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Ádila; Diego; Eliza

DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA MUNICIPAL JOSINEIDE TAVARES (MARABÁ-PA)
Diego Armando dos Santos Mota
Eliza Correa Santos
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará


Introdução
Há 14 anos o ensino de história da África tornou-se obrigatório no currículo escolar. Porém, nesse período, pouco se avançou no debate interdisciplinar em sala de aula, deixando a história, muitas vezes, como a única ou principal disciplina encarregada de discutir a história e a cultura afro-brasileira na escola.
Boa parte dessa dificuldade está na formação dos professores, que vem se mostrando, ainda incipiente no que se refere a esta temática. De acordo com as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico– Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”:
(...) Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas (...)”
Esse relato de experiência fruto do projeto de pesquisa intitulado Programa de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica – PAPIM 2016, coordenado pelo Prof. Me. Janailson Macêdo Luiz (UNIFESSPA), que teve como principal objetivo apresentar ações, estratégias metodológicas voltados para a abordagem das relações étnico-raciais no âmbito da educação básica. Além de fazer um debate entre a história e a geografia dentro da temática das relações étnico-raciais.
A escola de ensino fundamental Josineide Tavares, localizada no bairro Liberdade no município de Marabá no Pará foi uma das escolas trabalhadas pelo projeto. Pudemos desenvolver atividades junto as turmas de 6° ao 8° ano nas aulas de Geografia do professor Diego Armando dos Santos Mota, um dos autores do presente artigo, durante os 11 meses de aplicação do projeto. Para além da sala de aula, momentos de discussões e debates eram realizados todas as quintas-feiras na sala do N’umbuntu na Unifesspa com o professor coordenador do projeto, discentes de graduação e outros professores da educação básica. Essas atividades de estudos possibilitaram a organização e discussão do planejamento das ações a serem desenvolvidas em sala de aula com alunos, também eram debatidos textos, filmes e trocas de experiências entre os componentes do grupo.

Metodologia
Durante as primeiras aulas de geografia acompanhadas, na turma de 6° ano, o professor regente procurou fazer uma abordagem relacionando as teorias da criação do universo, como o big-bang, com a visão Iorubá de origem africana, sobre a criação do mundo. Tal método além de apresentar e ampliar aos alunos as diversas possibilidades de um início do universo, mostrou também a cosmovisão de religiões de matriz africana, contribuindo para os conhecimentos acerca da cultura afro-brasileira.
Em outros momentos, com turmas de 7° ano, optou-se por fazer uma abordagem mais comparativa, trabalhando a geografia física do continente africano e do Brasil, fazendo um comparativo em relação aos biomas, as florestas, os rios, o que aproxima e o que afasta o nosso país de alguns países da África. Pôde-se perceber a grande participação e curiosidade por parte dos alunos no que tange o método comparativo naquilo que muitas vezes os faziam pensar ser o Brasil quando na verdade era um país do continente africano.
Uma das ferramentas para se abordar a cultura afro-brasileira de maneira didática foi a apropriação das mídias sociais, como forma de pesquisa e disseminação do que se é trabalhado em aula. Alunos nessa faixa etária estão o tempo todo conectados, já que pertencem a uma geração onde tudo pode ser encontrado de maneira rápida e resumida, num simples clique, o que dificulta trabalhar com textos mais densos e detalhados.
Nesse sentido, a constante atualização do professor se faz necessária para buscar métodos práticos e que instigam o interesse dos estudantes. Uma outra forma didática de se trabalhar é utilizando jogos e aplicativos eletrônicos, como o jogo Feitiço de Exú, como proposto por Ribeiro (2015).
No debate das relações étnico-raciais, com enfoque na geografia, faz-se necessário um diálogo entre a realidade do aluno e a temática trabalhada. Por exemplo, trabalhar a história do bairro, bairro esse de maioria negra que se localiza numa zona periférica da cidade, relacionando com uma questão mais ampla como a geopolítica espacial. Ou a vinda de africanos escravizados para o Brasil e suas lutas ao longo dos anos. É importante que o professor sempre se atente para fugir dos estereótipos, a imagem do negro apenas como o escravizado acorrentado ou a imagem da África como país de miséria e doenças. Aliado a isso é de extrema importância a formação continuada de professores, a busca por atualizar-se e utilizar de métodos que contribuam para a diminuição das desigualdades e do preconceito a partir da sala de aula.
Segundo Munanga (2005, p. 15) na apresentação do livro “Superando o racismo na escola”: Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial, compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã.

