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Ana Carla; Márcia Coêlho; Wilverson Rodrigo

PRECONCEITO RACIAL NO COTIDIANO ESCOLAR: DESMITIFICAR PARA COMBATER
Ana Carla Matos de Oliveira
Márcia Coêlho Nogueira
Wilverson Rodrigo S. de Melo
UFOPA

Introdução
 No Brasil o racismo foi encoberto por muito tempo em virtude de sua homogeneidade racial, sobre a qual propaga-se o discurso de uma possível situação de equidade entre negros e brancos. Esse ideário reforça o mito da “democracia racial” e nega as reais condições sociais as quais os afrodescendentes são submetidos, inclusive constrói barreiras que dificultam a afirmação de sua identidade.
A diversidade étnica que caracteriza a população brasileira não impede que certos grupos sejam discriminados socialmente. Os processos da escravidão ainda estão enraizados em nossa sociedade, fazendo com que a população negra seja marcada pela exclusão, discriminação, dominação e exploração por grupos que se consideram de uma etnia superior. Cria-se uma relação de explorados e exploradores.
Práticas educativas que ressaltem a real história do povo africano devem se tornar corriqueiras na sala de aulas e não somente em eventos comemorativos. Faz-se necessário desfazer a visão errônea de que os negros são descendentes de escravos, pois do contrário ocorre uma naturalização da história do negro relacionada somente à escravidão, ressaltando a superioridade da raça branca.
A metodologia desta produção é de caráter crítico-informativa, com levantamento bibliográfico através de artigos, periódicos e anais. Estas pesquisas nos possibilitaram um embasamento teórico para fundamentar reflexões acerca do preconceito racial no ambiente escolar e vislumbrar práticas assertivas que as escolas deveriam trabalhar para combater ou amenizar este fenômeno, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento das contribuições que o povo africano proporcionou para o enriquecimento cultural de nosso país.

