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ENSINO DE HISTÓRIA E AS RELAÇÕES CULTURAIS NA REGIÃO DE FRONTEIRA, POR MEIO DOS CURRÍCULOS ESCOLARES
Daniela Carine Machado Dohs
Mnt. Educação UNIPAMPA/Campus Jaguarão


Introdução
No presente trabalho, apresento a importância do ensino de história no currículo escolar, em seu contexto fronteiriço, na região entre o Brasil e o Uruguai, sendo que este, é permeado por diferentes formas ou representações que o termo cultura manifesta em nossa sociedade.
Tudo o que acontece e rege a vida do homem é cultural, não existe prática humana que não seja cultural e segundo Veiga-Neto (2003), a cultura atual pode ser vista como algo central na vida das pessoas, não porque ocupa uma posição de destaque, mas porque abrange tudo o que ocorre em nossas vidas.
Para Eagleton (2005), a cultura é o conhecimento implícito do mundo pelo qual as pessoas negociam maneiras apropriadas de agir em contextos específicos. Tudo o que a pessoa viveu, compartilhou ou absorveu de suas vivências se transformará em cultura. E, no caso da educação, esta cultura estará representada no currículo escolar, no ensino da história, na forma como a educação acontecerá, a forma de um professor conduzir seu trabalho, os valores, as referências que considera importante, a cultura e os aprendizados dos educandos.
As relações expressas no currículo escolar estão carregadas de manifestações culturais, e com elas, relações de poder e dominação; como a classificação entre a cultura erudita e a cultura popular, que agrega valores e importâncias a cada uma delas, o que gera uma relação de poder de certas culturas sobre outras. Ou seja, qualquer conhecimento está diretamente relacionado com relações de poder e dominação e este conhecimento precisa ser revisto nos currículos escolares da Região de Fronteira, para que assim, possa agregar os conhecimentos populares com os eruditos.
Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, utiliza o método qualitativo, que segundo Bogdan e Biklen (1994), este, respeita os saberes populares e aproxima o ambiente escolar, com o objeto de estudo.

