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Ana Paula Bührer

ENSINO MULTICULTURAL: CULTURA JAPONESA EM SALA DE AULA
Ana Paula Bührer Gonçalves
UNESPAR/Campus União da Vitória
           
Este texto tem como objetivo discutir a importância de um ensino de história multicultural tendo como ponto de partida a experiência obtida em estágio realizado no CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos), no município de União da Vitória, estado do Paraná, tendo como temática a cultura japonesa.
O ensino multicultural tem como objetivo integrar diferentes culturas e diferentes grupos sociais, levando em conta tanto a cultura nacional quanto a cultura individual, já que os sujeitos que integram as sociedades serão influenciados e influenciarão aspectos culturais, adequando-se a sua própria maneira, como afirma Schmidt (2011), a cultura é um conjunto ou um produto da experiência humana e é através dela que a humanidade se manifesta como existência.
De acordo com Ramos (2007) o multiculturalismo desenvolve-se através da globalização que tem como forma de difusão as relações de poder e as interações culturais, essas relações e interações geram uma supremacia de uma cultura em detrimento da outra, com isso, a globalização presume a negação dx “outrx”, e essx “outrx” é aquele que resiste a essa supremacia cultural e é a partir dessa resistência que o multiculturalismo nasce, para que esse sujeito oprimido e marginalizado socialmente tenha voz, pensar de forma multicultural é pensar que todxs devem ser inseridxs de forma justa e igualitária. Assim, a autora afirma que o multiculturalismo é uma postura ética, sociopolítica que transforma a economia, a política, a cultura e gera a possibilidade de compreender a diversidade, reconstruindo as ordens sociais impostas partindo do ponto de vista dx oprimidx.
 Para Rüsen (2015) existe uma necessidade de humanismo para que possamos compreender que vivemos em um mundo globalizado, no qual existem as interações sociais e as relações de poder, mas que ainda assim as sociedades conseguem manter suas particularidades, das quais devem ser apreendidas e respeitadas. Sendo assim, o ensino deve integrar diferentes sociedades e diferentes grupos sociais, sejam eles, homossexuais, heterossexuais, mulheres, homens, cis ou trans, pobres, ricos, negros, indígenas e brancos.
Dessa forma, o ensino multicultural é pensar na pluralidade de culturas e sujeitos, na tentativa de reconstruir as estruturas sociais a partir da visão dx oprimidx, não apenas aqueles que possuem uma cultura diferente, mas também para xs estudantes que estão inseridos nesse meio, tanto como sujeitos que agem culturalmente como sujeitos que são oprimidos socialmente.
Fonseca e Silva (2007) declaram que o ensino multicultural é uma crítica ao sistema tradicional de ensino brasileira que exclui pessoas e que aprofunda as relações dos setores dominantes nas sociedades, o multiculturalismo rejeita a escola excludente defendendo o ensino para todxs, com isso busca criar um sentido, fazendo com que o ensino se torne algo que faça a diferença na vida daquele que aprende, criando possibilidades para o sujeito saiba como agir em relação às diferentes culturas, diferentes sujeitos sem levar em conta estereótipos marcados pelo preconceito, associando a vida prática com a instituição de ensino. E é a partir dessa teoria que o estágio foi realizado.
Os CEEBJAs ou EJAs são instituições de ensino que tem como objetivo atender jovens e adultos, que por diversos motivos, não concluíram a sua formação nas escolas regulares, com isso, xs estudantes da turma em questão possuíam a idade entre 15 e 18 anos. O tema, cultura japonesa, foi abordado de forma ampla, mostrando diferentes aspectos da cultura. Pensando em uma melhor forma de desenvolvê-lo, foi dividido em etapas: cultura pop (mangás, animes, filmes e jogos), mulheres na sociedade, honra e suicídio e por fim tatuagens com ênfase na máfia Yakuza, problematizando pontos positivos e negativos a cerca do Japão, aproximando esta com a cultura brasileira, para que xs alunxs pudessem perceber as diferenças e semelhanças entre elas. O objetivo em torno desse tema seria a formação de respeito à diversidade de culturas, sujeitos, vivências e realidades, buscando o debate sobre uma cultura que está distante, porém temos acesso a aspectos dela.
A escolha dessa divisão dá-se por conta da aproximação e comparação com a cultura brasileira. Através do tema cultura pop, por exemplo, buscou-se mostrar como o Japão faz uso desses meios de entretenimento para demonstrar aspectos de sua cultura geral em diferentes temporalidades, como por exemplo, lendas, vestuário, alimentação, relação com pós-guerra, comparando com a cultura brasileira, debatendo assim, o uso desses meios para refletir certas características das sociedades. Já no tema suicídio a discussão surgiu a partir da religião, já que no ocidental existe a recriminação do ato, e para os japoneses, por muito tempo, o suicídio era visto como algo honroso, principalmente no que se refere aos samurais.
Mas o tema que mais gerou debate foi em relação as tatuagens e a máfia. Primeiramente iniciamos a discussão sobre surgimento da tatuagem no Japão e como ela era usada pelos antigos como distinção e aceitação social. Para que xs estudantes compreendessem essa relação de permanência e aceitação, foi comparada a tatuagem com outras formas de simbologias corporais, como roupas, postura corporal forma de falar e de agir que nos distingue e nos aproximam de certos grupos sociais. Quando o assunto máfia veio à tona as discussões partiram para vários pontos interessantes. Analisamos um documentário que relatava as relações da Yakuza com a criminalidade e com as tatuagens. A Yakuza foi relacionada com a realidade dxs estudantes, ocorreu a comparação entre a violência praticada pela máfia com a violência que sofrem por parte de policiais. Alguns relataram que a violência praticada por policias era pelo fato dessas pessoas freqüentarem o EJA.
O histórico escolar dessxs alunxs que chegam ao EJA são envoltos a esse tipo de relação violenta. Parte dessxs estudantes que frequentam essa instituição não conseguem se “adequar” ao ensino regular causada por diversos fatores como: gravidez na adolescência, violência doméstica, reprovações, dentre outros motivos, e é pensando nesses sujeitos que os EJAs foram criados, atender aqueles que não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos, mas que agora estão tendo a oportunidade. A violência cometida muitas vezes é motivada justamente por esse histórico de abandono e pela relação que alguns e algumas possuem com as drogas.
Esse tipo relato nos faz pensar na necessidade de debatermos mais com nossxs alunxs as estruturas sociais, as relações de poder, as multiplicidades de sujeitos, e a importância de um ensino multicultural, já que, como dito anteriormente a cultura não é apenas nacional, é individual, é familiar,
E como debatido também, o ensino multicultural surge para inserir sujeitos, incluindo nossxs alunxs que por vezes têm seus saberes e vivências negados pelo sistema. Necessitamos de uma educação humana e plural.