As práticas pedagógicas como um elemento formador da identidade de um indivíduo
As primeiras relações sociais são vivenciadas no convívio familiar, mas é na escola que as ampliamos em virtude da grande diversidade de grupos que convivem neste espaço, portanto é de fundamental importância para a construção da identidade de um indivíduo. “Infelizmente, é também um dos lugares em que o preconceito e a discriminação são também desenvolvidos e alimentados, pois reflete os processos sociais da sociedade em que o indivíduo está inserido” (FERREIRA; CARMARGO, 2011, p.378).
Diante disso, os educadores se defrontam com o desafio de incorporar de forma contextualizada e consistentes práticas que promovam o respeito e a tolerância, num país multicultural e desigual, através da articulação do processo de ensino-aprendizagem entre as diversas áreas do conhecimento, a fim de promover o fortalecimento de bases sólidas que constituirão em mudanças sociais necessárias para uma sociedade mais justa equânime. (ZEBRAL, 2012, p.5)
As conquistas obtidas pelos afrodescendentes são frutos de reivindicações constantes. Um exemplo a ser citado foi à promulgação da Lei 10.639/2003 que garantiu a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira no sistema educacional brasileiro. A partir desta lei as escolas devem promover ações que evidenciem a diversidade étnico-racial em busca de uma mudança de mentalidade e práticas que anulem qualquer ato preconceituoso, pois a lei em si não garante a eliminação do preconceito, é preciso atuar na formação do indivíduo.
Uma das grandes dificuldades vivenciadas pelos docentes é a questão de como incluir este tema em suas aulas de forma interdisciplinar. Diante desta problemática a escola deve fornecer subsídios a esses profissionais através da formação continuada, pois discutir tal temática,
[...] requer estratégias pedagógicas, mudança nos discursos, posturas, formas de tratar as pessoas, reconhecimento dos processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade, desconstrução do mito da democracia racial e envolvimento de todos na construção de um projeto de escola, de educação voltada para um trabalho coletivo de articulação entre os processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais. (ZEBRAL, 2012, p.13)
Ao adentrar uma sala de aula, o professor traz consigo seus valores, portanto durante a abordagem de qualquer conteúdo, suas falas sempre serão impregnadas de conceitos pessoais. Então para se discutir o preconceito racial na escola, é preciso fornecer subsídios teóricos a esses profissionais a fim de promover uma mudança de postura e de ideias.  
O primeiro desafio para uma educação antirracista deve ser iniciado na 1ª etapa da vida escolar, a Educação Infantil. É nessa fase que a criança inicia a construção de sua identidade, portanto, se uma criança negra sofre algum tipo de discriminação pode carregar isso para o resto de sua vida como um trauma, inclusive pode levá-la a negar suas raízes.
Desta forma, assim como a família, o professor também tem o papel de conhecer a real história do povo africano, dissociando-o da escravidão, para incentivar a criança negra a se reconhecer como negro e despertar nela um sentimento de pertencimento à sua cultura. É preciso ter orgulho de ser negro.
Portanto, as salas de aula de Educação Infantil devem ser de fato um ambiente prazeroso, onde são oferecidos estudos, trabalhados e todos os tipos de materiais para que, através da observação, comparação, classificação e reflexão, os estudantes possam descobrir a importância da cultura, das manifestações artísticas, das crenças, rituais afro-brasileiras, procurando se apropriar delas, e assim, construir conhecimentos históricos importantes para a própria luta social já nas séries iniciais, percebe-se que esta fase da escolaridade é fundamental para se dar início a valorização dos valores humanos. (DUDA; COSTA, 2010, p.8)
O docente precisa criar um ambiente propício de aprendizagem, para que a criança aprenda a conviver em grupo e a respeitar a diversidade que a cerca, pois à medida que conhecemos vamos construindo conceitos e valores que irão nortear nossas ações perante a sociedade. 
É comum nas salas de aulas os docentes cometerem erros ao abordarem a cultura negra, tais como: contar a história do negro a partir da escravidão, criar estereótipos referente ao continente africano ligando-o à miséria, animais selvagens e doenças, tratar a questão do racismo como um fenômeno exclusivo da disciplina História e não como um tema interdisciplinar.
Essas práticas pedagógicas depreciam a história do povo negro e precisam ser substituídas por metodologias mais assertivas. É importante abordar a história da África antes da escravidão, ressaltando suas contribuições para enriquecimento cultural de nosso país. Além disso, devem-se enfatizar as “personalidades” que contribuíram nas lutas pelo reconhecimento dos direitos dos negros em busca de uma sociedade mais justa e acima de tudo reconhecer que o racismo é um fenômeno que ocorre dentro do ambiente escolar, portanto precisa de ações efetivas para combatê-lo.

Considerações finais
Ao longo da história, os negros sempre lutaram para que o direito de igualdade fosse posto em prática e com todas as transformações do mundo em virtude da globalização, certo espaço foi conquistado, porém, ainda vivenciamos cotidianamente ações racistas nos mais variados ambientes.
Algumas políticas públicas implantadas proporcionaram uma ligeira redução nos índices de desigualdades sociais, das quais podemos destacar a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial criada pela Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº 10.678 e consequentemente o sistema de cotas raciais para ingresso nas universidades.
Segundo Ferreira & Camargo, 2011, p. 388, “a educação formal deve enfatizar nossas raízes e a história do processo de formação do povo brasileiro nos currículos, além de preparar os professores para poder enfrentar as situações de discriminação, comuns nas relações entre alunos e professores”.
Portanto, manifestações discriminatórias no âmbito do espaço escolar provocam agressões tanto físico como simbólica e traz como consequência a desvalorização das características individuais. É fundamental que a escola resgate a autoestima e a autoconfiança da criança negra através de práticas pedagógicas que visem reafirmar sua identidade cultural e neguem veementemente a busca por um modelo socialmente ideal, aceito por todos.