Currículo escolar na região de fronteira
O currículo escolar, historicamente construído, não valoriza a história pessoal de cada um, suas experiências e conhecimentos pessoais, mas generaliza todos os educandos e classifica-os como homogêneos, sendo que esta não deveria ser a perspectiva da educação escolar, mas sim, um espaço de acolhimento e valorização das diferentes culturas, reconhecendo os indivíduos como seres pertencentes a uma mesma nação, porém, com trajetórias singulares.
Segundo Veiga-Neto (2003), nas últimas décadas, a diferença cultural vem tornando-se cada vez mais visível em nossas relações pessoais, profissionais e assim também no currículo escolar,
Assim, algumas sociedades utilizam-se das relações culturais para exercer algum tipo de domínio sobre outros povos, sendo que as relações de poder são capazes de oportunizar mudanças estruturais nas organizações e na educação estabelecida. Da mesma forma que a pedagogia organiza a vida dentro do espaço escolar, e com ele também carrega suas relações de poder e valorização de culturas consideradas aquém ou além do conveniente, esta, constrói o poder para incluir ou excluir conteúdo e modificar o currículo.
Nesta perspectiva, a educação na Região de Fronteira faz-se necessária, em que perscrutar e repensar o ensino de história, de forma que privilegie esta cultura intrínseca na região de divisa entre os países do Brasil e do Uruguai, torne-se uma realidade a ser incluída no planejamento e currículo escolar. Em que os costumes, culinária, vestimentas, tradições e tantas outras expressões e diversificações culturais, estejam presentes no cotidiano escolar, não apenas de forma superficial, mas de forma efetiva e contínua.
Ao se estudar a Região de Fronteira, compreende-se a essência de um modo de vida cercado por uma mistura cultural e histórica. Tal essência é representada pelos habitantes do lugar. Esses por sua vez, formam laços de amizade, inimizade ou de parentesco entre os dois países vizinhos, que ultrapassa a demarcação oficial estabelecida pelos estados fronteiriços.
Esta ligação está tão enraizada na cultura local, que muitos dos moradores destas regiões não se veem como cidadãos de uma Região de Fronteira, não conhecem a sua história, não percebem as diferenças culturais e não refletem sobre elas, pois já estão habituados.
A legislação brasileira (Lei de Fronteira, nº 6.634 / 79), define como Região de Fronteira a faixa de território que corresponde a 150 km (cento e cinquenta quilômetros) para além dos limites internacionais com quaisquer países.
A Região de Fronteira compreendida entre estes dois países configura-se como uma fronteira seca, ou seja, onde não existe um rio, lago, ou oceano separando, apenas uma delimitação simbólica de que ali acaba um país e começa o outro. A circulação das pessoas por entre estas Fronteiras ocorre de forma desimpedida, sem controle beligerante. Esta boa relação entre os países vizinhos, é que deve ser destacada e valorizada no fazer pedagógico, primando por uma educação que evidencie a boa convivência e o respeito entre as diferentes culturas dos países e das pessoas.
Segundo Raffestin (1993), a Fronteira é uma linha imaginária que, quando efetivada, se torna ideológica e carrega consigo relações de poder e integração entre os sujeitos. E, por estarmos inseridos em uma Região de Fronteira, nossa cultura, costumes e tradições se interligam e pulverizam umas nas outras, gerando assim, uma cultura única, com características e peculiaridades próprias.
A proximidade entre estes dois países faz com que eles não compartilhem somente o território geográfico, mas toda a construção cultural e histórica fronteiriça, como a língua, a culinária, os costumes, a vestimenta, entre outras caraterísticas próprias da região que foram recriadas ao longo dos anos.
Por ser uma região de movimentação de pessoas, que carregam consigo uma bagagem cultural, a educação tem importante papel nesta região com o objetivo de amenizar as possíveis diferenças ou adversidades culturais. Assim, o currículo escolar deve destacar, trabalhar e valorizar a diversidade cultural dos educandos, ressaltando as diversas culturas que uma Região de Fronteira apresenta e fazendo com que os habitantes do lugar se identifiquem como cidadãos fronteiriços.
Segundo Santomé (2002), para a real construção de uma sociedade crítica, em que seja valorizado o aluno e sua cultura, é necessário repensar a educação atual, juntamente com uma reformulação das práticas inclusivas. Na condução destas novas práticas, é necessário ultrapassar os conteúdos escolares e trabalhar os conteúdos culturais, objetivando assim, trazer à sala de aula todos os grupos sociais e dar voz e notoriedade às vozes ausentes, reconstruindo o currículo escolar, assim, “O currículo é, pois, uma atividade produtiva nesses dois sentidos. Ambos os sentidos tendem a destacar o aspecto político do currículo. Ambos os sentidos chamam a atenção para seus vínculos com relações de poder” (SILVA, 2002, pág. 194).
Devemos mudar o discurso, de forma a torná-lo mais inclusivo, partindo do cotidiano e das vivências dos educandos, para assim, alcançar uma aprendizagem significativa, pois, uma das missões-chave do sistema educacional é a de “contribuir para que os alunos e alunas possam reconstruir a cultura que essa sociedade considera mais indispensável para poderem ser cidadãos e cidadãs ativos/as, solidários/as, críticos/as e democráticos/as” (VEIGA-NETO, 2002, p. 165).
Em busca de uma educação inclusiva, em que as diversas culturas são trabalhadas e considerando os conhecimentos dos educandos, o planejamento pedagógico deve ultrapassar o conteúdo escolar, perpassando pelos conteúdos culturais.

Considerações finais
Após a discussão da importância em se repensar os currículos escolares na especificidade da Região de Fronteira, agregando as características e peculiaridades da cultura local, compreende-se que esta nova proposta curricular não pode ficar restrita às unidades didáticas isoladas e descontextualizadas, é preciso uma reflexão diária e permanente do fazer pedagógico, a fim de incluir e não excluir, de agregar e não de separar.
Questionar as verdades impostas pelo currículo se faz necessário, uma vez que ele seleciona grupos que serão trabalhados e deveria abranger as diferentes culturas, não apenas aquelas ditas como eruditas ou da classe dominante da sociedade.
No currículo da Região de Fronteira, cabe a nós, professores de história trabalharmos em sala de aula estas diferenças culturais, linguísticas, geográficas e históricas, ressaltando as relações que os dois países mantêm, utilizando-a não apenas de maneira isolada, como também de forma interdisciplinar e colaborativa, de modo que o aluno possa perceber-se como parte integrante e importante desta região.

Referências
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução às terias e aos métodos. Portugal: Porto Ed, 1994.
BRASIL. Lei n° 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei n° 1.135, de 3 de dezembro de 1970 e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6634.htm. Acesso em: 11 dez. 2015.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2005.
FIORIN, José Luiz. Língua, identidades e fronteiras. Diversitas, [S.l.], jul.2013. Disponível em:<http://www.revistas.usp.br/diversitas/article/view/58381>. Acesso em: 11, dez. 2015
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 159 – 177.
SANTOS, Boaventura de Souza. Modernidade, identidade e a cultura de fronteira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5 (1-2): 31-52, 1993 (editado em nov. 1994)
SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e Identidade social: Territórios Contestados In: Silva, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 190 – 207.

VEIGA-NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Educação, n.23, mai-ago, 2003. p.5-15.

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