim como o diálogo entre ensino de história e arqueologia. Desta forma gostaria de saber qual a importância da arqueologia e do conceito de cultura material para o ensino de história na educação básica, atualmente?
    Cecília Maria Chaves Brito Bastos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Cecília,

      Muito interessante a sua pergunta,

      Penso que a arqueologia enquanto disciplina que lida com os seres humanos em sociedade tem um papel importante junto ao ensino de história sua disciplina irmã. Penso que a arqueologia pode observar a longa duração de práticas culturais através da materialidade das coisas e como elas são apropriadas e transformadas, isto é a cultura material é uma área de estudo da arqueologia por execelencia, mas a história, antropologia e filosofia também não só devem como também a discutem como uma fonte de discussão teórica e fonte documental. Desse modo a cultura material como é entendida por muitos arqueólogos é fundamental para o ensino da história na educação básica por permitir mostrar diferentes culturas e ensinar a conviver com as diferenças culturais.

      Excluir
  3. Olá autores,

    Como aproximar a arqueologia do cotidiano escolar, pensando as discussões que ultrapassem a mera curiosidade acerca dos procedimentos realizados por esses profissionais? (Talvez, sugestões de leituras).

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Maicon,

      Uma forma de aproximar a arqueologia do cotidiano escolar de forma que ultrapasse a mera curiosidade, é justamente o educador ou educadora usar de preferência fontes produzidas por arqueólogos seja em revistas científicas, TCCs, dissertações e teses. Fontes obtidas de jornais e revistas não científicas tem sido largamente utilizadas para a confecção inclusive de livros didáticos, e quando usam fontes especializadas elas são muito desatualizadas e às vezes com muitos equívocos, isso é ainda mais verdadeiro quando falamos da arqueologia produzida aqui no Brasil.
      Maicon, quanto às sugestões de leitura tens como especificar qual tipo de bibliografia que tens interesse?
      Penso que uma forma de expor a arqueologia aos alunos seria o uso de recursos didáticos próprios, desse modo posso recomendar um paper presente nesta mesma mesa (procure pelo nome Jelly e Cecília) que toca nesta questão, a arqueologia no ensino fundamental.

      Excluir
    2. Oi Avelino,

      Obrigado pela indicação.

      Maicon Roberto Poli de Aguiar.

      Excluir
  4. Olá Maicon,
    Penso que para aproximar o aluno desse universo ameríndio é necessário fazer um planejamento de aula que esteja relacionado com o cotidiano do aluno. Por exemplo, como se dão as variações da morte na sociedade? E nós arredores da minha cidade ou bairro? Por que falamos das crianças de outras épocas e não as relacionamos ao passado? Por isso, o texto busca chamar à atenção sobre a diversidade da infância ou ser criança no passado pré-colonial.
    Como sugestão de leitura para se pensar essa temática artigos e dissertações na área da antropologia dão conta do tema. Já na história tem um livro organizado por Mary Del Priore sobre a infância. Na arqueologia brasileira discussões sobre a infância e presença desse registro nos sítios arqueológicos é bem raro, principalmente quando se trata da Amazônia. O tema parace ser tabu. No cenário internacional existem vários livros e artigos na área da arqueologia que tratam sobre o tema com discussões mais amplas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Jelly,

      Obrigado pelas indicações.

      Maicon Roberto Poli de Aguiar.

      Excluir
  5. Arqueologia é um tema (quase) ausente das aulas de História. A inclusão do tema da infância nesse contexto é um desafio ainda maior para o professor. Parabéns pela pesquisa que pode abrir um espaço de discussão que ao menos vislumbre novos aspectos históricos das sociedades ameríndias.
    Marcos Lourenço de Amorim

    ResponderExcluir
  6. Boa noite! Para mim a arqueologia é muito interessante, um tema muito pouco trabalhado em sala de aula. Parabéns pela iniciativa! Foi realizado algum outro trabalho relacionado ao assunto?

    ResponderExcluir
  7. Oi Marcos,

    Obrigado, esta é apenas uma proposta inicial sobre o tema a ser aplicado para o ensino na história através da arqueologia e neste caso a infância discutida através das práticas funerárias que serve como uma maneira de mostrar as diferenças culturais.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.