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Elaine Cristine; Luciano Pereira

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA CAMPO-GRANDENSE POR MEIO DO MUSEU JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA
Elaine Cristine Luz Santos de Moura
Luciano Pereira de Souza Júnior
UFMS
  
Os pioneiros
Partindo do pressuposto que o Estado é o agente de modernização, e que isso significa que ele é propulsor de uma nova ordem social (ORTIZ, 1988), é essencial o estudo sobre a construção da identidade que é construída como forma de legitimar a capital sul-mato-grossense. Assim, torna-se fundamental uma abordagem para contextualizar a imigração à região do sul do Mato Grosso, com o intuito de compreender a construção da identidade por meio do Museu José Antônio Pereira (MJAP).
Segundo Barros (2010), a intensificação migratória na região do Centro-oeste, descreve que após a Guerra da Tríplice Aliança contra do Paraguai surgiram histórias sobre terras devolutas e sobre a existência de gados nessa região, acarretando assim a motivação da Família Pereira a realizar a mudança da cidade de Monte Alegre, localizada em Minas Gerais, para o Sul de Mato Grosso.
Assim, em 1872, o mineiro José Antônio Pereira encontrou nesta região um poconeano chamado João Nepomuceno e algumas famílias camapuanas fixadas ao redor do córrego Prosa, onde cultivavam suas roças (GARCIA apud WEINGARTNER, 1995). Posteriormente, José Pereira ergueu um rancho nesse local conhecido como Serra de Maracaju.
No ano seguinte, José Antônio regressou a Minas Gerais com a intenção de buscar seus familiares, deixando João Nepomuceno, para ser o guardião de seu rancho, prometendo-lhe o pagamento após o seu retorno (BARROS, 2010). Dessa maneira, percebe-se que José Antônio Pereira e sua família não eram os primeiros residentes de Campo Grande, contrapondo a afirmação de seu trineto Eurípedes Barsanulfo Pereira:
Fica evidente, a par dos escritos destes eminentes historiadores, que estes sítios da então Província de Mato Grosso, ao tempo da chegada de José Antônio Pereira, era solo de ninguém, área devoluta e sem habitantes. Constituída de excelentes terras para o cultivo e vastas campinas para a criação, guardou as suas potencialidades para serem feridas, à hora aprazada, pelas mãos daquele mineiro idealista, e transformadas em leiras fecundas, que acabaram brindando seus primeiros cultivadores, com produções de ótima qualidade (PEREIRA, 2001, p. 21).
Além disso, Barros (2010) descreve que após três anos, surge a migração de outro mineiro chamado Manuel Vieira de Souza, com a companhia de alguns familiares e escravos. João Nepomuceno, sem esperanças do retorno de José Antônio Pereira, negociou a transferência de terra, porém ressaltando o acordo que tinha feito com o antigo proprietário. Contudo, após alguns meses, José Antônio Pereira retorna com seus familiares.
Aos 14 de agosto de 1875, chega finalmente ao local de destino. José Antônio não encontra o zelador que ali deixara, mas sim, a família de Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), mineiro de Prata (antigo povoado de Nossa Senhora do Monte do Carmo, do Distrito da Farinha Podre) que igualmente fora atraído para estas plagas, pelas notícias da Vacaria, e que estava no local há cerca de dois meses. É recebido cordialmente, com a intenção manifesta de Manoel Olivério, de devolver-lhe a propriedade. José Antônio Pereira, idealista e cordato, propõe-lhe parceria nas atividades a desenvolver (MACIEL, s.d.).
Após acordado, as duas famílias uniram-se e construíram o arraial de Santo Antônio de Campo Grande. Unidas, dedicaram-se a construção de mais ranchos denominando posteriormente como arraial de Santo Antônio de Campo Grande (BARROS, 2010).
Observa-se que já haviam residentes nessas terras, e que José Antônio Pereira “apontado” como desbravador de Campo Grande é uma figura remanescente de uma construção identitária com o intuito de legitimar a sua fundação do Arraial de Santo Antônio do Campo Grande.
Como foi possível observar, a história da fundação de Campo Grande é contemplada por uma historiografia constituída por obras de cronistas e memorialistas, em defesa da identidade e do passado, verificando-se que há uma escassez de pesquisas acadêmicas sobre essa temática. O trabalho de cronistas e memorialistas é importante porque muitas vezes eles se utilizaram de documentos que não podem mais ser recuperados. Tais escritos concentram seus objetos em datas, como por exemplo, a inauguração da cidade e os feitos de políticos que, de acordo com seu entendimento, marcam o pioneirismo na região, sem demonstrar as lutas e conflitos.
Todavia, considera-se que essas produções resgatam a história de um lugar, de um povo e de uma sociedade, mesmo sem o engajamento de um referencial teórico-metodológico. (ALVES, 2001). Partindo dessa perspectiva, ao se lançar mão desses escritos, entende-se que a fonte deve ser questionada e relativizada com cautela e entendimento, pois não são neutros, buscando desnaturalizar as ações daqueles que ficam eternizados como pioneiros.