Referências
RAMOS, Márcia Elisa Teté. O Ensino de História e a questão do multiculturalismo depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais. In: CERRI, Luiz Fernando (org.). Ensino de História e Educação: olhares em convergência. Ponta Grossa, UEPG, 2007.
RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Editora W. A. Curitiba, 2015.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A Cultura como Referência para Investigação sobre Consciência Histórica: Diálogos entre Paulo Freire e Jörn Rüsen. In: BARCA, Isabel (0rg.). Educação e consciência histórica na era da globalização. Braga: Centro de investigação em educação; Instituto de Educação; Universidade do Minho, 2011.

SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Tudo é História: o que ensinar no mundo multicultural? In: Ensinar História no Século XXI: em busca do tempo entendido. Papirus Editora – Campinas, São Paulo, 2007.

7 comentários:

  1. Felipe Adriano Alves de Oliveira3 de abril de 2017 às 08:05

    Excelente texto, poucos acadêmicos abordam sobre a cultura japonesa, sendo que faz parte da nossa cultura nacional devido a recepção desse grupo no processo imigratório, além, é claro, de outras nacionalidades. O foco no Japão é um desafio pois a cultura oriental é pouco conhecida para nós, presenciei isso quando fiz minha monografia sobre a cultura pop japonesa. Sobre o seu objetivo para com o ensino, você utiliza as manifestações culturais do Japão tentando utilizar elementos que se aproximem da nossa realidade ocidental brasileira, para que os alunos sintam-se inseridos e, ao mesmo tempo, se interessem pela cultura japonesa, correto?
    Felipe Adriano Alves de Oliveira

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  2. Glauber Paiva da Silva3 de abril de 2017 às 10:47