Resultados
Após os primeiros momentos de debate sobre o tema em sala de aula, o professor junto aos alunos procurou desenvolver jogos de tabuleiro com a temática voltada a mitologia ioruba como produto final das discussões trabalhadas ao longo da disciplina. O mais interessante foi perceber o envolvimento de toda a turma na confecção do jogo, e com isso colocar em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula.
O material foi produzido por eles, desde a narrativa, o cenário e os personagens ao percurso utilizado pelo jogador. Alguns limites foram encontrados no desenvolver dessa atividade como os materiais e ferramentas de impressão, tendo que ser adquiridos a partir de recursos particulares do professor Diego, a falta de espaço adequado para a produção dos jogos foi outro fator que prejudicou o andamento da atividade.
A mesma atividade foi aplicada as turmas de 7° ano, um dos materiais didáticos e metodológicos desenvolvidos pelos alunos em sala de aula foi a criação e montagem desses jogos educativos com temática voltada aos assuntos trabalhados em sala, como a história da África, a Geografia física do continente e de seus países, vegetação, entre outros. Jogo da memória, caça-palavras, jogo de tabuleiro e de cartas são alguns exemplos do material desenvolvido pelos estudantes. Cerca de 100 alunos, entre turmas de 6º ao 9º ano foram envolvidos no projeto durante os dez meses de atividades. Os materiais e jogos produzidos ficaram à disposição da escola, na sala da biblioteca, podendo ser utilizados pelas demais turmas em outros momentos, seja durante uma discussão com temática voltada ao continente africano, seja em momentos de interação entre os alunos. O livro é um suplemento didático no que se refere ao ensino de história da África e cultura afro-brasileira

Considerações finais
Diante dos resultados observados, podemos inferir acerca da importância do ensino da cultura africana e afro-brasileira de forma interdisciplinar em sala de aula, não só na manutenção da memória e identidade étnico-racial, mas também na luta contra a discriminação e o preconceito, além de assegurar o cumprimento da Lei 10.639/2003, ressaltando a preservação, reflexão e debates acerca da memória e identidade do povo brasileiro. Vale ressaltar a importância de um diálogo com todo o corpo escolar nas práticas educativas realizadas nas escolas. Apesar de alguns entraves, o projeto foi alcançando o resultado esperado, ampliando o debate acerca do tema, bem como desenvolver metodologias e materiais didáticos que sirvam como subsídios para os professores do ensino básico, promovendo também a reflexão e valorização do estudo e ensino da história dá África e cultura afro-brasileira.

Referências
BRASIL. Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003. DOU de 10/01/2003.
BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2).
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 1999.

RIBEIRO, Cristhyane. Cayres, Victor; BRITO, Jailson de Brito; Souza, Tatiane Silva. Histórias da Criação - Resgate, Preservação e Disseminação da Cultura Afro-Brasileira através de Jogos Eletrônicos. XIV SBGames,Teresina-PI, nov. 2015.

14 comentários:

  1. E uma ótima maneira de explorar a "magia" afro descendente não só na visão de exploração de recursos naturais e de escravos mais também valorizar a sua cultura seus costumes, e pra isso tem que passar por uma distribuição pelas disciplinas que muitas das vezes são influenciadas pelas características Africana dando mais conhecimento aos educandos, e dessa maneira contribuir para um pais menos preconceituoso e racista.

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    1. Concordo com você Rogério,e foi um excelente momento para quebrar preconceitos e paradigmas dessa meninada na escola.

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    2. Realmente, Rogério, trabalhar essa temática com alunos da educação básica é outro ponto também interessante, nessa faixa etária eles estão formando suas personalidades, opiniões e identidade, problematizar essas questões se faz ainda mais pertinente no âmbito escolar.
      Ádila Vital

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  2. Me surpreendi com o artigo, pelo título imaginei uma discussão e no entanto foi outra inesperada. Fiquei intrigada com a relação de história e geografia, residi no PR por muitos anos e agora resido aqui no RN, e a briga entre professores de história e geografia é grande em relação a sua disciplina e ao conteúdo, bem como em relação a distribuição de aulas, pois geralmente ministram as 2 disciplinas independente da formação. Com relação a estas novas mudanças no ensino médio vocês acreditam que as disciplinas terão uma tendencia a unificação?
    Juliana Chervinski

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    1. Boa noite. Creio que não ocorrerá a unificação das duas somente, mas com o passar do tempo dos conteúdos relativos as "ciências humanas e suas tecnologias". Ao menos, é a tendência a partir do MEC vem organizando os documentos oficiais, já há alguns anos. Enquanto orientador do projeto, percebi que apesar dos desafios para as aproximações entre a geografia e a história, podem ser muito frutíferos os resultados de tais aproximações.