O museu José Antônio Pereira
A antiga Fazenda Bálsamo, localizada na Avenida Guaicuru S/N, foi doada em 1966, por Carlinda Contar, filha de Antônio Luiz Pereira, tornando-se o MJAP. Segundo Mitidiero (2009), “o museu mantém a estrutura arquitetônica, explanando a visitação pública a história regional através dos mediadores e do acervo”, e concomitantemente o MJAP tende a corroborar para a construção do imaginário campo-grandense sendo construído em 1873 e tombado como Patrimônio Histórico e Cultural em 1983.
Observa-se na figura a seguir o MJPA após a restauração realizada, em 1999. A partir de então, considerado patrimônio histórico e cultural de Campo Grande, tornando-se um espaço voltado para educação, arte e lazer.
Figura 1 – Museu José Antônio Pereira, em destaque escultura de Antônio Luiz Pereira, com a esposa Anna Luiza e filha Carlinda (1999).
Fonte: Acervo do MJAP
Por meio da exposição do mobiliário “pertencente à família”, o museu pretende promovendo um resgate ao cotidiano doméstico, além dos equipamentos de trabalho, que demonstram a vivência no século XIX.
[...] a questão da identidade permanece. Não mais nutrida pelo impulso inicial de encontrar a essência cultural do estado, de formular uma tradição, mas por novos parâmetros impostos pela conjuntura global, em que as fronteiras culturais tornaram-se mais elásticas e permeáveis às influências do outro (BANDUCCI JUNIOR, 2009, p. 1).
Dessa maneira, observa-se que o MJAP propõe-se a demonstrar a história da Família Pereira, partindo do pressuposto de que eles foram os pioneiros de Campo Grande, e apresentar por meio dos artefatos e de sua arquitetura como era a vivência no final do século XIX.
Segundo Ortiz (1988), na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da “ideologia da cultura brasileira”, variando ao longo dos anos e de acordo com os interesses políticos dos grupos que a elaboram. Concomitantemente, entende-se que o museu pode ser ressignificado pela população como lugar de lazer e realização de projetos socioculturais e pelos mediadores culturais ao desconstruírem essa versão histórica. Partindo do pressuposto de que “As identidades espaciais são fabricações humanas, não estão inscritas na natureza, como algumas abordagens naturalistas parecem indicar. Além do que não há elemento que componha um dado território que não possua historicidade” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2008, p. 63).
Assim sendo, percebe-se que a sociedade sofre de uma forte miopia cultural (SCHWARZ, 1994), sem notar a construção de uma identidade que pode ser observada nos museus, monumentos, pinturas, hinos, bandeiras, além de diversas construções que limitam fronteiras, criam oposições e legitimam territórios.

Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. Receitas Regionais: a noção de região como um ingrediente da historiografia brasileira ou o regionalismo como modo de preparo historiográfico. XIII Encontro de História da Associação Nacional de História. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em <http://encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/durval.pdf> Acesso em julho de 2016.
ALVES, Gilberto Luiz. Nacional e Regional na História Educacional Brasileira: uma análise sob a ótica dos Estados Mato-grossenses. In: SBHE. Educação no Brasil: História e Historiografia. Campinas: Autores Associados
BANDUCCI JUNIOR, A. Tradição e ideologia: a construção da identidade em Mato Grosso do Sul. IN: MENEGAZZO, M. A. Travessias e limites: escritos sobre identidade e o regional. Campo Grande, MS, Editora da UFMS, 2009.
BARROS, V. M. Atlas Campo Grande: Geográfico e Histórico. Campo Grande, MS. Ed. Oeste. 2010.
FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA. Plano de trabalho da Fundação Municipal de Cultura. Campo Grande, MS, 2006.
GARCIA, D. S. Identidade Cultural e Imagem Turística Projetada da Cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Tese (doutorado em Geografia). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2013. Disponível em <http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30030/R%20-%20T%20-%20DANIELA%20SOTTILI%20GARCIA.pdf?sequence=1> Acesso em julho de 2016
MACIEL, M.L. Bodas de ouro de Anna Luiza e Antônio Luiz (04/03/1928). Fazenda Bálsamo. Campo Grande, MS. Disponível em <http://www.campograndems.net/fazbal/> Acesso em julho de 2016
MITIDIERO, M. B. O Museu José Antônio Pereira no ensino da história: patrimônio, identidade e desenvolvimento local no contexto da territorialidade. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local) -UCDB. Campo Grande, MS, 2009.
ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo, Editora Brasiliense, 1988.
PEREIRA, E. B. História da fundação de Campo Grande. Campo Grande, MS, Editora da UFMS, 2001.
RAMOS, F.R.L. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Chapecó: Argos, 2004
SCHWARZ, L. M. Complexo de Zé Carioca: Notas sobre uma identidade mestiça e malandra, 1994.


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