Referências
DUDA, Manoelle N. Fernandes; COSTA, Rita de Cássia F. da. Relações Raciais e Educação Infantil: um estudo de caso sobre o preconceito na Escola Municipal Dr. Emerson Tenório. In: EPEAL - Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e responsabilidade social da UFAL, 5, 2010, Alagoas. Anais eletrônicos Alagoas: UFAL, 2010. Disponível em http://dmd2.webfactional.com/media/anais/RELACOES-RACIAIS-E-EDUCACAO-INFANTIL-UM-ESTUDO-DE-CASO-SOBRE-O-PRECONCEITO-NA-ESCOLA- MUNICIPAL -DR.pdf>. Acessado em 05 de janeiro de 2017.
FERREIRA, Ricardo Frankllin e CAMARGO, Amilton Carlos. As relações cotidianas e a construção da identidade negra. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília/DF, vol. 31, n.2, 2011, p.374-389.
ZEBRAL, Deliane Fernandes. Rompendo barreiras do preconceito racial no ambiente escolar. Universidade Federal de Ouro Preto, 2012.


24 comentários:

  1. Boa noite autores

    Meu nome é Fábio Liberato de Faria TAvares. Queria parabenizá-los pelo artigo e queria colocar também a questão do Egito Antigo que na grande maioria das vezes é tratada de forma eurocêntrica, como se eles constituíssem uma população branca, quando Heródoto já indicava o contrário. Gostaria de saber se vocês tem algum trabalho sobre a temática para indicar a sua utilização nas aulas de História.

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  2. Como a colonização brasileira propiciou a existência do preconceito e do racismo no brasil?Ivanilde Freire Costa A. Ribeiro

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  3. Qual a importância de se educar as crianças desde pequenas em relação a sua identidade cultural ? Adenilson dos Santos

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    1. É importante para que elas próprias aceitem suas diferenças e respeitem as peculiaridades dos seus descendentes. Tal atitude propícia mais segurança para que ela se relacionar em sociedade se respeitando em primeiro lugar e fazendo com que o outro respeite também. Ter orgulho da sua identidade é umas das principais "ferramentas" na luta contra qualquer ato preconceito.

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    2. Olá Adenilson.
      É nessa fase que o indivíduo está mais disponível as aprendizagens conforme o modelo de ser humano que lhe é apresentado. Então desenvolver na criança a capacidade de ser e estar com o outro é fundamental para que ela se torne um indivíduo integrado a um grupo capaz de respeitar as diferenças. Márcia Coêlho Nogueira.

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  4. Olá, queria primeiramente parabenizá-los pelo artigo e também perguntar quais projetos já foram aplicados e, bem sucedidos na tentativa de proporcionar uma educação livre de preconceitos e vícios na educação infantil no Brasil. Grato desde já.
    Lucas Mota

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  5. Concordo que a educação é muito importante na luta contra o preconceito, mas o que fazer quando os próprios pais não se aceitam negros e passam isso para os filhos? Exemplo: numa escola infantil com mais de quinhentos alunos, somente cinco pais ao fazerem a matrícula declararam seus filhos como negros, o que não condiz com a realidade. Como falar com a criança que ela é negra e isso não a diminui em nada, se os pais falam o contrário. O que e como fazer?
    Ana Maria da Costa

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  6. Gostaria de saber dos autores do texto quais as principais dificuldades enfrentadas pelos educadores no que concerne o combate ao preconceito dentro da sala de aula?


    Att. Aline Cândida de Araújo.

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    1. Olá, acredito que a dificuldade é a ausência de capacitação adequada. Essa ausência influencia na omissão de alguns professores diante de situações de preconceito na sala de aula,e tomadas de atitudes que interferem no desenvolvimento de crianças e adolescentes que que sofrem qualquer ação preconceituosa.

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  7. Olá.
    Bom dia!
    A priori gostaria de parabenizá-las pelo artigo. O texto faz uma abordagem maravilhosa sobre o racismo, e tendo o professor como principal agente no combate a discriminação racial. Muito se falou sobre qualificação desse profissional, a necessidade de materiais didáticos que versem sobre a cultura negra, mas me reporto às questões familiares. O que a escola pode fazer para que os pais, também, tenham esse conhecimento que é repassado pelo professor em sala de aula? JOSÉ FLÁBIO DOS SANTOS

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    1. Olá José Flábio!
      O caminho é fortalecer o vínculo entre a família e a escola. Umas das possibilidades é a inclusão no calendário escolar de eventos que propicie a participação da família, como por exemplo, exposições bimestrais das atividades produzidas pelos alunos em sala de aula.
      Por: Márcia Coêlho Nogueira