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  3. Olá, sou professora de História e Geografia e achei muito interessante o seu trabalho sobre o ensino da África nas escolas. Concordo com a colocação feita no trabalho sobre o despreparo de muitos professores para trabalhar com o tema. Infelizmente, muitos professores ainda resistem, alegando que não há como fazer uma abordagem da História da África em suas disciplinas. Saliento que , quando o governo torna algo obrigatório deveria disponibilizar cursos de formação para os professores. Mas isso não acontece, sendo que em algumas escolas ainda não há possibilidades de desenvolver um trabalho satisfatório por falta de recursos didáticos, sendo assim muitos professores trabalham com a imagem estereotipada do negro a invés de trabalhar a importância desse povo para a nossa sociedade. Sendo assim, o trabalho realizado por muitos professores, os quais apresentam os negros de maneira estereotipada não contribui ainda mais para a descriminação entre os alunos? Sendo que o negro é apresentado como sendo um ser inferior aos demais?

    Inês Valéria Antoczecen

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    1. Olá Inês. Eu fiz um artigo discutindo como o negro é mostrado nos livros didáticos de Geografia e ainda vemos o negro nas imagens e nos textos como subalternos e escravos, passa a idéia de que todos os povos do continente africano foram feitos para serem escravos do resto do mundo, sobretudo da Europa. Agora Inês, eu acredito que caberia um esforço nosso para nós buscarmos acabar com esses estigmas e nos informarmos e nos reformamos. Desde já agradeço a pergunta

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  4. Olá, sou professora de História e Geografia e achei muito interessante o seu trabalho sobre o ensino da África nas escolas. Concordo com a colocação feita no trabalho sobre o despreparo de muitos professores para trabalhar com o tema. Infelizmente, muitos professores ainda resistem, alegando que não há como fazer uma abordagem da História da África em suas disciplinas. Saliento que , quando o governo torna algo obrigatório deveria disponibilizar cursos de formação para os professores. Mas isso não acontece, sendo que em algumas escolas ainda não há possibilidades de desenvolver um trabalho satisfatório por falta de recursos didáticos, sendo assim muitos professores trabalham com a imagem estereotipada do negro a invés de trabalhar a importância desse povo para a nossa sociedade. Sendo assim, o trabalho realizado por muitos professores, os quais apresentam os negros de maneira estereotipada não contribui ainda mais para a descriminação entre os alunos? Sendo que o negro é apresentado como sendo um ser inferior aos demais?

    Inês Valéria Antoczecen

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  5. Bom dia!
    Parabéns pelo trabalho.
    Realizamos algo muito semelhante em uma escola aqui em Mato Grosso, percebemos o interesse e desenvolvimento das turmas envolvidas.
    Mas o que dificulta em algumas situações é a organização e parceria com a equipe escolar. Mas vale destacar que conseguimos atingir os nossos objetivos assim como vocês.
    Vocês tiveram a oportunidade de perceber como a comunidade reagiu a esse trabalho?
    Att
    Adriane Cristine Silva

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    1. Boa noite! Sou orientador do projeto. Com relação a abordagem envolvendo as cosmovisões africanas e sua relação com outras formas de abordar a origem do universo, por exemplo, um dos pais dos alunos, participanete de cultos afro, participou ao Prof. Diego que justamente havia relatado ao filho explicações semelhantes quanto a trabalhada em sala sobre a origem do mundo. No caso em questão, foi interessante a identificação por parte do pai e por parte do estudante, entre os conteúdos trabalhados na escola e os saberes que eles constituíam em outros espaços. No geral, o projeto como um todo foi bem aceito pelos estudantes, oriundos de um bairro periférico de Marabá. Nesse ano, estamos dando continuidade aos trabalhos, com novos desafios, incluindo uma maior interação com os outros professores da escola.

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  6. Parabéns pela iniciativa. Acredito que o caminho para que ocorra uma aprendizagem significativa e mais útil as vivências extra classe, consiste no diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento. Dentro do texto você coloca que ainda existe muitas dificuldades por parte dos professores para implantação dessas novas metodologias e que talvez isso se deva ao fator formação, por isso gostaria de saber como foi o processo de "convencimento" para engajar todos ou a a maioria dos professores nesse projeto?

    Maria Janiele Matias Gonçalves

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    1. Olá Maria. Esse processo de "convencimento" ainda está em curso. Ainda são poucos os docentes da escola que estão envolvidos com o projeto, em virtude também de não constar na cultura escolar daquele estabelecimento a realização de outros projetos vinculados as questões étnico-raciais. Existem ainda muitas resistências, sobretudo nos poucos momentos abertos para a formação continuada. Apesar disso, para o ano de 2016, ampliou-se o interesse por parte de mais professores nas áreas de história e artes. Penso, enquanto orientador, que deverá ser uma construção lenta e contínua, a ser ampliada, segundo pretendemos, no ano de 2017.

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  7. Percebemos que a história e a Geografia tem algumas abordagens que podem complementar, por isso é muito importante a experiência que você menciona.

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    1. Sem dúvida. Essa complementação se torna ainda mais importante frente as ameaças que as duas disciplinas vem enfrentando na atualidade frente ao novo ensino médio e proposta da BNC.

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