    Adorei o seu texto, de fato em nosso meio são poucas as pessoas que vi adentrar a temática envolvendo a cultura pop japonesa. Sabemos que crianças, jovens e até adultos estão a cada dia consumindo mais e mais aqui no Brasil os mangás japoneses que abordam inúmeras questões da própria cultura japonesa como também do imaginário do autor, sendo assim, em sua opinião como poderíamos fazer um dialogo em sala de aula com nossos alunos sobre os mangás que eles tanto gostam e a história?
    Glauber Paiva da Silva

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  3. Olá, Ana Paula. Antes de mais nada, parabéns pela coragem de trabalhar com a Cultura Japonesa, pois temos pouco abordado, não só o Japão, mas a Ásia como um todo, no que diz respeito aos conteúdos de História, tanto na graduação quanto nas escolas. Minha pergunta: Você acredita que os Animes e Mangás são recursos interessantes para se trabalhar o Ensino de História? Se sim, como extrair destes recursos conteúdos que sejam proveitosos para a disciplina, e qual mangá ou anime você indicaria?
    Renan Lourenço da Fonseca

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  4. Olá, Felipe, Glauber e Renan. Primeiramente gostaria de agradecer os comentários e que bom que gostaram do texto. Tentarei responder os três nesse mesmo comentário, já que as perguntas são relacionadas aos mangás, animes e a cultura pop japonesa. O uso das manifestações culturais são uma tentativa de mostrar axs alunxs como, em certa medida, nós ocidentais temos acesso aos aspectos dessa cultura. O uso dos animes e mangás, por exemplo, refletem inúmeras características, desde vestuário, lendas, imaginário, religião, alimentação e até mesmo a interação com outras culturas, principalmente a norte americana. Animes/mangás interessantes para trabalhar esses aspectos em sala de aula são: InuYasha, que trata de duas temporalidades distintas (passado e presente) que evocam os vestuários típicos, além de trazer lendas japonesas. Outra indicação é Hakuoki, que faz uso de personagens reais (esquadrão de samurais chamado Shinsengumi) e mescla com a ficção. Naruto, que é bem recente e muito popular em comparação aos outros dois, faz uso de lendas e mitologia japonesa, utilizando nomes de deuses e deusas em personagens. Dragon Ball e todas as continuações é outra ideia que também trata de lendas. Outro produto cultural que pode ser utilizado, para além de animes e mangás, é o filme Godzilla de 1954 (diretor Ishiro Honda), que trata do pós-II guerra e o imaginário japonês em relação às bombas nucleares. É um filme muito interessante de se analisar. Espero ter respondido as questões.
    Ana Paula Bührer Gonçalves

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  5. Primeiramente, gostaria de parabenizar pelo texto e pela iniciativa de trabalhar um tema pouco explorado aqui no Brasil. É notório como muitas pessoas, de diferentes idades, são interessadas na cultura japonesa, seja por jogos, animes, filmes, por buscas pessoais já que são assuntos pouco trabalhados nas escolas. Gostaria de saber, com base na sua experiência, sua opiniao sobre os conteúdos trabalhados atualmente nas escolas estaduais, por exemplo, há espaço para trabalhos multidisciplinares no ensino médio? De que forma a tecnologia (no sentido de sair um pouco dos livros didáticos) pode ser trabalhada com os alunos no ensino de história? Os alunos são preparados para a inclusão de diferentes culturas? Muito obrigada.
    Emily Lourenço Pinheiro

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    1. Olá Emily, obrigada. Sim, existe espaço e existe necessidade de pesquisas multidisciplinares no ensino. Relacionar a História com outras disciplinas como geografia ou antropologia são muito válidas, a atividade que realizei em relação às tatuagens pode se encaixar, para além da História, com a antropologia também, a multidisciplinaridade amplia a nossa maneira de ensinar e de aprender. A tecnologia pode ser utilizada de várias formas, por exemplo, elaboração de jogos, utilização de músicas ou vídeos para serem analisados que contribuam com a aprendizagem e que tenham relações com o tema proposto, mas é importante pensar em outras atividades que sejam mais acessíveis, já que, como bem sabemos, não é toda escola que tem uma televisão ou computadores que possam ser usados em sala. E sim, constatei pela própria experiência que xs alunxs estão preparadxs para a inclusão da diversidade cultural, ainda mais quando notam que essa cultura não está tão distante das suas realidades como pensavam.
      Ana Paula Bührer Gonçalves.

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