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  8. Boa noite, a Lei 10639/2003 determina que os conteúdos sobre História da África e da Cultura Afro-brasileira devem ser abordados em sala de aula em todos os níveis de ensino das redes privada e pública de todo País. Vocês falaram que, "Uma das grandes dificuldades vivenciadas pelos docentes é a questão de como incluir este tema em suas salas de aula de forma interdisciplinar". Como vocês acham que essas dificuldades dos docentes podem ser superadas?
    FLORACI ONORATO DE JESUS

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    1. Olá Floraci!
      Em qualquer área, o profissional necessita se capacitar para atender as novas demandas que vão surgindo no exercício de sua profissão e com o docente não é diferente, portanto os cursos de Formação Continuada devem ser uma constante na vida de quem deseja atuar na área da educação.
      Por: Márcia Coêlho Nogueira.

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  9. Boa noite! Sou estudante do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual de Goiás-UEG. Aqui no Brasil o preconceito contra os negros, assim como em outras partes do mundo, sempre foi aberto e explicito, enquanto que em alguns países como os Estados Unidos por exemplo ele é mascarado, não é claro como ocorre aqui, e isso tem muito de influencia histórica claro. Na opinião de vocês como o professor pode trabalhar essa questão em sala de aula, tendo em vista que mesmo na África o preconceito contra o negro também existe e é muito forte, gerando inclusive guerras? Glaucia da Silva Costa

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  10. Como deveria ser a abordagem do professor em turmas com alunos do ensino fundamental ou médio que ainda não tiveram contato com as disciplinas de Historia da Africa e Cultura nas séries iniciais?
    att larissa fernanda

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  11. Olá, o tema foi muito bem abordado, gostaria de saber como podemos desmistificar uma cultura que ao longo dos anos foi enraizada e petrificada na sociedade?
    Geanice Pinheiro dos Santos.

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  12. Olá, o tema foi muito bem abordado, gostaria de saber como podemos desmistificar uma cultura que ao longo dos anos foi enraizada e petrificada na sociedade?
    Geanice Pinheiro dos Santos.

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  13. Parabéns pelo artigo, muito pertinente. Concordo que é imprescindível o trabalho na escola dentro da perspectiva apresentada no texto.

    Quais, porém, são os cuidados a serem tomados, na minha condição de pessoa "branca", ao tentar levar esse tipo de consciência à pessoa negra que não se percebe negra e/ou não tem noção do valor da sua cultura e/ou nega, por exemplo, a existência de racismo em nossa sociedade? Falo justamente por não ter a dimensão exata da discriminação sofrida pelas negras.

    Rafael Trento Viccari

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  14. Quais as alternativas metodológicas para se realizar um ensino de história voltado para a temática afro-brasileira?

    Att. Taynnan Robert de Oliveira Barros

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  15. Quais as principais dificuldades encontradas pelo professor nas escolas públicas e municipais quando se pretende trabalhar com a temática afro-brasileira na sala de aula?

    Att. Taynnan Robert de Oliveira Barros

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  16. Como o professor pode ser o mediador entre escola e comunidade possibilitando um diálogo entre ambas as partes com o intuito de combater o racismo na nossa sociedade?

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  17. Como o professor pode ser o mediador entre escola e comunidade possibilitando um diálogo entre ambas as partes com o intuito de combater o racismo na nossa sociedade?

    Att. Taynnan Robert de Oliveira Barros

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  18. Gelsi Elisabete Moresco7 de abril de 2017 às 19:35

    Oi

    A multiplicidade de valores e costumes que deparamos ao entrar em uma sala reflete a diversidade da sociedade brasileira. Neste sentido, como conceber os anos iniciais ao racismo e ao preconceito? Seria a educação escolar a ancora para minimizar o racismo ou também é papel dos pais nesse condicionante?

    Gelsi Elisabete Moresco

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  19. Boa noite! Hoje a escola ao mesmo tempo que é local de aprendizado , pode ser tornar um ambiente com grande fator de descriminação, já que temos ali crianças com formação social diferente. Como o educador pode ajudar nessa superação do preconceito?
    Claudia Abreu Eiras

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